Entrevista com Gustavo Fogaça, um cara versátil

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Luiz Paulo Teló

Chegamos à última entrevista da temporada 2015 do Culturíssima. De março até aqui, tivemos um papo exclusivo todos os finais de semana. Desta vez, a conversa é com Gustavo Fogaça, o Guffo. Provavelmente o cara mais versátil dos que já tivemos a oportunidade de entrevistar.

Você pode conhecer ele do rádio, comentando jogos de Grêmio e Inter na Rádio Grenal (e na rádio Gaúcha em 2016). Você pode conhecer ele como sendo o diretor dos filmes sobre a Casa Elétrica, um de ficção e um documentário, sobre a primeira fábrica de gramofones e gravadora de discos da América Latina, que foi em Porto Alegre. Ou então, quem sabe, da dupla de eletrorock Fenx, formada em 2007. Talvez até da banda Tabú, que chegou a gravar um álbum e a fazer sucesso na Argentina no início dos anos 2000.

Guffo é um cara que tem história para contar. Não seria exagero dizer que nasceu em berço de ouro. Passou a infância e a juventude viajando o mundo com a mãe diplomata. Mas decidiu que caminharia com a próprias pernas e, contra a vontade da família, foi fazer cinema, jornalismo e música. E agora, ele nos conta um pouco dessa história.

Culturíssima: Do nada, você surgiu para o grande público como comentarista de futebol, com uma maneira altamente técnica e moderna de comentar. Mas você já havia trabalhado com futebol, na Copa de 1998. Como aconteceu isso?

Gustavo Fogaça: Me formei em jornalismo em 97, em Bueno Aires. Fiquei entre os cinco melhores da minha graduação e ganhei um estágio no Canal 2 América, um canal da TV aberta na Argentina. E lá comecei a galgar estágios, desde estágio em produção até a começar a ser produtor mesmo. Quando virei produtor contratado, comecei a trabalhar com tudo. Eles tinham um canal de notícias 24h, então eu fazia conteúdo jornalístico para os programas do canal aberto e, ao mesmo tempo, tinha que gerar conteúdo para o 24h. A gente fazia muito esportes, cobertura de jogo, de chegada de jogador, e aí que comecei a ter as minhas primeiras experiências com futebol no jornalismo. Aí em 98 surgiu essa oportunidade de fazer um trainee no Canal Plus da França, durante a Copa do Mundo, e como eu tenho nacionalidade francesa, já morei lá, tive facilidade de passar no processo seletivo. E lá eu fiz de tudo: puxar cabo, instalar câmera, assistente de cinegrafista, assistente de direção, assistente de VT. Foi um trainee intenso, de 40 dias, maravilhoso mas muito cansativo. Foi ali que vi que aquilo era realmente apaixonante.

Mas depois disso fiquei muito tempo sem trabalhar com jornalismo e com esporte. Voltei para o Brasil em 2001, e até 2013 não fiz nada com jornalismo, me dediquei inteiramente à minha carreira de cineasta e roteirista. Só que em 2013, resolvi por conta própria fazer uns vídeos de análise de desempenho para meu canal no Youtube, sem ter nenhuma formação pra isso. Isso chamou a atenção do canal Esporte Interativo, que me contratou para fazer algumas dessas análises para a Copa do Nordeste. Aí eu fiz, eles gostaram pra caramba em 2014 me contrataram para comentar alguns jogos da Copa do Nordeste, e depois para fazer esse mesmo material sobre as seleções da Copa de 2014. Nesse tempo, o Paulo Sérgio Pinto, da Pampa, que é um amigo de muitos anos, não sei como ele chegou a esse material, e me chamou para uma conversa, me contou da Rádio Grenal e perguntou se eu não queria ser um dos comentaristas. Aceitei e fui. Nesse meio tempo fiz alguns cursos de analista de desempenho. Fiz esse ano o curso oficial da CBF, então posso trabalhar como analista em qualquer clube de futebol da CONMEBOL. Não é minha intenção, mas pelo menos estou no mesmo nível dos profissionais que estão trabalhando em clubes. Meu objetivo sempre foi me qualificar como jornalista e analista para comentar futebol. Agora, a notícia é que estou deixando a Grenal e fui contratado pela Rádio Gaúcha.

