Bibiana Petek: “A gente não pode perder a música viva”

Foto: Raul Krebs

Foto: Raul Krebs

Luiz Paulo Teló

Se alguém cair de Marte hoje e não puder, por algum motivo, buscar por uma imagem de Bibiana Petek no Google ou nas redes sociais, e apenas ter acesso ao áudio desta entrevista, certamente vai chutar que a menina tem 22 anos de carreira, e não de idade. Isso não significa que ela tenha papo de velho ou se porte como tal, muito pelo contrário. Mas é que – você vai entender ao longo da conversa – Bibiana se municia das mais ricas e improváveis influências para alguém com tão pouco tempo de estrada.

A porto-alegrense fala com a propriedade de quem estudou violino na infância, descobriu a MPB ainda no início da adolescência e hoje divide seu tempo com os shows para divulgar o primeiro disco (Dengo, 2014), o trabalho em uma gravadora, as trilhas para teatro e a faculdade de música. Tem ainda o show com repertório do sambista Túlio Piva, o prêmio de votação popular do Deezer, ano passado, e duas apresentações inesperadas em Londres.

Cantora, compositora e musicista, Bibiana Petek é, certamente, uma das novidades mais promissoras que a música urbana do Rio Grande do Sul tem a oferecer nessa segunda década do século XXI. Você também vai achar isso depois de ler essa entrevista exclusiva ao Culturíssima.

Para ouvir

Culturíssima: Como você iniciou na música?

Bibiana Petek: Meu avô era piloto de avião, então tem muita coisa de orquestra sinfônica do mundo inteiro, porque ele ia para os lugares e sempre gostou de música. Ele foi o cara que, quando a gente era pequeno, falou: vou botar vocês a estudar instrumento clássico. Aí a gente começou a tocar violino. Eu não conheci meu avô. Ele morreu num ano e eu nasci no outro ano, mas meu irmão já tocava violino, porque meu vô pagava aula na escola de música da Família Lima. Aí comecei a tocar violino lá também. Alfabetização musical com 6 ou 7 anos, aí toquei até uns 13. Cheguei a tocar com o Luiz Carlos Borges na orquestra da escola. Tocamos com ele, com o Borghetti, com os caras da música nativista. Eu estava na pré-adolescência, não entendia o valor que tinha. Hoje penso que: putz, já toquei com Luiz Carlos Borges, escuto as músicas do cara, conheço o violonista que trabalha com ele, na época eu deveria ter perguntado um monte de coisa.

Culturíssima: Nessa idade, o que de novo você começou a ouvir além da música erudita?

Bibiana Petek: Ah, musica brasileira, total! Me lembro que eu devia ter uns 13 anos, no último ano que estava estudando violino, já estava de saco cheio. Dos meus amigos de colégio, ninguém tocava um instrumento, ainda mais um instrumento erudito. Então eu me sentia um pouco fora. Todo mundo no inglês, na natação… Mas eu gostava, gostava muito. E absorvi muito bem, pois é nessa idade que tu absorve a música, depois fica muito difícil. Lembro que meu professor me deu Samba em Prelúdio, do Baden Powell, e eu curti. Daí falei pro meu pai, que falou de Vinícius de Morais e tal, e tem um disco, que é o São Demais os Perigos Dessa Vida, que meu pai me apresentou depois dessa conversa. Comecei a gostar de música brasileira, desde Fundo de Quintal até coisas que descobri mais recentemente, tipo Octavio Dutra e coisas assim. Isso, para impactar na música que eu faço, demora um tempo. As músicas desse primeiro disco, são de um período que eu estava ouvindo muito Seu Jorge, Nando Reis, muita Cássia Eller. No Dengo tem um samba, que é um pouco dessas coisas que eu já escutava, e como eu venho escutando coisas mais roots ainda, dentro até do projeto do Túlio Piva, esse próximo disco vai ser um pouco diferente, porque já deu um tempo de dois anos para essas ideias curtirem na minha cabeça e na cabeça dos músicos que tocam comigo, pois a gente ouve muita música junto. Música instrumental, os guris também têm estudado muito funk, muito soul, coisas com sopro. É muita coisa, na verdade, muita informação. Acho que tem uma coisa que se perdeu hoje que é a temática, os discos tinham uma temática. Hoje em dia, muito provavelmente, no teu primeiro disco, tu vai querer mostrar tudo o que tu pode fazer. O Dengo é assim, é uma música diferente da outra, ainda mais porque teve vários produtores diferentes. Tem um disco do Sérgio Mendes que tenho, que tu vê claramente uma temática. Os discos do [João] Donato também, tu vê uma temática naturalista, aí tu pega os discos do Caymmi, tem um que é um monte de marchinha, aí tu pega e tem um disco muito mais de rádio da época, empostado, canção, e tem disco só de samba, enfim, os caras faziam discos inteiros assim. Se fazia dois discos por ano.

