Emad Burnat: “Para continuarmos nossas vidas, temos que lutar!”

Filipe Rossau

Durante cinco anos, Emad Burnat deixou de ser apenas testemunha ocular das tensões entre o povo palestino e as tropas de ocupação israelense na região da Cisjordânia, para se tornar um contador de histórias – mais especificamente, a que ele próprio vive. E do registro dessa história, nasceu o documentário 5 Câmeras Quebradas, que foi indicado ao Oscar na categoria de Melhor Documentário Estrangeiro e rendeu o prêmio de Melhor Diretor em Documentário Internacional no Festival de Sundance.

Morando em Bil’in, a oeste da cidade de Ramala, ele comprou uma câmera para registrar os primeiros momentos de vida de seu filho mais novo, Gibreel Emad. Paralelamente, outros acontecimentos chamaram sua atenção. Na mesma época, no inverno de 2005, escavadoras de Israel iniciaram a construção de um novo muro em seu vilarejo, o que reduziria ainda mais a área da Palestina. Ao resistir, os moradores da vila deram um exemplo de determinação e coragem.

Por meio das lentes de Emad – e das cinco câmeras que foram quebradas durante as filmagens, e que deram título ao filme, co-dirigido pelo israelense Guy Davidi –, a luta ganhou não apenas repercussão, mas rostos e nomes, como Bassem Abu-Rahma, ou Phil, manifestante palestino, morto em 2009 por militares de Israel; e Adeeb Abu-Rahma, líder de protestos de práticas não-violentas, que chegou a passar dois anos preso por envolvimento em atividades políticas contra a ocupação. Mas há também Soraya Burnat, esposa de Emad, que foi criada no Brasil – o que explica o alto número de referências ao nosso país ao longo do filme, como crianças vestindo camisetas da seleção brasileira e até mesmo a bandeira nacional pintada na porta da casa da família; e Gibreel, o caçula, que se torna um “guia local” no decorrer do longa.

O menininho representa muito do que as gravações mostram. Ainda bastante novo, ele cresce no cotidiano dos habitantes de uma área ocupada, em meio a uma sociedade marcada pelo medo. Suas primeiras palavras? Muro, cartucho, exército… E como se fosse banal do dia-a-dia, é sobre isso que ele e Emad falam enquanto andam pelas ruas. Com apenas três anos, já ia de carro nas manifestações e observava como os detidos eram tratados.

– Papai, por que não mata os soldados com uma faca?
– Porque me dariam um tiro. Por que quer lhes fazer mal?
– Porque mataram o Phil. Por que mataram Phil? O que ele fez?

Esse é o diálogo entre Gibreel e Emad enquanto consertam um carro. O documentarista define que “enquanto apagamos cada momento da nossa infância, é a raiva que permanece”.

Sessão comentada na Unisinos

Três anos se passaram desde o lançamento e Emad Burnat ainda viaja pelo mundo para apresentar seu trabalho e discutir a grave situação em que se encontra a população na Palestina. Na última segunda-feira, 30, ele falou para estudantes da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em uma sessão comentada organizada pelo Diretório Central de Estudantes e pelo Centro Acadêmico dos Estudantes de Direito da faculdade. “O problema é que um outro país roubou nossa terra. E para continuarmos nossas vidas, temos que lutar. Quando o exército israelense construiu o muro, perdemos 55% da nossa área. Não temos onde construir, não temos onde plantar, não temos onde viver, não temos onde fazer um futuro para nossas crianças”, atesta, lembrando que, ao contrário do que é falsamente propagado, o conflito na região não pode ser reduzido a estereótipos religiosos.

O cineasta acredita que cada um deve encontrar sua forma de lutar, e que o cinema pode ser um meio. “O filme que eu fiz é um grande exemplo, por toda a atenção que chamou para a causa palestina. Mostrar nossa realidade para outros povos é muito importante. A mídia internacional tem forte domínio dos Estados Unidos e de Israel, e o cinema feito por nós é uma maneira de quebrar isso”, comenta ele, que revela planejar uma sequência para o documentário, seguindo na mesma linha do seu primeiro filme.

Foto: Carolina Teixeira Lima

Emad, ao centro: “O problema é que um outro país roubou nossa terra. E para continuarmos nossas vidas, temos que lutar”. Foto: Carolina Teixeira Lima

No entanto, ele descarta, pelo menos por ora, transitar no ambiente dos filmes ficcionais. “Fazer ficção exige um conhecimento maior e, principalmente, dinheiro, o que foi uma dificuldade já no documentário”, explica ele. Nem a Autoridade Palestina (junta semi-autônoma que governa os territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza), nem outros grupos internos apoiaram a produção, e o incentivo financeiro, que passou a ser dado apenas nas etapas finais, veio de fora do país.

Incentivo moral, no entanto, não falta. O primeiro filme da vida de Emad Burnat foi também o primeiro longa-metragem palestino a concorrer ao Oscar. O filme chamou atenção de grandes nomes do cinema político, como Michael Moore, diretor dos aclamados Tiros em Columbine e Sicko -$O$ Saúde, e rendeu alegrias peculiares ao pequeno Gibreel, que segundo seu orgulhoso e sorridente pai, foi a primeira criança a pisar no tapete vermelho. Também não parecem faltar razões para Emad continuar seu trabalho como documentarista, o que ele deixa como recado no encerramento do filme: “As feridas esquecidas nunca se curam. Então filmo para curá-las. Sei que podem chamar à minha porta em qualquer momento, mas eu continuarei filmando. Me ajuda a enfrentar a vida, a sobreviver”.

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