Como ser hipster

Fabrício Silveira

Sem dúvida, o hipster é o personagem emblemático de nosso tempo. Seja em Santa Maria ou Porto Alegre, seja em São Paulo, Nova York ou Londres, é muito fácil encontrá-lo. O hipster é uma figura carimbada da fauna urbana de qualquer cidade medianamente populosa. Para identificá-lo, basta reconhecer a indumentária e os acessórios retrô, o particular senso de humor e o apreço declarado pela cultura indie. O hipster é o estereótipo da vez.

Há mais de cem anos, no entanto, Georg Simmel já havia localizado o caráter blasé do homem moderno (que, àquela época, dava seus primeiros passos). Tornar-se blasé, no caso, era a estratégia cognitiva adotada por aquele que habitava as grandes metrópoles européias por volta de 1900. Naquela circunstância, tornar-se blasé era preservar a auto-imagem, era preservar a própria integridade física e, inclusive, psíquica, diante dos hiperestímulos da cidade moderna. Hoje, é a figura do hipster que traduz estes esforços e estas funções de estabilização psicossocial. Através dela, personifica-se um modo de gestão sócio-simbólica da vida pública. Mas como se faz (e como se cria), atualmente, um hipster?

A princípio, é muito fácil: óculos de aro grosso, calças ou bermudas curtas – de preferência, bermuda combinando com o blazer –, gravata borboleta, camisas sempre abotoadas e o indefectível bigode, no caso dos meninos. Para as meninas, vale combinar peças modernas e peças vintage, abusar dos acessórios (óculos e chapéus, principalmente), das calças skinny e da padronagem poá. O xadrez das estampas também é recomendado. A magreza anoréxica é sempre bem-vinda (sic!), em todos os sexos. E pronto! Fez-se um hipster!
Emocionalmente, os ingredientes são os seguintes: ansiedade informacional, angústia interacional (isto é, desejo histérico de sociabilidade [algo que não pode ser confundido com desejo de reconhecimento social legítimo]) e alguma imaturidade (ou seja: pouco trânsito emocional e pouca auto-aceitação). Mas há mais.

Um hipster não é muito resistente em relação ao canto da sereia de uma sociedade hipermidiática. De forma nenhuma é indiferente à cultura pop, à moda e à tecnologia – e chega mesmo a canalizar um tipo muito específico de fetichismo tecnológico. Mas ele se envergonha um pouco disto. Afinal, em sua intimidade profunda manifestam-se resíduos de melancolia e autoconsciência reais.

Na superfície, portanto, um hipster é uma linguagem, é uma marca geracional, é uma estilística subcultural. Em essência, é o sintoma de uma aceleração e de uma falta de rumo históricos. Nele, há um traço schizo, como se estivesse reagindo a um curto-circuito, tentando atender duas ordens contrárias: a sombra do passado x o abismo do futuro. Sem anticorpos, o hipster se ilude pensando ter encontrado uma identidade e um lugar simbólico seguros. Ao tomar a ironia como escudo, ao transformar o humor num mecanismo de fuga e desengajamento, o hipster simula uma imunidade e um distanciamento crítico.

Mas é uma ilusão. Na verdade, o hipster não sabe o que fazer, não sabe nem mesmo do que gosta e tem absoluto pavor da contrariedade. Recorrer à ironia é o que há de mais óbvio e menos trabalhoso. Num mundo diverso, onde é possível se reconstruir, onde é possível ter acesso a quase tudo, ele não sabe realmente o que buscar e não sabe ser ninguém.

Fabricio

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