Chico Buarque e seu irmão alemão

Carlos Garcia

O Irmão Alemão, de Chico Buarque, é uma ficção. O irmão alemão do Chico Buarque é real. Inspirado na busca verdadeira por encontrar seu irmão nascido na Alemanha, Chico forja uma realidade, nas páginas do livro, que retrata sua curiosidade e esperança em conhecer seu mano alemão.

É importante esclarecer que o pai de Chico, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, teve, de fato, um filho alemão antes do casamento. No início da década de trinta, o autor de Raízes do Brasil, foi enviado para o país de Goethe e Toni Kroos como correspondente do Jornal, de Assis Chateaubriand. Lá, namorou com Anne Ernst e, somente depois que voltou ao Brasil, soube que a menina esperava um filho seu. Nunca, porém, o encontrou. Enigma que só foi desvendado recentemente.

Tendo esse fato real como ponto de partida da história, Chico aventura-se num terreno pantanoso entre o solo firme da verdade e as águas plácidas do romance. Busca contar sua própria angústia acerca da procura do irmão. Ou não. Não se sabe. Pode ser simplesmente a angústia do personagem. Porque o leitor não tem conhecimento em que ponto do texto a história passa de verídica à fantasiosa. É a autoficção, estilo cada vez mais comum na literatura em que autor, narrador e personagem principal se fundem num só sujeito. A história, portanto, é narrada em primeira pessoa. Para isso, o autor se traveste de Ciccio, apelido de Francisco no italiano da sua mãe Assunta. Já Sérgio Buarque de Holanda é Sérgio Hollander, nome pelo qual o historiador era chamado entre os germanos.

São vários os problemas apresentados paralelamente à busca pelo irmão. O relacionamento ruim de Ciccio com o pai indiferente e com o irmão mulherengo é importante e está presente ao longo da narrativa. A abordagem à questão do nazismo também é bem trabalhada. Não chega a ser expresso na forma dramática, como é comum no cinema e literatura, mas é exposta de forma consciente e em total sintonia com a história. E, claro, como opositor à ditadura militar, Chico não podia deixar de lembrar como as coisas funcionavam no Brasil à época. Ainda que sem aprofundamento demasiado, o autor insere a questão de forma pertinente e oportuna. Muitos desses problemas não são resolvidos. O que não é ruim. Parece-me que assim a história fica mais verdadeira.

Na busca pelo irmão, Ciccio vai envelhecendo, até chegar nos dias atuais. A maior parte da história, entretanto, está ambientada na São Paulo dos anos sessenta. São várias as referências que o autor faz a cultura daquele tempo. Estabelecimentos comerciais, eventos, músicas e filmes vão aparecendo no correr da narrativa, dando um aspecto real e temporal à história.

Aparecem também, e muito, as referências literárias. A biblioteca do Sérgio Hollander ocupa a casa inteira, levando Ciccio a conviver entre os livros. Sem contar que o narrador se forma em letras e trabalha como professor de literatura. Esse é um dos pontos um pouco forçado. A menção a muitos escritores e títulos clássicos me dá a impressão de ser uma armadilha para que o leitor apaixonado por livros se prenda a história. E, no caso de O Irmão Alemão, isso funcionará muito bem se algum gaiato não se afeiçoar pelo conteúdo da narrativa em si.

Ainda que a historia apresente uma neblina que impede o leitor de identificar o verídico da ficção, existem trechos bem claros, principalmente para quem conhece a biografia do compositor de Apesar de Você. Ciccio, por exemplo, saía para roubar carros com o amigo Ariosto. A “cena” faz alusão à ocasião em que Chico foi preso, ainda com 17 anos, por roubar um carro e causar um acidente. Também, no texto, põe a namorada Minhoca para estudar na escola onde a irmã de verdade, Ana de Holanda, iniciou os estudos, a antiga Des Oiseaux.

No que se refere ao estilo, o autor é perfeito. Não há sequer um trecho que não seja bem construído e bem aparado. O tom divertido, em algumas partes, até faz lembra um pouco do estilo do Luis Fernando Veríssimo. O ritmo também é muito bom. Só há um momento em que fica difícil de entender o salto cronológico dado pelo personagem. Só.

Em alguns momentos, o interesse em encontrar o irmão alemão pode ser maior por parte do leitor do que do próprio Ciccio. Não que o personagem seja desinteressado por isso. Não. Ao contrário. É que as vezes parece um pouco lento na sua procura. Mas é, sem dúvidas, seu maior objetivo de vida. E é esse jogo que deixa O Irmão Alemão uma leitura tão saborosa.

Ouça um trecho de O Irmão Alemão pelo próprio Chico Buarque:

carlos

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Um Comentário

  1. O livro é ótimo para curar insônia! O Chico é um chato! Maior mala que eu conheço!

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