Culturíssima: Você sente falta disso no primeiro disco e vai buscar algo assim no segundo trabalho?

Bibiana: É, o próximo disco vai ser um disco temático. Vai ser um disco que vai ter uma banda inteira, que é a banda que eu trabalho hoje, enclausurada. A gente vai ir para um lugar para gravar tudo em um verão – é a minha ideia. O Dengo é um disco que foi gravado por um monte de músicos diferentes, não tinha uma banda formada ali para gravar tudo. A gente não fez de uma forma convencional, que é gravar todas as baterias, depois todos os baixos, todas as guitarras, depois gravar todas as vozes. A gente foi fazendo descompromissadamente, que também é uma maneira, também é legal. Eu não tinha muita segurança das canções. Uma ou duas músicas chegamos a fazer três versões. Porque era tudo muito abstrato: era eu, no meu quarto, com guias de violão. Hoje em dia não. Passados dois anos, tem uma banda que me acompanha, e aí começa a surgir uma harmonia muito grande entre a gente. Estou muito feliz de estar com uma banda, é a minha mini gafieira, minha mini orquestra. É muito legal.

Culturíssima: E como aconteceu da Loop Reclame pegar esse teu material e lançar um em disco?

Bibiana: Um dia eu fui visitar a Loop. Tinha 16 anos, recém tinha saído do colégio. Fui conhecer e o Edu Santos já me passou um trabalho. “Ah, tem uma peça de um amigo meu, que se chama A mulher sem pecado, e eu preciso de uma música tema. Tu compõe, escreve, lê partitura, né?”. Falei que sim e pedi o texto da peça. Ele me deu o texto, que é do Nelson Rodrigues, aí no mesmo dia fui pra casa, fiz a música e voltei no outro dia. Gravei a guia da música, todo mundo gostou pra caramba, aí comecei o processo de gravar as outras coisas com o Edo Portugal. Então eu ficava ali na Loop, de vez em quando, uma vez por semana. Como tem vários produtores lá dentro, de publicidade, que fazem áudio para propaganda, começaram: “Ah, Bibiana, que tá aí de bobeira, vem cá e grava uma voz”, “Ah, vem cá e grava um cavaco pra mim”, “Tô precisando gravar um coro, canta aqui pra nós”. Então logo eu me vi muito envolvida. A peça estreou com a música, eu e o Edo Portugal fizemos a trilha inteira. Comecei, timidamente, a mostrar minhas músicas, e o Edu Santos perguntando, e os outros meninos que trabalham lá, também querendo saber, “bah, de quem é essa música, é tua?”. Comecei a gravar em estúdios de amigos, comecei a gravar em casa, e o fato de saber mexer em softwares de música, ter noção de mixagem, ajudou muito. De vez em quando, final de semana, ia pra Loop, chamava os guris: “Ah, vamos lá, que eu quero gravar algumas coisas”. No período de um ano e meio, a gente se viu com 10 músicas e fechamos o disco. O Edu disse que queria editar, distribuir e tal. Então vambora! Aí começou…

Culturíssima: Por que não tem o sobrenome na capa do álbum?

