Entrevista | Charly Coombes fala sobre o lançamento de seu terceiro disco

Charly Coombes_ex-Supergrass_by Rayanna Coombes

(foto: Rayana Coombes)

Luiz Paulo Teló

O multi-instrumentista, cantor e compositor Charly Coombes, radicado no Brasil desde 2014, acaba de lançar o seu terceiro álbum solo, Run. Por e-mail, conversamos com o músico, que falou sobre a carreira e também do disco, uma mistura de electro rock moderno com influências dos anos 80. O trabalho, que já é o segundo que ele finaliza em terras tupiniquins, apresenta uma sonoridade crua através de sintetizadores, guitarras e bateria​.

Há poucos anos, Charly veio morar em São Paulo com sua esposa,  a fotógrafa Rayana Macedo. Ele a conheceu em meados de 2006, quando  visitou o Brasil em uma turnê do Supergrass, quando substituía o irmão Rob [fundador da banda ao lado do outro irmão, Gaz Coombes] nos teclados. Apesar de nos contar que compõe desde os 12 anos, iniciou profissionalmente só em 2004, com a banda 20-20s. Depois, abria os shows da banda dos irmãos com o projeto Charly Coombes and The New Breed, pelo qual lançou três EPs.

Em 2013 veio o primeiro disco solo, No Shelter, em que tocou todos os instrumentos e contou com a coprodução de Gaz Coombes. Dois anos depois, já no Brasil, lançou seu segundo álbum, o conceitual Black Moon. Neste terceiro trabalho, Run, contou com as participações especiais dos músicos Neli Giorgi (voz), Tato Cunha (sax), Pedro Pelotas (sintetizadores), Raphael Miranda (bateria), e de André Gomes e Rayana Macedo nos vocais.

Sobre a música brasileira, Charly afirma que tem descoberto coisas ótimas. “Bandas como Mahmundi, Lumen Craft e Trem Fantasma realmente me cativaram. Mas também ainda estou descobrindo álbuns do Caetano, Chico Buarque, Rita Lee, Titãs, IRA!… ainda tem tanto para explorar”, contou.

CHARLY COOMBES-RUN-DIGITAL COVER

Ouça “Run”, de Charly Coombes, AQUI.

Culturísima: Charly, primeiramente, acho inevitável falarmos disso antes de abordarmos o disco mais diretamente. Você e sua esposa, brasileira, vieram morar em São Paulo em 2014. Que motivos, pessoais e profissionais, pesaram nesta decisão? E é verdade que fizeram a viagem de navio?

Charly Coombes: A mudança para o Brasil era algo de que falávamos havia alguns anos. Já tinha visitado algumas vezes, fiz shows em várias cidades do Brasil – e me apaixonei pelo país e pelas pessoas. Nunca é fácil mudar-se para um novo país, mas o calor das pessoas aqui, as belas cidades e a incrível cultura crescente me ajudaram a me adaptar rapidamente. Profissionalmente, foi e sempre vai ser um risco… e depois, na Inglaterra também. É um momento difícil para músicos e artistas de todo o mundo – não apenas aqui. A indústria está em um mau caminho, pelo menos no Brasil eu poderia alimentar a minha unidade criativa e minha escrita, abraçando uma nova cultura e um mundo de música nova. E é verdade, fizemos a viagem de barco – em um cruzeiro! Foi uma grande oportunidade para ter um pouco de férias no meio de uma grande mudança. Além disso, eu e minha mulher odiamos voar, então nós evitamos isso quando é possível.!

Run é teu terceiro trabalho solo, e o segundo gravado já aqui no Brasil. Em termos de sonoridade, acha que o disco seria outro se você estivesse morando, por exemplo, em Londres?

É muito possível que o som do Run fosse diferente se eu ainda estivesse na Inglaterra. Musicalmente, há um grande elemento de nostalgia no álbum. Algo que me leva de volta para os sons feios, mas doces, da década de 1980, época em que eu cresci. Talvez, subconscientemente, uma parte de mim estava perdendo a Inglaterra e aqueles sons nostálgicos me levaram de volta. Mas o sentimento no registro também reflete a minha integração em uma cidade como São Paulo – como todas as grandes cidades podem ser barulhentas, sujas, caóticas .. mas extremamente bonita e fascinante. Viver aqui definitivamente ajudou a criar este conceito inverso de algo escuro e intenso, mas doce e frágil ao mesmo tempo.

A maior inspiração do disco, por assim dizer, você acha que é estabelecer um tom de crítica a onda conservadora mais à direita dos acontecimentos políticos em várias partes do mundo nos últimos anos?

