Dragon Ball: O poder da Saga Freeza

dragon ball - goku x freeza

Stefano Pfitscher

Nos últimos tempos, Dragon Ball voltou a ser motivo de discussão. O mangá, criado por Akira Toriyama em 1984, e que encerrou sua história oficial nos quadrinhos e na televisão em 1995, vem ganhando sequência com o lançamento de novos filmes e uma nova série animada intitulada Dragon Ball Super, que estreou dia 5 de julho, no Japão.

A série ainda não tem data de lançamento internacional, mas não é como se não tivéssemos material suficiente para satisfazer nossa nostalgia. Em Dragon Ball Z – A Ressurreição de Freeza, que chegou aos cinemas brasileiros no último mês, o mais conhecido vilão de Goku, Vegeta e companhia, retorna em uma nova forma para se vingar dos Guerreiros Z. Polêmica, a continuação da cronologia clássica – que será trabalhada no novo anime – tem sido motivo de debate e foi alvo até de antigos companheiros do quadrinista, como Kazuhiko Torishima, editor originalmente responsável pela publicação dos mangás de Toriyama. Numa entrevista recente, Torishima chegou a atacar o aclamado cânone original de Dragon Ball Z dizendo que a série deveria ter acabado após a Saga de Freeza, encerrada há quase 25 anos.

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Segundo ele, caso Toriyama tivesse fechado ali a história de Son Goku, o autor ainda teria tido fôlego de criar uma nova série original que pudesse se equiparar com Dragon Ball e Dr. Slump (1980-1984), seu primeiro mangá. O ex-editor ainda fez comentários negativos em relação às sagas que se seguiram, dizendo que “se você vai colocar um velho para lutar contra garotas é melhor parar por aqui”, fazendo referências pejorativas a idade do Dr. Maki Gero e à sexualidade do Andróide Nº 17, mostrados na Saga do Cell.

Exagerada ou não, a opinião de Torishima soa um pouco pessoal demais, dado sua saída da Shonen Jump, revista que publicava Dragon Ball Z no Japão, justamente à época da fase mais famosa do mangá e do anime. Mas sem questionar sua validade, já que a qualidade de toda série DBZ é indiscutível para qualquer fã, a ponderação abre discussões interessante. Afinal, o que fez essa saga tão icônica a ponto dos novos autores se verem obrigados a ressuscitar seu vilão para introduzir o público ao novo anime? Já imaginaram o que seria do mundo hoje se Freeza fosse mesmo o último inimigo do Super Sayajin?

Para responder essas perguntas temos que voltar até 1991 e relembrar o que mesmo levou Bulma, Kulilin e Gohan até o planeta Namek…

Trailer: Dragon Ball Z – A Ressurreição de Freeza

Venha Correndo, Encontrar o Monstro

Pra começar, a própria denominação da Saga de Freeza é complexa. A história de Dragon Ball Z começa cinco anos depois da batalha contra o demônio Piccolo mostrada ao final de Dragon Ball, quando um alienígena chega à Terra afirmando ser o irmão de Son Goku.

Preocupado com a continuidade de sua série de sucesso, Akira Toriyama já declarou que introduziu elementos extraterrestres no mangá porque percebeu que já não poderiam haver inimigos fortes o suficiente na Terra para enfrentar Goku. Para isso, ele apresentou uma origem secreta para o protagonista, revelando-o como Kakarotto, um alienígena infiltrado no planeta por uma raça extinta, chamada Sayajin. Essa origem, hoje um dos pilares de toda mitologia DBZ, mostra a inspiração de Toriyama nos quadrinhos ocidentais, emulando em Goku a origem do Superman.

Assim como Goku, o super-herói da DC Comics também veio à Terra para sobreviver à explosão de seu próprio lar, perdeu a memória e foi criado inocente pelo que há de melhor na raça humana até se descobrir o ser mais forte do planeta. E é nesse contexto que o primeiro grupo de inimigos de Dragon Ball Z se apresenta: os Sayajin.

O primeiro é Raditz, o irmão mais velho de Goku, que seqüestra o filho deste, Son Gohan, para convencê-lo a se reunir com seus iguais. No fim, Raditz enfrenta o irmão e Piccolo, que também se descobre um alienígena, numa batalha que acaba vitimando ambos Sayajins. Porém, enquanto Goku treina no Outro Mundo com o Sr. Kaioh e Piccolo se encarrega do treinamento de Gohan, dois novos Sayajin se encaminham para a Terra, interessados nas Esferas do Dragão mencionadas por Raditz em seu comunicador.