Bibiana: Cara, não sei. Acho que eles não associavam o sobrenome. A Bibiana é a Bibiana, sei lá. Isso foi uma decisão um pouco do Edu. Hoje eu uso o sobrenome. A gente não imaginava que ia rolar alguma coisa, e no fim das contas rolaram várias coisas. Devagarinho a gente vai indo. Eu não tenho muita pressão, faço faculdade de música, e trabalho bastante com gravação e mixagem, e por receber muitos artistas lá, para gravarem suas coisas, eu sei das dificuldades. Sei o quanto a classe precisa se organizar para chegar onde ela quer. É legal todo esse movimento de música autoral, é uma tendência do mundo, não é só no Brasil. Acho que a gente está no caminho, não tenho muita pressa, pra mim está tudo certo. Realmente tem muito trabalho bom na cidade e não fico pensando em sair daqui antes de fazer alguma coisa notável aqui. As minhas maiores vitórias têm sido tocar com as pessoas que eu sempre admirei, tipo Totonho Villeroy, tipo o Arthur [de Faria], tipo o Marcelo [Delacroix], tipo Giovanni Berti. Então acho que essa tem sido a maior vitória. São coisas que somente a música traz. A grana não traz isso. Os guris também estão super felizes de estarem trabalhando com um material sólido.

Foto: Victória Venturella

Foto: Victória Venturella

Culturíssima: Como aconteceram os shows em Londres?

Bibiana: O disco estava sendo mixado e, no meio de 2013, fui para Londres, de férias. Mas eu não levei violão, porque eu não queria tocar, não queria trabalhar, eu fui de férias! Só que chegando lá começou a rolar um monte de coisas, começou a rolar uns convites. A Marília Feix, que trabalha na Noize, na época trabalhava na Loop, falou que eu tinha que ir em tal bar, que fulano queria me conhecer. Só que daí eu já estava lá e, bom, não vou gastar 90 euros com um violão, vou ter que conseguir com alguém. Aí o Chico Paixão, que é guitarrista da Funkalister, eu sabia que ele conhecia algumas pessoas lá e mandei um e-mail pra ele e disse Chico, me ajuda, preciso de um violão. “Ah, fala com o Bisonho, tecladista da Hard Working Band, aqui em Porto Alegre, mas ele mora em Londres, há muitos anos”. Aí mandei uma mensagem pra ele: Olha, Bisonho, tu não me conhece, mas o Chico Paixão disse que tu poderia me ajudar, preciso de um violão, pois tenho dois shows marcados, no bar tal, no pub tal. O cara foi atenciosíssimo, viu os shows, me ajudou bastante, me conseguiu guitarra, amplificador, tudo o que eu precisasse. Aí tu vê que os brasileiros se ajudam pra caramba lá fora. E foi muito legal. Em uma das noites que eu toquei foi um festivalzinho, então teve uma banda só de meninas, de Berlim, teve uma dupla de Madri, de uns caras que gostavam muito de música brasileira, que até hoje troco uma ideia com eles. Mas lá foi tudo muito tranquilo, muito pequeno e muito de boa.

Culturíssima: Ano passado você ganhou um prêmio do Deezer de novos talentos. Que impacto coisas assim têm na carreira do artista e, pessoalmente, na questão da vaidade?

Bibiana: Eu estava concorrendo com quatro artistas que eram bem influentes nas suas regiões. Tinha uma pessoa por região, então eu estava representando três estados. Essa coisa de competição é complicada, pois trata de merecimento, e é muito subjetivo isso. Aí eu fui pro Rio, porque estava na final. Acho muito legal, falta isso, empresas que trabalhem com música, veículos de comunicação, que o tempo inteiro usam a música como uma forma de se comunicar, devolverem de alguma forma para os músicos uma oportunidade de trabalhar ainda mais o seu repertório. Mais importante e mais legal que tu tocar a música do cara, é tu fazer um festival que o cara vai tocar e que um monte de gente vai tocar. Uma das coisas que eu mais sinto falta, que na minha pesquisa encontro dos anos 80 pra baixo, é a questão do festival. Gente, em 1950 era a Rádio Nacional bombando, o auditório da rádio com orquestra, enfim, os músicos não deixaram de existir porque o formato mudou. Os músicos estão aí!