O álbum fala muito sobre os lados escuros da humanidade, sobre nossas obsessões e medos e sobre como nós lidamos com eles. Mas sim, corrupção é definitivamente a maior parte disso. 2016 foi um ano estranho e assustador, dos eventos em Paris ao “Brexit” [apelido dado à saída do Reino Unido da União Europeia], de Trump a Temer. Este ano despertamos para um mundo diferente, muito imprevisível, de incerteza política e financeira. Uma música do meu álbum chamada The Locust dialoga diretamente com a situação política que aconteceu aqui no Brasil e, mais importante, com o que acontece quando o publico esquece que a mudança está sempre nas mãos do povo. É sobre a necessidade de tomar consciência de qualquer abuso da democracia, em vez de colocar tanta confiança nos meios de comunicação de massa. O exemplo perfeito disso foi a situação na Grã-Bretanha com “Brexit”. A maioria das pessoas não entendeu o que estavam votando – e o resultado final foi um desastre.

Há muitas referências musicais aos anos 80 no disco. Por que esta década ainda segue sendo tão revisitada ou reverenciada na cultura pop?

Para mim, os anos 80 serão sempre uma época fascinante, não apenas pela música, mas por toda a cultura pop. Algo feio, intenso e brilhante estava no topo da moda. Foi uma época de mudanças incríveis e experimentação, e ninguém parecia realmente saber o que estava acontecendo, mas que de alguma maneira se ​conseguiu criar uma década com uma das identidades mais fortes da historia. Na música, as canções estavam lá, mas foram vítimas da tecnologia e da produção. Bandas como The Cure e The Clash talvez ainda continuem sendo as bandas mais legais da história – mas ao mesmo tempo, bandas como Simple Minds e Foreigner nos dão uma certa culpa por gostarmos delas.  É essa combinação intensa de doce e feio que eu queria em Run, algo que refletisse aqueles tempos estranhos, mas também algo que fosse moderno e novo.

Ao lado dos amigos da Cachorro Grande.

Ao lado dos amigos da Cachorro Grande.

Naturalmente, você criou uma rede de amigos músicos aqui no Brasil. Mas que tipo de música brasileira você consome ou procura conhecer? E ouvir rock em português não é esquisito pra você?

Eu acho que o rock brasileiro moderno, indie e alternativo, é fantástico – e conseguiu manter uma forte identidade brasileira.​ O português não é minha primeira língua, mas flui lindamente com música e, apesar de muitas bandas brasileiras que eu amo, cantarem em inglês, eu não acho que seja uma necessidade. Tem sido bom descobrir um mundo inteiramente novo de música e cultura no Brasil, e todos os dias eu estou ouvindo coisas novas. Bandas como Mahmundi, Lumen Craft e Trem Fantasma realmente me cativaram. Mas também ainda estou descobrindo álbuns do Caetano, Chico Buarque, Rita Lee, Titãs, IRA!… ainda tem tanto para explorar!

Quando Supergrass lançou o primeiro disco, você tinha 15 anos [certo?]. Ali, você já sabia que queria ser músico? E nessa época, como era a relação com teus irmãos?

Eu tive a sorte de crescer numa casa muito musical. Mesmo com uma grande diferença de idade, nós todos exploramos e aprendemos música juntos. Meu irmão mais velho, Eddie, nos apresentou The Smiths e The Cure. Depois veio Rob, que nos passou seu amor por Stevie Wonder e Bob Marley. O quarto do Gaz era próximo ao meu, e através das paredes eu descobri The Stone Roses e Happy Mondays. Me tornei um fanático por Beatles e Rolling Stones, o que pareceu completar tudo. Nós estávamos todos escrevendo musica ao mesmo tempo, mas eu levei alguns anos a mais para amadurecer as minhas canções. ​Escrevendo aos 12 anos você nunca vai conseguir um grande disco, a não ser, talvez, se você for Michael Jackson ou Mozart! Tecnicamente, meu primeiro álbum foi aos 14… mas ninguém jamais ouvirá isso! haha!

O clã dos irmãos Coombes (foto: Keira Vallejo)

O clã dos irmãos Coombes (foto: Keira Vallejo)

Há poucos dias aconteceu o Lollapalooza, que reuniu excelentes bandas. Mas uma coisa me chama a atenção: bandas que tem o poder de mobilizar um grande público, só aquelas que já tem 20 anos ou mais. Por que você acha que não surge mais bandas de rock com o apelo popular das cantoras pop, por exemplo?

Bandas e artistas que foram estabelecidos há 20 anos, ainda eram parte de uma forte indústria musical.​ Até a época de Strokes, White Stripes e Franz Ferdinand, as coisas ainda estavam ok para a musica moderna. Hoje em dia é um mundo diferente. Temos uma indústria que não acredita no risco, combinada com plataformas de mídias sociais saturadas. Está mais difícil do que nunca fazer sua marca e permanecer. Bandas são como restaurantes, a maioria fecha nos primeiros 12 meses. Se uma banda tem sorte de estourar, frequentemente parece que não tem regra ou razão para isso. Não posso explicar porque Ed Sherran é um grande fenômeno, nem posso explicar porque Trem Fantasma não está tocando em estádios. Enquanto as pessoas continuarem fazendo música boa, tem sempre uma chance da indústria seguir e começar a assumir mais riscos em bandas que merecem ser ouvidas. Está tudo lá fora – você só precisa procurar!

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