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Ao chegarem aqui, Nappa e Vegeta enfrentam os Guerreiros Z e acabam matando seus membros mais fracos: Yamcha, Tenshinhan e Chaos. A seguir, Piccolo também se sacrifica para salvar seu pupilo, mas antes que Gohan e Kulilin sejam destruídos também, Goku chega do Outro Mundo e consegue detê-los. Vegeta se impressiona com o poder de luta de Kakarotto – que é de mais de 8000! – e mata Nappa para poder lutar a sós com o terráqueo.

A luta entre os dois é longa – e tem a interferência de Gohan, Kulilin e Yajirobe – mas, no fim, Goku poupa Vegeta, que foge para outro planeta. Porém, com a morte de Piccolo – e de sua contraparte, o Kami-Sama – as Esferas do Dragão, criadas por este, já não existem mais e os Guerreiros Z precisam bolar um novo plano para ressuscitar os que morreram na luta contra os Sayajin. Com a ajuda de Mr. Popo, servo de Kami-Sama, Gohan, Kulilin e Bulma embarcam na nave do falecido deus da Terra e partem para seu planeta de origem, Namek, a fim de encontrar novas esferas.

Shenlong e as esferas do dragão

Shen-Long e as esferas do dragão

No anime, conhecido por seus abusivos fillers em relação ao material impresso, a apresentação de Freeza se dá ainda no espaço, antes do que é mostrado no mangá, onde o grupo não passa mais de cinco páginas a caminho de Namek. Nos episódios 39 e 40 de Dragon Ball Z, Gohan, Kulilin e Bulma encontram uma guerrilha de garotos em outra nave espacial que os confundem com tropas de Freeza e acabam lhe ensinando sobre a perversidade do Imperador do Universo. Isso, é claro, funciona como uma introdução ao grande vilão da saga, mas, na realidade, é só mais uma das extensas enrolações do desenho para dar margem a Toriyama, que trabalhava com o mangá não muito a frente da trama da TV. Calculando pela duração de Dragon Ball Kai (2009-2011), animação que excluiu tudo não canônico do anime original, hoje é possível concluir que pelo menos metade de DBZ é puro filler.

Chegando em Namek, o trio Gohan, Kulilin e Bulma descobrem que não são os únicos a procurar as Esferas do Dragão. Além de Vegeta, Freeza e seus soldados também haviam presumido que a presença de um namekuseijin na Terra poderia significar mais destas esferas naquele planeta.

Aqui vale uma ressalva que pode começar a explicar a importância dessa saga: as Esferas do Dragão. Em um mangá que, originalmente, era somente sobre a busca pelas sete bolas laranjas capazes de invocar Shen-Long, é pelo menos pertinente que tais Esferas ainda tenham relevância na trama. Ao colocar Freeza tentando alcançar seu desejo de imortalidade pelas Esferas – mesmo sendo as de Namek – sua saga já fica quilômetros a frente de suas conseguintes. Ok, pra ser justo, as Esferas de Namek são cruciais durante a luta final contra Boo, mas seu apelo durante o resto da saga ainda não se compara com a motivação de Freeza ou o que ocorria em Dragon Ball.

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Este é um dos motivos pela qual a classificação dessa fase é um tanto complexa. Intitulada sempre pelo seu principal vilão, DBZ pode ser classificada em três ou quatro grandes sagas. Mas, enquanto as Sagas de Cell e Majin Boo funcionam de maneira mais isolada, a Saga de Freeza e a chamada Saga dos Sayajins – ou Saga Vegeta –, que a precede, podem ou não ser consideradas uma só devido a sua trama intrincada e continuidade de temas. Enquanto alguns defendem que do longo período de antecipação até a luta contra Nappa e Vegeta, constrói-se um arco suficiente para que esta parte da história seja considerada uma saga. Já outros argumentam que o fato do Príncipe dos Sayajins não morrer ao final de sua própria fase, como ocorre com Freeza*, Cell e Boo, desconfigura este quesito. Além disso, ao considerar somente três sagas, as transformações do Super Sayajin também tem uma evolução muito mais linear, com um estágio sendo usado para derrotar cada vilão. Não que essas categorizações tenham grande importância para o público, mas elas são interessantes para analisar a estrutura da história de Toriyama como um todo – em especial se formos pensar o peso dramático da luta contra Freeza como o potencial final para a série que o ex-editor da Shueisha imaginava.