Culturíssima: E como está agora a tua carreira de cineasta?

Gustavo Fogaça: Bom, a gente está aqui na Santa Transmedia, nossa produtora, que está com um núcleo de conteúdo muito forte. Estamos com duas séries de televisão aprovadas para fazer agora em 2016. Uma é de terror, chamada Liberto, e uma série de comédia chamada Sempre Poa. A primeira é uma série de quatro temporadas e a de comédia tem duas temporadas. Também tem um telefilme que estou escrevendo para a Fox, que deve ser financiado em 2016, mas não sei se saíra ano que vem. Os tempos no cinema e no audiovisual são diferentes, tudo é muito mais devagar, mais lento. É necessário, claro, que tu esteja atualizado, que trabalhe bastante, tenha bastante trabalho de sentar, criar e escrever. Isso demanda muito tempo, mas as madrugadas estão aí para isso. O segredo é dormir pouco. Durmo três ou quatro horas por dia, caso contrário não daria conta de tudo.

Culturíssima: Você tem uma experiência muito rica de vivência fora do país. Onde você já morou e o que tirou dessas experiencias?

Gustavo Fogaça: Minha mãe quando separou do meu pai, ela decidiu levar uma vida meio cigana, um vida de diplomata funcionária da ONU. Ela criou um projeto muito interessante chamado Museus Comunitários, em que a gente ia para lugares inóspitos, que tinham uma cultura local apenas oral, passada de pai para filho. Então, com a comunidade, construía um museu e resgatava aquela cultura. E como ela teve uma projeção com esse trabalho, começou a chamar a atenção de grandes museus. Ela foi diretora do British Museum em Londres, do Smithsonian em Washington. E nessa rodagem acabei morando em 10 países diferentes, em quatro continentes. Mas foram todos períodos curtos, de dois anos, dois anos e meio, às vezes um ano. É bem difícil para uma criança, chegar a um lugar em que tu não conhece ninguém, que tu não conhece o idioma, tem que fazer amigos. E na Europa há muito preconceito com sul-americano, então também tem que passar por barreiras assim, e na hora em que começa a fazer amigos tu tem que ir embora. Para uma criança é bem complicado. Mas te dá uma visão de mundo, de conhecer pessoas e de sentimentos que ninguém tira de ti. É uma coisa que tu carrega pra sempre, um legado muito bom que talvez eu não possa dar aos meus filhos. Agora, ao mesmo tempo tem essa coisa de não criar raízes, não tenho amigos de infância, tem uns colegas de escola que nem sei onde estão agora, até com as redes sociais fica difícil de achar. Tu perde um pouco o foco da tua origem, mas isso pra mim hoje não tem problema nenhum. Depois que a minha mãe foi embora de Buenos Aires, acabei ficando lá. Fiquei nove anos, me formei em cinema, em jornalismo, tive uma banda. Tive uma história muito legal em Buenos Aires e precisei ir embora só por causa da crise que aconteceu no final dos anos 90, que estourou com tudo, tive que fechar minha empresa, aí decidi voltar para o meu país. Fui para o Rio de Janeiro, morei lá por dois anos e, desde 2003 estou em Porto Alegre.

Culturíssima: A tua família queria que você seguisse os mesmos passos da tua mãe. Como aconteceu de entrar na música, ter uma banda, fazer jornalismo e cinema?

