Os impactantes contos do Jacaré

Luiz Sérgio Metz é natural de Santo Ângelo (RS). Foi escritor, jornalista e compositor. Jacaré, como era conhecido, morreu em 1996.

Luiz Sérgio Metz é natural de Santo Ângelo (RS). Foi escritor, jornalista e compositor. Jacaré, como era conhecido, morreu em 1996.

Carlos Garcia

Lá se vão vinte anos sem Luiz Sérgio Metz, o Jacaré. Não cheguei a conhecê-lo. Tampouco apreciei sua obra em vida. Só agora, fui ler, pela primeira vez, uma ficção sua. É O primeiro e o segundo homem, livro de contos que me deixou deslumbrado pelo seu trabalho. Fico imaginando o quanto poderia ter sido produzido pelo Jacaré, se não tivesse sido vitimado prematuramente pelo câncer.

Fui instigado a conhecer o trabalho de Metz alguma vez que li o professor Luis Augusto Fischer elogiando efusivamente o escritor. Depois, numa conversa durante a última Feira do Livro, o Dilan Camargo me recomendou as ficções do Jacaré. Bom, eram dois entendidos carimbando e assinando embaixo. Não podiam estar errados. E, claro, não estavam.

Quando terminei de ler O neto do Senhor, primeiro conto do livro O primeiro e o segundo homem, pude entender que não se trata simplesmente de um conto, mas de um furacão. O texto de Metz é um fenômeno que chega com força e tira do lugar as ideias do leitor. Já nesse conto de abertura, fica clara a forma elegante com que o autor subverte padrões. Ele confirma o caráter divino atribuído à figura de Sepé, mas por meio de um divertido labirinto de palavras.

No todo, o estilo do texto saborosíssimo se alia a temas pontuais, que Metz trata com sensibilidade única. A atenção dedicada ao gaúcho do campo, por exemplo, é um dos pontos fortes nas histórias do escritor. E complementa, de certa forma, a análise feita na literatura de Cyro Martins, em especial no que se refere à decadência da relação entre o gaúcho e campo.

É o que se pode ver nos contos Ulpiano, seus irmãos e sua velha mãe, no qual os personagens abandonam o campo em busca de uma vida melhor na cidade, e A noite da boiguaçu, em que as mazelas da cidade grande finalmente chegam e abalam a tranquilidade do campo. Nos dois casos, o autor despeja a realidade nua e crua. Casos que poderiam ser verdadeiros. Ainda que busque em alguns momentos um tom bem humorado, jamais encobre a realidade em favor de uma história mais bonita e feliz.

Além da questão do homem do campo, Metz resgata aspectos da infância. Uma infância simples e distante. Do tempo em que as crianças transformavam coisas mínimas em grandiosas. Em A nica-joga, o autor demonstra, em primeiro plano, a decepção com insucesso no jogo de bolita, mas, quem lê, se comove com a beleza nostálgica da infância. Comoção ainda mais aparente no bem poético Lucinho, o inventor de passarinhos, outra história que tem o mundo de criança como objeto principal.

No livro, não há conto que possa ser considerado fraco. Todos tem seu valor. Mas o mais impactante é A cadela e o guri. A vida no lixão, a vulnerabilidade social e a violência são compactadas em poucas páginas para jogar na cara do leitor de classe média a cruel realidade do mundo. Não que o autor queira comover o seu público com um mimimi típico das lições de moral de Hollywood. Apenas busca mostrar como é a pobreza extrema. Ela existe, está aí e é assim. E existem pessoas assim e assim ⎼ honestos e bandidos ⎼ vivendo nessas condições. Não tenho dúvida que, de todas, é a história que cumpre o papel mais importante no decorrer do livro.

Embora o conteúdo de O primeiro e o segundo homem seja de tanta força e efeito, estou admirado também com o estilo e linguagem. Nos textos de Metz, cada palavra, cada virgula, cada ponto está no local perfeito. As curvas das frases dobram no ponto exato. Isso quando tem necessidade de dobrar. Caso contrário, estaqueiam na medida. As repetições também. Metz não as poupa. Mas também não exagera.

Para indicar algum ponto negativo, talvez eu precise reler o livro usando o óculos do mal-humor. Pena que a vida e obra do autor tenham sido tão curtas. Eu, que não quero perder tempo, enquanto escrevo este texto, já estou com outra janela aberta, procurando onde arranjar o outro livro de ficção de Metz, o romance Assim na terra.

carlos

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