* Eu sei que, tecnicamente, Freeza não morreu em Namek, voltando ciborgue na Saga Cell, mas a batalha com Goku é, indiscutivelmente, sua última dentro do cânone original.

O Poder de Um Milhão

Falando no vilão, sua evolução – física e psicológica – durante o restante da saga talvez ajudem a explicar porque, décadas depois, ele ainda é tão comentado. Quando vemos Freeza pela primeira vez, ao lado de seus imediatos Zarbon e Dodoria, ainda não temos certeza do que esperar dele. Sua forma inicial não é tão ameaçadora: claro, o chifre e a cauda, quando mostrada, já dão a idéia do quão asqueroso o Destruidor de Planetas é, mas o fato de estar constantemente aparado por uma cadeira voadora delegando ordens a seus capangas ainda não dão a dimensão de sua ameaça. Aos poucos surgem pistas, sim, de quão imenso é seu poder, mas não é antes de vermos suas próximas transformações que temos noção do desafio que ele criará para Goku e os outros – não é a toa que, hoje, sempre que pensamos em Freeza o vemos em sua quarta fase, com uma esbelta carapaça branca e roxa.

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Pondo em perspectiva, a evolução do personagem em diferentes formas físicas parece ter tido uma ótima resposta do público, tanto que Toriyama resolveu usar este recurso em cada um dos grandes vilões posteriores. Ainda que Cell passe por meras duas transformações – ao absorver os Andróides Nº 17 e Nº 18 – Majin Boo é praticamente definido por sua constante mudança de forma e personalidade a cada guerreiro que absorve, somando pelo menos oito versões até ser derrotado por Goku.

E o visual das transformações de Freeza também podem ser creditadas na lista de elementos que o tornaram tão marcante ao público, seja pelo ótimo design criado por Toriyama para cada uma ou até mesmo pelo seu ineditismo: até então nenhum vilão de Dragon Ball tinha adquirido tantas formas diferentes. Tanto Piccolo Daimaoh e sua cria homônima, basicamente os únicos vilões de fato de DB, quanto Vegeta sustentaram suas longas batalhas apresentando novas técnicas e truques, mas não mudaram sua aparência significativamente no processo. É fato que Vegeta se transforma no macaco gigante Oozaru na luta com os Guerreiros Z, mas esta forma já havia sido mostrada tantas vezes em Goku e Gohan anteriormente que nem sequer conta como uma forma marcante do vilão.

Além disso, sua atitude em relação aos Sayajin tem uma evolução interessante, que casa com a própria jornada de Goku em se afirmar como o guerreiro alienígena que é. A princípio Freeza é categórico em demonstrar seu desdém pela raça de Kakarotto, mostrando-se incrédulo ao captar um grande poder de luta vindo de Vegeta quando este derrota Dodoria, já que, em suas próprias palavras, os guerreiros de rabo peludo não passam de vermes inúteis. É também nesta luta que ouvimos pela primeira vez que o planeta natal dos Sayajin não foi atingido por um meteoro como se acreditava, e sim destruído por Freeza, que temia a força conjunta de sua raça.

Isto, é claro, é mais uma referência de Toriyama ao cânone do Superman, projetando em Freeza um dos arquiinimigos do Homem de Aço, Darkseid. Assim como Freeza, Darkseid funciona como uma grande ameaça espacial para o herói – um pináculo de tirania que contrasta brutalmente com tudo que há de bom e inocente no protagonista. Isso é muito claro, por exemplo, quando, num dos momentos mais clássicos da série, Freeza ressurge da explosão da Genki-dama de Goku e usa seus poderes para mandar Kulilin pelos ares, apenas para despertar, de uma vez por todas, a ira do Super Sayajin. Algo bem semelhante ocorre ao Superman na maioria das encarnações em que enfrenta Darkseid. Numa das mais conhecidas – o episódio final do cartoon Liga da Justiça – Sem Limites (2003-2006) – o super vilão põe o Homem de Aço tão no limite do seu controle físico e psicológico que, após o icônico discurso “estou cansado de viver num mundo feito de papelão”, acaba testemunhando a inédita vazão dos poderes totais do Superman.