Gustavo Fogaça: Todo mundo acho que passa por isso. Principalmente quem quer trabalhar com cultura e arte, encontra resistência na família, porque é uma vida muito difícil, de insegurança. Tu depende muito do querer dos outros, das pessoas gostarem ou aprovarem o que tu faz. Então é claro que um pai e uma mãe se preocupam com isso. Estudei violino com cinco anos, não deu certo porque não tinha a menor paciência para aquilo, mas fui eu que quis. Estudei piano clássico a partir dos 12 anos. A minha família toda havia decidido que eu ia ser diplomata. Fiz vestibular para Economia, passei na Unicamp e UnB, pra seguir a carreira da minha mãe e do meu vô. Mas não foi isso que aconteceu, tive que brigar com minha mãe e meu pai para fazer o que eu queria. Trabalho desde os 16, e pensei: tenho condições de pagar as minhas contas e fazer o que eu quero. Demorou um tempo para eles aprovarem e gostarem. Tenho orgulho de nunca ter precisado nada deles depois de ter tomado essa decisão. Tudo o que conquistei foi a partir de muito sofrimento, passei fome, essas coisas tudo que todo mundo um dia passa, é normal quando se vai atrás, não estou fazendo coitadismo. É normal da vida de todo mundo que vai batalhar. Há muito tempo já tenho o apoio total e respeito da minha família. Para quem está nesse processo ainda, de se descobrir, ir atrás, enfrentar a família, acho que vale muito a pena. Mesmo que não tenha o retorno econômico imediato, e não vai ter, ao longo prazo tu vai conseguir achar o teu caminho, teus limites, tuas vontades e não tem erro. É mais fácil às vezes a pessoa pensar ‘ah, vou fazer um concurso’. Basta de concurso nesse país, de pessoas frustradas que não conseguem fazer o que querem e vão lá ter a segurança de um salário fixo. Tudo bem, respeito, mas não pode desistir só pelo dinheiro.

 Culturíssima: Com a tua banda, chegou a tocar no Rock in Rio, né?

Gustavo Fogaça: Tinha uma banda na Argentina chamada Tabú, que está fazendo 20 anos do lançamento do primeiro disco. Foi maluco, eu era adolescente. Lançamos o disco quando eu tinha 19 anos, e foi um turbilhão, um maremoto na vida. As coisas aconteceram rápido, o sucesso foi rápido. Eu tocava teclados e percussão, e era o compositor da banda. Como era uma época que não havia tanta segmentação, tantas tribos como agora, foi os resquício daquela coisa mais global, que todo mundo tinha acesso às mesmas coisas. Também rolava muito jabá, e como estávamos em uma grande gravadora, na Warner, ela tinha muito dinheiro para pagar espaço em rádio, em MTV, então tira um pouco aquele mérito da banda que veio de baixo, não criamos um público lá embaixo e subimos, a gente tinha um público pequeno e, com a força da gravadora, pulamos para um grande público. Aí com esse salto muito alto também teve a queda muito alta quando brigamos com a gravadora, que nos congelou. E vi que no Rock in Rio 3 abriu um concurso chamado Escalada do Rock, que era para bandas brasileiras e inéditas, sem vínculo com gravadora. A minha mãe morava no Rio naquela época. A gente então mudou o nome da banda, gravamos propositalmente uma demo super tosca, e mandamos a gravação para a minha mãe fazer a inscrição de lá. Aí começamos a passar nas seletivas. Tínhamos que ir de Buenos Aires até o Rio para tocar nas seletivas. Na final era 12 bandas e as seis primeiras classificavam. A primeira tocava no palco principal e as outras tocavam no Palco Brasil. Nós ficamos em quarto lugar. Aí como na Argentina estava uma merda, vendemos tudo o que tínhamos e nos mudamos de mala e cuia para o Rio. Passamos dois anos lá trabalhando com essa banda e morando em um apartamento que parecia o Big Brother hippie. O vocalista era casado e tinha uma filha, então éramos seis adultos, uma criança, em um apartamento de três ambientes. E também foi uma falta de percepção nossa, é que o RJ não é um cidade de rock, não tem espaço pra tocar rock. Nisso surge uma oportunidade louca com a Orbeat Music, uma gravadora que estava sendo lançada pela RBS aqui. Eles descobriram a banda através do Rock in Rio e queriam nos contratar para o catálogo que estavam iniciando. Então comecei a vir pra cá para negociar e fechamos um contrato com eles e viemos morar aqui, onde se tem mais identificação com rock argentino, as pessoas sabem quem é Fito Paez, Charly Garcia, e também tinha uma cena roqueira que estava forte. Aí quando chegamos aqui, para assinar o contrato, o diretor da Orbeat sumiu, não foi na reunião, mandou um recado dizendo que ia nos chamar de volta, na próxima semana. Estávamos todos aqui, alugamos um apartamento no mesmo esquema e o cara nunca mais nos atendeu, foi dando um bolo atrás do outro. Anos depois descobri o que aconteceu, foi uma série de brigas dentro da RBS com a Orbeat, e gente que pensava que nós éramos um produto de alguém que não tinha nada a ver com a banda que ia ganhar um dinheiro em cima. No final das contas isso que me fez voltar a Porto Alegre. A banda durou menos de um ano aqui. No final de 2003 a banda acabou, o pessoal voltou para Bueno Aires e eu fiquei.

