Thiago Suman | Espiral de Ilusão: O samba de Criolo é a cara do Brasil

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Thiago Suman

Criolo esteve em Porto Alegre, no último dia 27 de maio, abrindo turnê com seu novo disco, Espiral de Ilusãoque apresenta 10 obras inéditas. Porém, o que envolve o novo trabalho é o aporte de uma nova (velha) roupagem do rapper: o samba (em sua mais tradicional e genuína versão).

Não é novidade a sua intimidade com o samba, por assim dizer, pois em outros trabalhos e shows já poderíamos notar a pigmentação de seresteiro e alguns picos de partido alto. Já era uma pedalada lenta rumo a essa vontade que é pungente no artista desde a infância – quando ainda morava no Grajaú – e, segundo ele, naquele tempo, tentava imitar a mãe que cantarolava sambas. Em diversas entrevistas, Criolo sinalizou seu desejo de ‘sambar’ e se religar com a origem: “O samba não é quando você quer, não é na hora que você quer. É quando seu coração está preparado”, diz ele com a macia fala que acalanta sempre.

É a multiface de um cantautor que assenta seu trabalho no cimento fresco das influências: de Chico Buarque em sua releitura de Cálice – na tessitura da marginalização que expos na paródia -; da pretensa intenção em fazer Tim Maia, ainda que longe da artilharia de voz do pai da soul music do Brasil, se permitiu cantar o que lhe fez cantor; e, voltemos assim ao princípio, pro chão que lhe batizou: o rap de protesto. Denunciante. Das rinhas para os palcos, levando na garupa da rima a “trilha sonora do gueto”: Sabotage, Racionais, Facção Central, Rappen Hood.

Essa “Criolândia” musical nos revela mais do que uma simples ação de calcar seu trabalho no alicerce da comercialização. É o grito de alforria dessa imposição de pertencimento que acomoda plasticamente alguns artistas em nichos, segmentando sua forma de comunicar, limitando seu público, tolhendo seu manifesto pela imposição de mercado.

Criolo arrebata sensivelmente. Não canta por poder, canta por precisar da arte pra completar a natureza, em um catalisador aristotélico de conceber a expressão artística. É o porta-voz do morro, do oprimido, do amor, de onde não existe amor, do Cálice, do Cale-se, da nação que não consagra meninos mimados na sua regência, dos laraias-laraues compassados, da pick-up, do cavaco e do reco-reco.

Por onde quiser passear, o canto dele vai-se embora, sem medo da viela escura ou de avenida movimentada nem receio da falta de extensão e técnica vocal possante de outros ídolos cantores. É sincero e afinado no timbre de quem tem melodia escapando pelos poros, e Espiral de Ilusão é assim: nostálgico e valente. Nos devolve ao samba-mestre, avô do neo-sambista, do neo-pagodeiro e dos não classificados, mas que endereçam seu gênero musical ao CEP gingado em pandeiro e cuíca.

O disco encara de peito aberto o momento que atravessamos: a ranhura na identidade de ser brasileiro – seja pela fustigada realidade social -, mas especialmente aqui, me reporto ao expressionismo do que é ser culturalmente filho de Pindorama na pós-modernidade. Criolo refunda essa nuance, na vanguarda paradoxal em fazer o novo – de novo – a partir do velho – ao voltar até a origem de uma pretensa brasilidade

O “Doido” é filosofal, poeta, forrozeiro, passista, rimador e é o caldeirão do Brasil. Precisa dar vazão pra ser puxador e mestre-sala do país pra entrarmos na avenida com algo a dizer além do óbvio, com reflexão e punção plenas sobre nós mesmos, e nosso tempo. Abram alas para o samba de Criolo, pois, em espirais de gingas e canção, tristeza e pé no chão, meninos da nação, saudosismo e ilusão, veio, com razão, pra ficar.

THIAGO SUMAN
27 anos, natural de Porto Alegre, radialista, indicado cinco vezes consecutivas ao Prêmio Press de Jornalismo. Narrador e apresentador da Rádio Grenal, e também professor de filosofia e sociologia dos cursos pré-vestibulares Fenix e Unificado e como repórter, correspondente freelancer do tabloide Daily Mail, da Inglaterra. Como compositor, com 12 anos de trajetória, assoma mais de 100 registros em CDs, tendo sido consagrado vencedor do maior festival de música do Rio Grande do Sul, a Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana, em 2009. Thiago Suman escreve para o Culturíssima sempre no primeiro sábado de cada mês.

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