Some-se a isso o fato de que é Darkseid o responsável pela destruição de Krypton, não deixando dúvida de onde Akira Toriyama tirou o molde para criar seu vilão mais marcante.

Superman Vs. Darkseid

Superman Vs. Darkseid

Como um estudo de evolução de personagem é muito interessante, nessa fase, acompanhar as reações de Freeza à idéia de que o Super Sayajin pode, não só ser real, como estar prestes a derrotá-lo no planeta Namek. Quando finalmente ele e Goku se enfrentam, e Freeza sempre tem certa vantagem em relação a Kakarotto, geralmente em sua falta de escrúpulos, podemos perceber o ultraje que é para o Imperador estar dando tudo de si contra um reles Sayajin. E, só para não esquecer uma parte importante do personagem na televisão, a voz grave do dublador brasileiro, Carlos Campanile, captura perfeitamente tanto a arrogância quanto a incredulidade do ser que destruiu o planeta Vegeta.

Do lado de Goku, o embate com Freeza como Super Sayajin também é a culminação de um poderoso arco de origem, plantado lá na chegada de Raditz à Terra. Durante toda esta saga – e aí mais uma motivo para intitular tudo visto até aqui como Saga do Freeza – a trajetória de Goku se descobrindo como um guerreiro espacial, enfrentando seus pares até finalmente se assumir como o Super Sayajin que é, é o ponto alto da jornada do personagem durante todo DBZ. Tanto é que Goku não teria mais arcos semelhantes em nenhuma das sagas posteriores, dando espaço para seu filho, Gohan, durante a Saga do Cell e até para Vegeta, que é o personagem de maior evolução narrativa durante os combates com Majin Boo.

Como se vê, pode até ser que o recalcado Kazuhiko Torishima tivesse alguma – não muita – razão no seu argumento visto o impacto que esta Saga teve nos mangás, animes e cultura pop em geral. Realmente após a conclusão de Dragon Ball, Akira Toriyama nunca mais emplacou outro sucesso, preso até hoje a emprestar seu nome para novas séries (como a malfadada Dragon Ball GT [1996-1997] e a nova Dragon Ball Super), filmes (existem dezenas) e games (existem mais ainda). É bem verdade também que o autor já declarou que a estafa física e mental que enfrentou cumprindo prazos mensais, sozinho, por mais de uma década foi o que o afastou de voltar aos quadrinhos. No entanto, breves incursões no formato – como no divertido Sandland – mostram que ele ainda tinha bom humor e idéias originais para seguir seu trabalho autoral não fosse pelo fantasma de Dragon Ball.

A verdade é que, para os fãs originais de DB e DBZ, essa enchente de novos produtos com a cara de Goku e Vegeta parece uma tentativa desesperada de ressuscitar a Saga que nos deixou com o cabelo em pé (literalmente) duas décadas atrás. Sim, supostamente Toriyama está, agora, mais envolvido com a produção destas novas aventuras – até o roteiro do novo filme Dragon Ball Z – A Ressurreição de Freeza aparece no seu nome. Mas a triste realidade é que, por mais que doa dizer isso, talvez seja a hora de não só deixar Freeza repousar no Outro Mundo, mas deixá-lo levar nossa nostalgia por Dragon Ball com ele.

Veja a abertura da nova série Dragon Ball Super

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3 Comments

  1. Cara, pode ter certeza, que por mais fraca que seja a saga (que na minha opinião, só Dragon Ball GT que conseguiu esse feito), será bem melhor que a maioria dos desenhos que a criançada assiste no cartoon, bom dia e Cia, etc. rsrsrsr

  2. adoro dragonball e esse site é mesmo muito bom
    parabéns para toda galera 😉

  3. Parabéns pela Redação! Muito imparcial e fiel para com a realidade, todos nós que crescemos assistindo e acompanhando o crescimento de Son Goku sabemos o quão marcante e importante para toda a trama foi todo este “Arco” de Freeza, possibilitando a continuação desta inigualável Franquia.

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