A partir dali fiz várias outras coisas com música. Em 2004 lancei meu primeiro disco solo de Hip Hop, pelo selo Tridente, que também lançou Groove James e Izmália. Depois em 2007 fiz uma dupla de eletrorock chamada FENXS, com a Helga Kern. Fizemos turnê pela Europa em 2009. Essa foi minha última ida musical.

Culturíssima: E desde quando você está fazendo cinema?

Gustavo Fogaça: Entrei na faculdade de cinema do Eliseu Subiela, que é um diretor argentino famoso, em 96. Fui assistente dele em dois longas e fiz vários curtas universitários. Com meus primeiros curtas ganhei vários prêmio importantes, e isso foi um problema, porque eu pensei que era bom pra caralho! E não era assim! Na universidade é hora da invenção, de chutar o balde, sempre falo em palestras nos cursos de cinema, que eles vão ganhar projeção, ganhar prêmios e vão achar que são bons, mas daí até conseguir viver disso, é um caminho muito comprido. Eu sofri isso na pele. Com a minha produtora lá na Argentina, comecei a fazer videoclipes, gravar shows em VHS, como eu tinha muito contato com outras bandas. Mas quando estourou a crise não teve jeito mesmo. Quando voltei pra cá comecei a pegar sério de novo com o audiovisual. Comecei a dirigir comerciais, fiz vários videoclipes para bandas daqui, como Bidê ou Balde, fiz o DVD da volta do TNT, fiz Papas da Língua. Depois abri a Oceanos, com o Jorge Adré Brittes. Também fizemos vários comerciais, DVDs para gravadoras nacionais, mas sempre mantendo foco no trabalho autoral também, com curta-metragens, por editais ou por conta própria. Fiz vários especiais para a RBS e em 2005 comecei o processo de captação do meu primeiro longa-metragem, A Casa Elétrica, que na verdade são dois filmes: um documentário e um de ficção. Demorei cinco anos captando o dinheiro para fazer esses dois trabalhos. Em 2010 filmamos, lançamos o documentário e em 2012 lançamos o de ficção. E agora tenho os projetos dessas séries que te contei antes.

Globo Filmes X Cinema Argentino

Culturíssima: Que percepção você tem do cenário cultural de Porto Algre em relação aos outros lugares que já conheceu elo mundo?

Gustavo Fogaça: Tem muita gente legal aqui, que faz projetos artísticos muito interessantes e que acredita em coisas legais. Mas essas pessoas são abafadas e afogadas por uma realidade cultural muito provinciana, de um pensamento pequeno. A gente não valoriza o que é local, qualquer coisa que vem de fora é melhor, e ao mesmo tempo se alguém critica alguma coisa daqui a gente não gosta. É meio esquizofrênica essa relação. E os espaços culturais vão cada vez mais morrendo, porque é um pouco o retrato do país. Hoje o Brasil é um mix de funk ostentação, com sertanejo universitário, com igrejas neopentecostais e Big Brother. É uma coisa rasa culturalmente, que não leva à reflexão, ao crescimento, à projeção de uma identidade. É a projeção do aqui e agora, quero ser rico e famoso. Apesar que aqui a gente sempre teve pessoas que vão na vanguarda de muitas coisas, e termina tendo que sair daqui para se dar bem. É uma pena, Porto Alegre já foi a vanguarda de várias coisas, do cinema independente no final do anos 70, vanguarda musical na época da Casa Elétrica, nas artes plásticas com Xico Stockinger e Vasco Prado. Então é uma cidade fadada a matar suas grandes expressões culturais, porque a grande massa não se interessa, é provinciana, prefere o tradicional, seguro e não muito inovador. Porto Alegre é muito difícil, cara.

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3 Comments

  1. Sou um grande admirador do trabalho do Guffo, desde a época do Tabú. Que bela entrevista. Parabéns!

  2. Grande Gussstavo, um excelente profissional, muito talentoso e muito dedicado no que faz. Muito boa entrevista. Parabéns pelo sucesso Guffo!

  3. É MUITO MORCEGO NUMA RÁDIO SÓ!!! TÁ LOUCO!!!

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