Thiago Suman | Terra e céu, raizes e asas, conservadores e progressistas…

Classe artística e ativistas dos movimentos LGBT protestaram contra o fechamento da exposição QueerMuseu (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Thiago Suman

Neste sábado, dia 7, seria o penúltimo dia de exposição QueerMuseu no Santander Cultural, não fosse a pressão pública motivada por ações conservadoras de cerceamento da manifestação artística. Ainda que movimentos de representação artística e grupos de livre expressão sexual tenham organizado protesto vultuoso e ainda que o Ministério Público Federal tenha sugerido reabertura, a exposição foi de fato cerrada.

O obscurantismo do não entendimento é mais profano que o possível desapontamento da sensação de desacato.

É importante encapsularmos o debate no seu pertencimento. Explico: Segundo a leitura histórica dos tipos de conhecimento dos quais nos abastecemos, são cinco as pontas geradoras: Senso Comum, Filosofia, Ciência, Arte e Religião.  As cinco formas de nos apresentar o mundo não necessariamente precisam dialogar e isso gera um prisma autárquico sobre a compreensão do universo – nosso tempo e espaço.

Imaginem o quão mutilada seria a arte se fosse seu limítrofe definido pela ciência, o quão rasa e vazia se fosse pautada pelo senso comum, o quão hermética e densa se manteria se fosse subordinada à filosofia e o quão adestrada, fosse ela tolhida pela religião.  Imaginem agora qualquer dogma religioso filtrado pela certificação dos métodos científicos ou restaurado pelo racionalismo empírico da filosofia com sua vertente de análise que afora a permissividade metafísica, calcaria a religião em ajustamentos dialéticos com a representação.

Não, nenhuma dessas pontas precisam fechar o arco ou alimentar-se em ouroboros.

Então, não é passível de cerceamento pela religião, que a arte seja perpetrada e tenha sua natureza violada de maneira abusiva e contraditoriamente policiada pelo conservadorismo que se escuda em seu casco de impedimentos de diálogo.  É preciso primeiro compreender a multi-faceta de expressões densas como as expostas, pois, simploriamente acomodar o argumento estético e aparente em pedofilia e zoofilia, é mais do que argumento religioso, é senso comum. Ou seja, dois dos pontos de entendimento do mundo penetrando num terceiro que não precisa oferecer explicação em retorno.

E para essa compreensão, o indivíduo precisa humanizar sua leitura com a primeira atitude existencial: pura vontade. Extinguir o ranço dos pertencimentos de grupos sociais e permitir-se a leitura neutral do que está diante de si e qual a intenção da obra, do artista, do produto…

A segunda ação é saber diferenciar o papel da arte que denuncia de uma apologia. Não conseguir abarcar essa diferença é comportamento restritivo a dois posicionamentos: ignorância ou e má-fé. Sendo a primeira implicação, o sujeito humano está absolvido da não apreensão do papel da arte, pois, ainda que ser ignorante, em tempos de revolução digital não seja mais um benefício, está disperso pela vazante de conteúdos informacionais que cada vez mais diluem a profundidade possível de um argumento científico, analítico e coeso sobre temas quaisquer.

Se, rapidamente acolher essas duas dimensões de percepção pra cumprir o papel de interlocutor da exposição, o sujeito já poderia identificar na série Criança Viada, o impacto e a náusea necessária que promove reflexão pra discussão mais que urgente sobre a identidade e o pertencimento da comunidade LGBT desde tenra idade. A violência contra esse grupo social tem varrido o país e precisa de resistência e se não pela arte, por qual das outras quatro pontes poderia ter espaço?

A obra Cruzando Jesus Cristo com Deusa Shiva faz verter algo naturalíssimo ao longo da composição das religiões, especialmente no próprio catolicismo: o sincretismo. O período helênico abriu no ocidente a difusão dos valores semitas e arianos e esse casamento batizou os rituais, dogmas, valores e outros elementos sacros dessa religião monoteísta formada com base em tantos elementos variados; As outras informações do quadro são críticas às imposições do grilhão ocidental: o consumo.

E assim poderíamos explorar todas as peças…

A impositiva ideia de pugilato político que permeia nosso tempo tem soterrado a chance de diálogo, de proposição, de extravio do eixo padrão e nos apinha no ringue de praça pública.
Não tivessem alardeado desproporcionalmente, domingo, dia 8, poderia ter sido o fechamento desse ciclo, muito provavelmente, com o mesmo rarefeito público de sempre, que se alimenta de arte sem precisar dividir o quinhão, já que poucos têm paladar pra essa provisão espiritual.

Porto Alegre sendo pano de fundo é sintomático pelo dualismo que constitui a bipolaridade da capital do estado que tem tatuado no peito da terra sua identidade tradicional versus o espírito encolhido e açoitado quando o poente sinaliza o progresso. Terra e céu, raizes e asas, conservadores e progressistas… a antítese que será tema da próxima guerra civil de Sul-América, se não harmonizarmos urgentemente a busca na unidade dos opostos, como solucionadora do caos.

THIAGO SUMAN
27 anos, natural de Porto Alegre, radialista, indicado cinco vezes consecutivas ao Prêmio Press de Jornalismo. Narrador e apresentador, com passagem pela Rádio Grenal. Professor de filosofia e sociologia dos cursos pré-vestibulares Fenix e Unificado e como repórter, correspondente freelancer do tabloide Daily Mail, da Inglaterra. Como compositor, com 12 anos de trajetória, assoma mais de 100 registros em CDs, tendo sido consagrado vencedor do maior festival de música do Rio Grande do Sul, a Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana, em 2009. Thiago Suman escreve para o Culturíssima sempre no primeiro sábado de cada mês.

Adicionar a favoritos link permanente.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *