Oly Jr. | Música que se gosta, e que não se gosta

Oly Jr.

Troco essa coisa de existir música boa e ruim, pela existência de música que se gosta, ou não. Sei que é um tema controverso, mas de uns anos pra cá, tendo a exercitar essa percepção. Não tá no gibi a quantidade de gente que defende a “tese” de que não só existe música boa e ruim, como devemos manter essa classificação, como uma espécie de muro crítico, pra nos posicionarmos na sociedade, e não nos perdermos num eventual buraco negro sem rótulos. Parece que o ser humano não vive sem um rótulozinho.

Temos a necessidade dessa organização cerebral adjetiva. Com, ou sem critérios. Mesmo estabelecendo critérios, na minha óptica, muitos julgamentos, ou criticas, deixam escapar um certo preconceito enraizado na sociedade. Mesmo que de forma inconsciente, talvez como cacoete, ao estabelecermos que algumas músicas são boas e outras ruins, tentamos convencer as outras pessoas a partir do nosso gosto que, ora vejam, pode ser mais “refinado” que o outro. Às vezes travestimos nossa ânsia por estabelecer o bom e o ruim na música, de bandeira pela manutenção do bom senso social, do senso crítico, dos bons costumes, da erudição, que acabamos por perpetuar um quê de conservadorismo, muitas vezes classista, racista, machista, ideológico e absolutista. Por vezes até nos contradizemos.

Discuto muito isso nas redes sociais, ao vivo, e na faculdade de música. Tem gente, por exemplo, que diz que gosta muito de uma banda, mas sabe que ela é ruim (?).  Imagina a quebra de cuca do malandro! Outros afirmam com veemência que certos estilos musicais são pobres em termos harmônicos, melódicos e rítmicos. Mas paradoxalmente defendem que a música pobre, pode ser boa, e uma música dita rica nesses elementos, pode ser ruim. Êita! Não seria mais interessante trocarmos alguns termos como música pobre, ou rica, boa, ou ruim, por música que nos “bate”, ou música que não nos emociona?

Penso que uma música que nos emociona de alguma forma – nos faz pensar, lembrar, chorar, ter raiva por conta a temática, dançar, sorrir –  não pode ser pobre, nem ruim, porque ela está cumprindo seu papel de elemento transformador da condição humana. A palavra “pobre” dá o entendimento de algo ser desprovido do necessário, poucas posses, sem recursos. E isso ser usado pra música, é um troço muito arriscado, pois, por mais simples que ela possa ser, pode causar reações diversas em um ser humano, cumprindo uma eventual intenção, e interferindo de alguma maneira no meio, como uma simples materialização de uma ideia, que até então estava no campo subjetivo, da não-existência. Só aí já devemos nos prestar a uma reflexão sobre o papel da música como elemento fundamental da existência humana. Sem critérios qualitativos para estabelecer musica boa, ou ruim.

Aliás, tais critérios qualitativos já existem no campo fisiológico do som. Altura, duração, intensidade e timbre, são qualidades que o ouvido humano percebe em relação ao som. O fato de um grupo, ou uma camada social se referir a uma música como boa, ou ruim, é puramente uma convenção social para determinados fins. Quais fins? Mercadológicos e egocêntricos. Assim como a moda. Exercita-se um suposto gosto “refinado”, induzido por uma minoria, auto-proclamada, ou socialmente endossado a estabelecer critérios de avaliação, no que diz respeito às manifestações artísticas do ser humano. Aí, forja-se, ou convenciona-se, que algumas criações artísticas são melhores que outras, pelo simples fato de elas estarem atreladas a um grau de instrução elevado, complexidade harmônica, melódica e rítmica.

Quando sabemos que, na prática, uma linha melódica de extrema simplicidade, harmonia singela, ritmo e letra de fácil assimilação, por vezes seguida de desafinações, rouquidão, fanheza, ou adjetivos constantemente ligados a um viés pejorativo,  incrivelmente nos emociona, por estar associada à memória afetiva, ou ao meio presente, e que por algum motivo despertou alguma sensação. Não quero estabelecer absolutamente nada. Apenas fiz uma troca. Exercitar a simples percepção de existir música que me toca, ou não, em detrimento do pensar em música boa, ou ruim. E, de quebra, antes de estabelecermos critérios avaliativos para uma determinada música, deixo algumas perguntas que poderão ser feitas antes de qualquer conclusão:

Até que ponto os critérios musicais convencionados são benéficos, e influenciam a apreciação musical? Quais  foram as evoluções musicais ao longo da humanidade? Qual o sentido da música pra um se humano? Existe música do ponto de e vista técnico, e música meramente apreciativa? A música é linguagem? O que é mais importante: saber a teoria ou saber executar um instrumento? O ritmo, a harmonia ou a melodia? A intenção define o processo artístico? Qual o papel do som na música? E do silêncio? E do barulho? Barulho e ruído são música? O que é música popular? E erudita? E música clássica é só música do período Clássico, ou do período Renascentista, Barroco e Romântico também? O rock perdeu o roll? Todas as civilizações fazem música? Todas têm os mesmos critérios, definições e conceitos sobre música? Tem alguma mais certa que a outra? Existe cultura ruim e boa? Alguma cultura é melhor que a outra? O que é cultura? O que é arte? O que é música?

OLY JR.
Músico/compositor auto-didata, atuante desde 1998 e ganhador de 4 Prêmios Açorianos de Música. É o autor da fusão “Milonga Blues”, misturando a milonga latino-americana com o blues norte-americano. Atualmente, além da carreira como músico, é estudante de curso de Música do IPA.

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