Cooperativo, político e revolucionário, Morrostock se consolida como mais do que festival musical

(foto: Janete Marmitt)

Por Diego Rosinha, direto de Santa Maria

Se na década de 60 e 70 precisávamos dos festivais de músicas para combater uma ditadura militar altamente e agressivamente repressora, hoje seguimos precisando, mas para combater uma ditadura velada, “com Supremo com tudo”. Essa foi a tônica da 11ª edição do Morrostock, festival que aconteceu entre 1º e 3 de dezembro no Balneário Ouro Verde, interior do município gaúcho de Santa Maria.

O evento trouxe números surpreendentes. Misturados num ambiente de paz, amor e utopia viva, o festival reuniu mais de duas mil pessoas acampadas e 45 bandas, além dos mais de 150 colaboradores que fizeram o maior Morrostock entre todas as edições. “Fizemos uma edição ainda maior do que no ano passado em um momento complicado para a comunidade cultural. Ficamos muito felizes com este resultado e isso se deve ao trabalho coletivo de muitos agentes e parceria com o nosso público”, comenta o idealizador e organizador do evento, Paulo Zé Barcellos.

União

Segundo ele, o espírito de cooperação também foi fundamental para o sucesso do festival, especialmente através do que ele chama de “Comuna Morrostock”, formado por centenas de pessoas que compraram ingressos a cegas, logo no primeiro mês de vendas, sem conhecer as atrações que estariam por lá. “O Morrostock sempre foi um evento basicamente independente, contando com pequenos apoios ou fundos. Em 2016 fomos contemplados com um edital da Funarte, o que deu um novo patamar ao festival. Neste ano enfrentamos, como todos, a grande crise política e econômica que vive o Brasil, onde a cultura foi severamente afetada e perdemos o recurso”, conta. Foi então que Zé apostou, e certeiramente, na fidelidade do público, criando a Comuna Morrostock e oferecendo a todos que comprassem os ingressos antecipados a possibilidade de participar de uma comunidade virtual morrostockiana, que por sua vez teria o papel de ser uma espécie de curadoria colaborativa de bandas e oficinas, sorteios entre outras ações.

(foto: Vitória Proença)

Protesto

O Morrostock, mais um ano, trouxe protestos contra os atuais retrocessos provocados pelo golpe político e, acima de tudo, cultural pelo qual vem passando o Brasil. Zé vê com naturalidade esse movimento de insatisfação crescente a cada festival, ressaltando que um evento que promove e celebra a liberdade, a igualdade e a diversidade só poderia ter esse papel, especialmente quando se vive uma verdadeira guerra contra todos os avanços culturais e sociais que estão fora da agenda conservadora instalada hoje em Brasília. “Não só o Morro, mas todos os festivais de música e manifestações artísticas são importantes. Não são eventos políticos, mas com certeza são forças revolucionárias para a construção de um mundo melhor”, acrescenta.

Os Mutantes

(foto: Vitória Proença)

A atração principal deste Morrostock foram Os Mutantes. Monstros do rock brasileiro, o grupo, mesmo somente com Sérgio Dias da sua formação original, fez a galera dançar ao som de clássicos e também de sons novos, gravados com a parceria da cantora inglesa Carly Bryan (leia nossa entrevista exclusiva com Sérgio Dias). “Em 2017 tivemos o sonho de trazer Os Mutantes e encontramos uma produção super parceira e acessível para que isso virasse realidade. Com certeza vai ficar marcado como um dos grandes momentos da nossa história”, comemora o organizador.

Parcerias

Também chamou a atenção neste ano, a presença de expositores de grandes marcas como a multinacional Red Bull e a calçadista ligada ao adventure Macboot. O que poderia causar estranheza aos primeiros olhares hippies, geralmente não afeitos a grandes marcas capitalistas, é visto como uma necessidade para a manutenção da cena underground proporcionada pelo evento. Segundo o organizador, o importante é manter a essência da festa. “Queremos, sim, ter parceiros fortes que nos auxiliem na sustentabilidade do evento e somem na experiência que o Festival propõe. Em 2017 não tivemos nenhum grande aporte financeiro de parceiros privados, somando somente pequenos apoios, mas não menos importantes. Mas acreditamos que é possível termos marcas apoiando as próximas edições, desde que estejam de acordo com os nossos conceitos de liberdade, diversidade, empoderamento, sustentabilidade e cooperatividade”, explica.

(foto: Janete Marmitt)

Além de Os Mutantes, subiram aos palcos bandas de diversas cidades brasileiras (São Paulo, Recife, Brasília, Curitiba, Rio de Janeiro, Caxias do Sul, Erechim, Bento Gonçalves, Rio Grande etc) e também de outros países da América do Sul como Argentina e Uruguai. Nomes como Boogarins, CuscoBayo, Dingo Bells, Estrela Leminski e Teo Ruiz, The Outs, Hierofante Púrpura, Bloco da Laje, Musa Híbrida, Alpargatos, Caramuru & Julião, Groupies do Papa, Thiago Ramil, Louis & Anas e muitos outros fizeram a cabeça e remexeram os mais de dois mil morrostockianos presentes.

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Próximos passos

Em 2018 o Morrostock deve ocorrer no mesmo local e em data aproximada, além de trazer, ao longo do ano, as Noites Morrostock, projeto que traz para o Rio Grande do Sul o que rola de mais legal na nova música brasileira e latinoamericana, sem esquecer o Morrostock de Peso, que tem trazido grandes nomes da cena punk e underground para o Estado.

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