Então assim, acho que o mais legal foi perceber que esses caras, que têm um serviço de música, estão de alguma forma querendo agitar esse cenário. De verdade, não no virtual. A premiação foi dentro de um evento, dentro do Rio Music Buzz, que acontece todo ano lá. De que forma impactou, respondendo a pergunta: de forma positiva, pois fiquei um mês sendo capa do site, então todo mundo que entrava no Deezer escutava. Muita gente de outros lugares do Brasil entrou em contato, escutou as músicas, curtem a fan page, todo aquele processo de rede social. E de que forma impactou pessoalmente? Olha, eu nem pensei em ficar feliz por mim. Eu fiquei feliz por essas coisas que falei, de ver que tem alguma empresa pensando nisso, pensando em agitar. A coisa que eu mais quero é que tenha festivais, que eu possa ir tocar em outros lugares. Pessoalmente foi uma vitória de poder viajar com a minha música. Meu, isso acontecia muito e não acontece mais. Hoje em dia o custo para você sair da cidade é difícil. O contratante, pelo custo, vai preferir um músico da cidade, vai preferir um DJ, e é isso, acaba que sinto muita falta da música de salão, como era antigamente. As pessoas fazerem festa e contratarem uma banda, isso era legal e se perdeu muito.

Culturíssima: Você é uma artista que já surgiu nesse novo mercado do cenário fonográfico. Como é pensar a carreira nesse contexto?

Bibiana: Acho que acabou o artista telefone, que é o cara que fica em casa só esperando que alguém ligue pra chamar para fazer alguma coisa. A gente se tornou muito mais “faz tudo” dentro da carreira. Apesar que, quem consegue ter um produtor, é maravilhoso, porque tu pode se preocupar em estudar, em repertório, em se comunicar com a banda, que é o que tenho buscado, poder me preocupar muito mais com a parte musical do que com qualquer coisa, tanto que da burocracia passo longe. Essa parte tem uma pessoa que faz pra mim, desde direito autoral até contrato de alguma coisa. Acho que eu preciso pensar na música. Mas é isso que eu estava falando, não existe mais o artista telefone e obvio, isso acaba sendo impactante no mercado inteiro, porque as pessoas que não têm esse clique, às vezes ficam muito para trás. Em compensação é muito democrático, assim como qualquer pessoa pode fazer, qualquer pessoa pode ouvir, então em termos de democracia é muito legal. O que acontecia na época das gravadoras era uma proteção, uma garantia, mas também se desperdiçava muito dinheiro. Mas a gente não pode perder a música viva, e aí volto de novo nas questões dos festivais, a gente não pode perder de ter uma música no parque, porque tu viaja o mundo inteiro e tem. Esse, acho que é o maior ponto. Não é porque tem mil serviços de streaming que a pessoa tem que parar de ir no show, ou parar de ter uma música em uma praça, ou em um pub, ou em qualquer lugar. A música viva, ela que dá emprego, e dá muito mais alegria para quem está fazendo. Toda vez que a música toca no computador, eu não estou tocando. É muito legal o cara chegar no teu show já sabendo as tuas músicas, ou poder te procurar ali, na hora. Aí vem a questão toda prévia do artista, de querer ter o material dele organizado nesse ambiente virtual. Agora, a música viva é imbatível. Nada me emociona mais que a música acontecendo, ali.

“Não é porque tem mil serviços de streaming que a pessoa tem que parar de ir no show, ou parar de ter uma música em uma praça, ou em um pub, ou em qualquer lugar. A música viva, ela que dá emprego, e dá muito mais alegria para quem está fazendo.”

Culturíssima: Vai muito a shows?

