Minas de Ouro

Lara Rossato no palco do Opinião, no show Loop Sessions Live, em janeiro.

Lara Rossato no palco do Opinião, no show Loop Sessions Live, em janeiro. (Foto: Ariane Laubin)

Thiago Suman

Porto Alegre é a casa das grandes cantoras. Sempre foi. E existe uma resistência ao talento contemporâneo que impede que percebamos que vivemos no tempo das vozes mais virtuosas e potentes de todas as eras. É algo que se aclimatou na cultura brasileira: renegar que temos artistas de qualidade nos dias de hoje. E dia 14 do mês inaugural de 2016 serviu para selar os lábios dos que maldizem nossa musicalidade, afinal de contas, falador passa mal.

O selo Loop Discos brindou o público com um mosaico de shows, fazendo do palco um grande vitral de estilos, texturas, propostas, mas que teve um uníssono o brilhantismo de intérpretes que representam a matriz musical brasileira, com projeção nacional e internacional.

O evento, intitulado Loop Sessions Live descortinou o palco sagrado do Bar Opinião para a versatilidade e drive de Lara Rossato, a brasilidade e o canhão vocal de Nani Medeiros, a temperança e o groove de Bibiana Petek e a energia carregada de suingue da dupla Donna Duo.

E essa noite foi das mulheres que comandam música produzida no Sul do país. O festival começou com Lara Rossato, já com o clima lá em cima, dominando a cena, com trabalho autoral e um cover maduro de algumas das grandes canções universais. Em Valerie, da banda britânica The Zutons e que com a roupagem indefectível de Amy Winehouse se faz aspirante a clássico do século, Lara dá as cartas da sua extensão artística: uma obra de complexidade no tocante à interpretação, em que ela defende com naturalidade, sem reforço do time de backingvocals, que normalmente estão à serviço dos intérpretes dessa música para ajudar a segurar quando os tons valseiam em agudas notas que testam a pluralidade do cantor. Lara brincou de cantar.

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“Nani Medeiros tem a mesma estatura artística das grandes cantoras da música brasileira dessa geração” (Foto: Ariane Laubin)

Nani Medeiros deu sequencia a esse sarau, colocando o pé no chão e deixando a voz atravessar a atmosfera. Acompanhada de bandão, tendo sopro, violão de doze cordas e uma cozinha de percussão ritmando o partido alto, Nani soltou as amarras do seu canto e coloca dessa forma o RS no mapa da MPB com a mesma primazia de Elis. Nani Medeiros tem a mesma estatura artística das grandes cantoras da música brasileira dessa geração, como Roberta Sá, Céu, Tulipa Ruiz e Tiê. Além da imposição no canto, se agiganta em palco, como fosse seu próprio ilê.  É das divas da sonoridade pau Brasil.

A terceira atração da noite das Divas de Porto Alegre foi Bibiana Petek, que reuniu o maior público, puxado pela gravidade da artista. Bibiana levou o público ao delírio, fez da noite um baile e tudo isso com um groove único. A tessitura artística de Bibiana Petek também fica gravada de modo a fazer que cantemos ou cantarolemos seu repertório por dias a fio.  O som de Bibiana é daqueles de furar o disco de tanto ouvir. Um trabalho comercial, porém, sem a rasa proposta sintética. É orgânico, com a personalização de um autoral imponente em letra, melodia e arranjos. Dona de um rasgado de voz que normalmente batiza as diferenciadas de escala nacional; empunhando sua semiacústica, em meia-espalda, candência com maestria os números. Essa baixinha de estilo nos entrega uma artista que transborda em afinação impecável e na empatia que consagra os que arrastam multidões pelo fio condutor da arte honesta.

Bibiana Petek (esq.) e Donna Duo (dir.)

Bibiana Petek (esq.) e Donna Duo (dir.) (Fotos: Ariane Laubin)

O encerramento deste caldeirão ficou sob a batuta do Donna Duo, que verte a presença feminina em sua extrema representatividade: baterista e guitarrista da banda de apoio são mulheres, com o baixo e voz de Naíra da Motta e com a voz principal de Dani Zan. Uma banda 100% feminina e com sotaque. Sotaque melódico e digital impressa num caleidoscópio de gêneros. Da milonga ao forró, essas meninas chovem pra cima, num astral e simbiose de palco que opera em harmoniosa e agradabilíssima volúpia de vozes sobrepostas e que no encaixe de timbres femininos impõe respeito.

Porto Alegre é a terra das mulheres de canto bonito. Das senhoras da cena artística e isso é certo e sabido, então, respeita as minas que elas estão com tudo, de microfone e guitarra na mão.

Colunista Thiago

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