Oly Jr. | Tradição, Blues e Samba

Oly Jr.

O que tem em comum o mercado fonográfico e artístico referente à música tradicionalista gaúcha, o blues, e o samba? Na minha humilde opinião, o reducionismo cultural em prol de um marketing que dê resultados mercadológicos. Desafio o leitor a fazer um exercício de busca por conceitos de palavras como “blues”, “gaúcho”, “samba”, “milonga”, “tradicional”, “nativo”, “música”, “arte”, “cultura”, e “identidade”, por exemplo. Tá, eu sei! Vai tomar um bom tempo. Mas talvez esse tempo dedicado à algumas reflexões sobre conceitos, origens de algumas palavras, de alguns gêneros musicais, de alguns idiomas, de alguns comportamentos, de algumas gírias, de alguns termos, possa evitar muita ignorância e preconceito, e principalmente o reducionismo das culturas.

Todo ano é a mesma coisa: 20 de setembro se aproximando e começa um festival de grossuras, negações identitárias, e ufanismos a torto e direito. Normal. Além de tudo aquilo que a gente já está cansado de saber, sobre uma guerra elitista (quase todas foram, e são), racismo, traição, jogo político, vieses históricos, contextualizações, omissões, e outras cositas más, o que mais me incomoda talvez seja a necessidade do ser humano de tentar reduzir uma condição cultural, à regras, de cunho comportamental , explicativas, de como proceder para ser um gaúcho, um brasileiro, pra tocar blues, samba, milonga, vanerão, choro… e por aí vai. E sempre essas regras são impostas por um pequeno grupo seleto, que em princípio, detém certo poder político, midiático e intelectual. Daí é um passo pra isso se transformar em capital de giro onde poucos ganham, e muitos perdem, e uma indústria de entretenimento autoritário, disfarçada de arte, se impõe de forma avassaladora, conquistando adeptos, fiéis, que tem como ação primeira, excluir tudo e todos que não seguem uma linha ideológica determinada, propícia para levantar bandeiras marqueteiras, que tem como finalidade algum tipo de lucro, ou uma necessidade etnocentrista, de auto-afirmação, que fatalmente irá beneficiar um grupo seleto, para desenvolver um mercado central, ou paralelo, mas sob a insígnia de serem tutores de uma cultura, e seus desdobramentos sociais e artísticos.

Essa coisa de ser gaúcho, ou como ser um, é um troço que faz parte da minha existência. Ou seja, me deparo com esse conflito estadual desde sempre. O universo blues, suas raízes e desdobramentos, eu venho estudando há mais de 20 anos. E o samba, ao mesmo tempo em que me é natural, nunca tinha me despertado um sentido de pertencimento há até uns 5 anos, mais ou menos. E perambulando por esses mundos bem peculiares, me deparo com dezenas de similaridades, comparações guardadas as devidas proporções, paralelos que coexistem, e perpendiculares antropológicas.  E uma das coisas que me cai como uma bigorna na cabeça é essa rasa tendência que temos, de sempre tentar enxergar o fator identitário como algo fechado, permanente, quase imutável, de acordo com o que alguém, ou um grupo, ou uma situação política, e religiosa, estabeleceu como verdade. Seguidores indiretos de Parmênides (séc. VI a.C.). Só tem um detalhe: ainda no século VI a.C., também existiu um carinha chamado Heráclito, que afirmava que tudo tem uma fluência. E que as coisas “são” porque justamente estão em constante movimento.

Entonces, meu caro e minha cara, não adianta, ao menos pra mim, dizer que pra ser gaúcho tem que usar bombacha, tomar chimarrão, falar grosso, não sentir frio no inverno, ser machista, homofóbico, adorar cheiro de esterco, e ter orgulho de façanhas militares e elitistas, escravocratas, traíras, e expansionistas de marca maior. Não adianta reduzir o blues a um mero gênero musical, que se toca assim e assado, com instrumentos musicais específicos, timbres específicos, roupas específicas e blá blá blá, que há muito tempo, num outros continente, e mesmo sendo levado a força pra outro continente, o blues já estava presente como fator cultural e espiritual. Só no gogó já se canta blues. Na falta de sorte, na desgraça, já se sentia o blues. E em muito se assemelha ao samba, que felizmente não é dependente d’um cavaquinho, de um pandeiro, ou de um violão. Na palma na mão, nos versos folclóricos, na melancolia, no candomblé, no batuque, já se fazia samba. Não como gênero musical. Mas como manifestação cultural. A unidade tem sua origem no multiculturalismo. E usar somente um fator dessa multiculturalidade pra rotular, e forjar um tipo caricatural pra alimentar um mercado, ou sua simples satisfação umbiguista, é ignorância da braba. Se eu quiser tocar blues com uma viola de 10 cordas, ou com um pífano, tocar milonga com berimbau, samba com gaita de boca, ou com violino, ou tocar tudo isso com sopapo, de bombacha e all star, e cantar em tupi-guarani, ainda assim vou ser gaúcho, sulista, brasileiro, latino-americano, ecoando blues e samba de revesgueio. Salve Giba Giba, Baden Powell, Charley Patton, Robert Johnson… Atahualpa, Mercedez , Zitarrosa e Violeta…  Jayme Caetano, Gildo, Paixão e Lessa… Sepé, Bará e São Gonçalo. Essa é minha tradição, e fim de papo.

OLY JR.
Músico/compositor auto-didata, atuante desde 1998 e ganhador de 4 Prêmios Açorianos de Música. É o autor da fusão “Milonga Blues”, misturando a milonga latino-americana com o blues norte-americano. Atualmente, além da carreira como músico, é estudante de curso de Música do IPA.

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