Bibiana: Vou. Gostaria de ir mais, mas vou. Os amigos às vezes até ficam bravos,mas eu trabalho na Loop, de manhã e de tarde, faço faculdade à noite, e no final de semana faço os “freelas”, que são as trilhas para teatro. Por exemplo, agora está estreando no Instituto Goethe a peça Medeamaterial, com uma trilha que eu fiz, de 40 minutos. Aí, realmente, às vezes, durante a semana, por conta das aulas, é impossível de ir. Isso que me deixa mais aborrecida, porque a música autoral acontece mais durante a semana, e no final de semana que eu, e mais um monte de gente poderíamos ir, não rola música autoral. Isso é uma coisa que tem de mudar. No Japão, por exemplo, é diferente, o cover é durante a semana e a música autoral no fim de semana. Justamente para que as pessoas possam ouvir coisas novas. A taxa das pessoas que saem no final de semana é muito maior. Mas logo que terminar a faculdade vou correr atrás do tempo perdido.

Anteontem fui no show do David Garret, no Araújo Viana. Ele é um violinista, que faz um repertório incrível, de Nirvana a Tico-Tico no Fubá, pra deixar os conservadores muito de cara. É muito chato esse negócio de que tu tem que ser roqueiro para fazer a releitura de um rock. Isso é muito chato, isso toli muito a tua criatividade. Eu entendo que, se for para ser feito, que seja com propriedade, com pesquisa, agora, tu não poder fazer porque não pertence àquela tribo, é uma coisa muito chata que acontece. E acontece muito no Brasil, acontece muito no Rio Grande do Sul. No Dengo tem a música Amor e Morte [do Julio Reny], e eu fiquei com um certo medinho, de os caras olharem: “Ah, o que essa mina está fazendo, ela nem é roqueira, nem sabe o que significa”. Eu sei, eu pesquisei, respeito o rock gaúcho, eu sei o que representa. Sempre vou encarar mais como uma homenagem do que como uma afronta. Acho que no momento em que os músicos se derem conta disso, vai ser todo mundo mais feliz. Deixa o cara reler a tua obra, não é uma questão de oportunismo, longe disso. Tu não pode partir desse princípio de que o artista está sendo oportunista. O cara trabalha com arte, é uma pessoa sensível, então tu tem que partir do princípio que ele quer contar uma história ali. Assim foi com Amor e Morte, a gente fez justamente para dar voz a uma geração que faz um tempo que existiu. Eu queria mostrar para os meus amigos que não ouvem rock gaúcho, que não conheciam o Julio Reny, e a mesma coisa foi com o Túlio Piva, não é oportunista da minha parte, é: gente, olha só, 1954, olha que legal, vamos voltar nessas pessoas. É um trabalho de serviço, eu acho. É muito mais uma homenagem do que qualquer outra coisa, e tem muita gente que acha que não. Essas pessoas são ainda uma pedra no caminho, muita gente torce contra.

Culturíssima: Dos anos 80 pra cá, a música urbana no RS se pauta bem mais pelo rock. Por que essa geração de cincou ou seis anos pra cá quebrou isso e buscou outras sonoridades?

Bibiana: Na verdade não. Conheço uma turma bem mais antiga que o rock gaúcho, e aí estamos falando de Gelson Oliveira, do Nelson [Coelho de Castro], o Bebeto [Alves], o próprio Antônio [Villeroy]. Essa turma, em contra ponto ao rock gaúcho, sempre escutou muito Milton Nascimento, muito Djavan, tu vê claramente nos elementos que os caras usam. Tem um cara que eu tenho que citar, que é o Telmo Martins, que é um amigo da minha mãe, e nessa época que eu estava descobrindo a música brasileira me mostrou muito essas coisas. Então, eu conheço o trabalho dessa galera. Nunca me soou novo. Assim, me soou novo com 13 anos, mas depois era lindo. Os timbres da música brasileira dos anos 80 acho muito parecidos com as coisas que o Gelson faz, por exemplo, muito parecido com os timbres do Djvan, Clube da Esquina, do Lô Borges. Falo por mim, não tenho como falar por uma geração inteira, mas acho que foi natural. Pra mim, é porque eu gosto muito e realmente acho bonito o que se fez. Deve ser assim com essa outra galera também. Tem um requinte muito bacana, as pessoas realmente queriam complicar, até na questão harmônica, os caras, musicalmente e tecnicamente falando, tinham muita influência, tinha muita coisa nova acontecendo. A música brasileira é muito linda, então acho que o resgate se dá por isso. E tem um valor histórico muito grande, os caras penavam muito. Na verdade o músico nunca teve, no Brasil, uma representatividade como um médico na sociedade. Todos lutaram, não só aqueles que passaram pela ditadura e se exilaram. Olha o que é o Cartola, o cara passou muita coisa. O Villa-Lobos, no final da vida, era gente fazendo vaquinha para pagar a cirurgia dele e os medicamentos. E o cara era aplaudido de pé em Paris. A gente tem que caminhar para se valorizar, e pra isso tem que estudar, tem que pesquisar. Quem está parado não anda, é meio lógico isso.

Culturíssima: Ainda dentro dessa questão de buscar a valorização. Tem o anseio de um dia viver só dos teus shows e da comercialização do teu material?

Bibiana: Até gostaria, mas não sei se vou conseguir. Sou taurina, e taurino não consegue viver à deriva, sem saber do mês que vem. Carrego isso de ser pé no chão pra caramba. Eu consigo fazer os meus shows, os show que eu quero, mesmo tendo essa carga horária de trabalho, de estudo. Às vezes perco alguma ou outra viagem, mas tudo com bastante organização se consegue. Gosto de fazer trilha para teatro, gosto de estudar música, é por isso que estou na faculdade, gosto de fragmentar o conhecimento. Não sei se conseguiria focar só nisso. Querer, até quero, mas não sei eu conseguiria.

Fala sobre o show com repertório de Túlio Piva

Culturíssima: Esse meio no qual circula e trabalha é muito masculino. Ele também é machista?

Bibiana: Nenhum homem foi machista comigo, porque eu não deixei. Mas rola. Os guris da banda, os bem próximos a mim, me respeitam muito e isso é muito legal, eles me escutam como escutam qualquer pessoa. Mas eu já vi várias coisas, já protestei, já passei por algumas situações de pessoas falando na minha frente, achando que eu não ia me sensibilizar, e sendo extremamente machista com relação a alguma mulher e eu me opus. Mas acho que a maior coisa que posso fazer pelo movimento, estando dentro da música, além de me opor quando isso acontece, é estar ali e não deixar de estar ali. Então a resistência é essa: estar ali e dar força para as minhas colegas e poder participar, sempre que der, e incentivar. Acho que é a maior coisa que posso fazer. Quero que as pessoas entendam isso pela lógica mais inteligente que tem. Até tributos, acho tributos muito legais. Tem homens que fazem tributos de compositoras, isso é maravilhoso. Quando vejo o Dudu Sperb fazendo show com repertório da Elis Regina, ou o Márcio Celli, que também faz repertório da Elis Regina, e canta Adriana Calcanhoto, acho isso maravilhoso, é isso que tem de acontecer. O Márcio Celli eu gosto muito, sempre escutei, já gravou várias músicas da Adriana Calcanhoto, que é uma coisa linda.

Culturíssima: Para tua carreira, você busca referência femininas e feministas?

Bibiana: Mesmo não tendo esse movimento, com esse nome, o feminismo sempre existiu de alguma forma. Até pelas mulheres buscarem seus direitos, talvez elas não soubessem na época que era um puta feminismo. Olha a Elis, o jeito que ela falava e se portava, pra mim ela era uma baita feminista. Toda a mulher que dá a cara a tapa, de pegar o seu instrumento, ir para um bar e ter coragem de entrar para um meio masculino, ela é feminista, ela quer que isso seja normal. Quando eu vejo a Chiquinha Gonzaga, por exemplo, fico me perguntando quantas mulheres não deixaram de expor os seus trabalhos? Quantas obras escondidas de mulheres da música devem existir. Isso é uma coisa que demorou para acontecer, é uma pena. Na Renascença, quando a música começou a deixar de ser exclusivamente um elemento da igreja, a gente tem registro que as primeiras mulheres da música eram freiras, porque tinham ao alcance delas a música sacra. Mas era tudo muito escondido, e demorou muito para uma mulher ser reconhecida. Quantas freiras da Renascença não compunham e não deixaram pra trás essas coisas? Quanta obra deixou de existir no mundo. Acho que é isso, toda mulher que se propõe a fazer alguma coisa, está ajudando de alguma forma.

Culturíssima: Quando você percebeu que podia cantar e compor, e não apenas tocar?

Bibiana: Não faz muito tempo, já que eu tenho 22 anos [risos]. Depois desse período que eu parei de tocar violino, comecei a tocar violão de revistinha, mas ninguém aguentava ouvir só aqueles acordes. Meus amigos chegavam pra mim e diziam “tá, mas canta alguma coisa, é só um tchaca-tchaca no violão e ninguém tá entendendo nada”. Aí tive que começar a cantar. Cantava algumas coisas que eu gostava, mas fazia também muita coisa. Por isso que eu acho que depois tive uma facilidade de começar a trabalhar com jingle e trilha, porque eu criava. Na verdade eu comecei querendo só tocar o violão. Até hoje, estudo muito mais violão do que voz. Antes dos shows, eu aqueço os dedos, não a voz. É até uma coisa meio inconsequente da minha parte, mas eu procuro muito desenvolver o instrumento, eu gosto muito. E a voz, na verdade, é para acompanhar o violão, eu sempre disse isso, porque eu acho que é a coisa mais representativa, pois foi assim que começou.

Culturíssima: As composições do próximo disco, estão prontas?

Bibiana: Cara, está esboçado. Estou começando a passar para a banda as músicas, começando a discutir um pouco mais com eles a questão dos arranjos, porque geralmente eu chego com os arranjos meio prontos. Mas como o primeiro disco já foi assim, quero deixar essas pessoas também criarem. E tem dois lugares que a gente pode ir, ou vai ser em um sítio ou vai ser em um lugar na Serra, e aí a gente vai estar com as músicas praticamente pré-produzidas, todas ensaiadas, e gravar algumas coisas lá. Realmente experimentar a coisa da imersão, assim vai ser o segundo disco. O Dengo foi feito no passo da cidade, às vezes ficava duas semanas sem gravar. Nesse eu quero fazer um laboratório, quero fazer uma imersão, enfim, e os meninos muito juntos. Até o Gabi Gorski, que chamei para tocar no Túlio Piva, já está fazendo algumas coisas com a gente. A banda tem seis pessoas, mas pode se transformar em três, se transformar em oito. Aliás, esse formato é importante, voltando nas perguntas sobre o que eu acho do mercado. Até isso tu tem que ter noção, que tua banda pode ser só tu, ou pode ser três, ou cinco. Cada show é um show, às vezes tem que conversar: galera, não vai dar para ir todo mundo. É por aí…

Culturíssima: No primeiro disco tem a participação do Totonho e do Julio Reny. Para esse novo trabalho, você já pensa em possíveis parcerias?

Bibiana: Eu fiz uma música pros guris da Quiçá, Se Fosse e com certeza essa eu vou gravar. Mas tem um monte de gente na cidade que admiro. Ultimamente tenho convivido bastante com os guris da Tribo Brasil, que têm um repertório de pesquisa muito parecido com o meu, no sentido de buscar coisas brasileiras de agora e, tipo assim, Wilson das Neves. Acho que ainda tenho essa missão de trazer para perto as pessoas da cidade, e não só os notáveis, mas o que não estão tão em voga, mas que são pessoas legais também. A princípio, alguns instrumentistas eu sei que quero colocar no disco. Por exemplo, o Gabi, que está com a gente agora, com certeza eu quero colocar no disco. O Arthur de Faria, por exemplo, a gente tem convivido bastante, ele tem gravado bastante na Loop, fiz a técnica pra ele em algumas coisas desse projeto Musica Menor, com o Omar Giammarco. Ah, é muita gente. Nesse primeiro disco, uma das melhores coisas que aconteceu foram o Paulo Dorfmann tocando piano em Anis e o Ayres Pothoff tocando flauta transversal em Dengo. São dois professores meus de faculdade, e além de professores, mestres. Bah, tem muita gente pra fazer a coisa acontecer.

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