Trocamos uns emails com o jornalista Marcelo Hessel, do site Omelete

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Luiz Paulo Teló

Ele é editor-chefe e sócio-fundador do portal de cultura pop mais importante do Brasil, o site Omelete, que desde o início dos anos 2000 é referência quando se quer estar por dentro do universo geek/nerd. Marcelo Hessel pode ser visto palpitando e opinando nos programas diários publicados no canal do site no Youtube, além de ser lido nas contundentes críticas que produz sobre cinema e também HQ no portal.

No início de fevereiro, trocamos uma série de emails com o jornalista paulistano e falamos sobre várias questões que atualmente pautam o universo da cultura pop, como o lançamento do filme Batman vs Superman, a retomada triunfal da franquia Star Wars e até as polêmicas do Oscar (mesmo que a entrevista tenha rolado antes da noite de premiações). “Não me parece uma premiação preocupada em discutir de fato o que de melhor se produziu nos EUA ao longo de um ano, e nesse sentido a falta de representatividade étnica é só mais um problema”, afirmou.

Contudo, de largada, Hessel nos falou de um dos feitos mais significativos do Omelete nesses quase 16 anos de trajetória. Em 2014 eles conseguiram promover em São Paulo a Comic Con Experience, inspirada na San Diego Comc Con. O evento foi um sucesso e repetiu-se em 2015, com uma gama enorme de atrações importantes e veneradas pelos fãs. Confira abaixo como foi a entrevista.

Culturíssima: Pelo segundo ano consecutivo o Omelete promoveu a Comic Con Experience. Em 2015, o que mais te marcou das atrações mainstream e o que pode destacar da programação mais underground do evento?

Marcelo Hessel: Pra mim houve uma melhora significativa na percepção que os expositores fazem da experiência de quem visita a feira. Os estandes estavam cheios de atrações interativas, não era só uma vitrine de produtos. Outra coisa que pra gente foi importante era disponibilizar um telão do auditório principal, virado para quem estivesse na fila pudesse assistir também. Nem na Comic-Con de San Diego existe isso. Das coisas underground, o destaque, pra mim, sempre vai ser a troca de ideias do Artists’ Alley e a possibilidade de estar perto dos autores num nível pessoal mesmo.

Você tem experiência em cobrir esses grandes eventos internacionais. Como tem sido para a equipe do portal – e para você principalmente -, estar na organização e tratar diretamente com nomes importantíssimos da cultura pop?

Tem sido muito especial em dois sentidos. O primeiro é o contato com o leitor/espectador do Omelete, porque na CCXP, embora estejamos trabalhando para alimentar o site e nosso canal do YouTube com conteúdos ao vivo, terminamos sendo uma atração também no nosso estande. O segundo sentido é poder conversar com nomes importantes da cultura pop num ambiente que não tem a frieza dos eventos de imprensa normais. Todo mundo acaba se deixando levar pelo calor da convenção, e as entrevistas que fazemos na CCXP sempre são ótimas.

Essas duas edições deram super certo em termos de nomes trazidos e de resposta do público. Isso é a garantia de vida longa ao CCXP? Vocês têm a certeza que, daqui pra frente, todo final de ano tem CCXP?

Temos contrato com o SP Expo, e a reforma no pavilhão vai permitir que a CCXP cresça. A nossa ideia é transformar a convenção numa tradição nerd brasileira, sim, e se tudo der certo isso vai se realizar.

Entrevista com Frank Miller na CCXP em 2015

Entrevista com Frank Miller na CCXP em 2015

Fazendo uma análise rápida sobre a indústria cinematográfica atual, com franquias que parecem que nunca terão fim, adaptações de HQs, adaptações de Games, adaptações de livros, remakes etc., é correto afirmar que está faltando originalidade a quem faz cinema?

Acho só que o tratamento de filmes como produtos transmídia se aprimorou com os anos, e essa overdose de coisas franqueadas passa a impressão de uma falta de originalidade, mesmo porque Hollywood sofre para produzir filmes de orçamento médio, que desde sempre foram um refúgio para cinema de autor nos EUA. Se formos olhar para o cinema que se faz em Portugal, no Brasil, no Oriente, porém, não dá pra dizer que esses cinemas sofrem uma crise criativa, pelo contrário.

Por outro lado, as HQs sempre foram uma mídia em que a regra é sair da caixa. As grandes publicações de super-heróis ainda te prendem? O que vocês procura ler?

Hoje as histórias de super-herói vivem um ótimo momento, também atrás de um público diverso, dando espaço para autores com assinatura e para
desenhistas com traços particulares. Procuro ler de tudo, mas privilegio essas narrativas que não se conformam com as fórmulas já testadas.

Falando ainda em franquia. Te agrada o rumo que parece estar tomando Star Wars depois de O Despertar da Força?

Gosto de ver que a franquia está se renovando com um olhar diverso, antenada para o público feminino e para o público étnico, mas não acho que refazer todos os passos do filme de 1977, e disfarçar esse reboot de continuação, seja a melhor saída, do ponto de vista narrativo.

Estávamos todos com a expectativa lá no alto antes da estreia de O Despertar da Força. A forma como a narrativa foi desenvolvida durante o filme te decepcionou um pouco? Acha que a origem da personagem Ray, a ser apresentada nos próximos filmes, pode ser determinante para conquistar, digamos assim, uma independência narrativa em relação à trilogia original?

Decepcionou um pouco o fato de o filme se afiançar muito na estrutura e nas viradas consagradas. Não acho que a Rey seja determinante para definir uma independência narrativa, mas gosto da personagem, e a Daisy Ridley já se mostrou uma ótima atriz, melhor que o jovem Mark Hamill inclusive.

Agora, sobre ter um olhar diverso, acha que finalmente as mídias de entretenimento estão se preocupando com diversidade? Entende que essa falta preocupação, aliás, ajuda a desvalorizar o Oscar como premiação?

O entretenimento se preocupa com a diversidade na medida em que se isso se torna uma fatia de mercado. Velozes e Furiosos faz sucesso com todos os públicos um pouco por ter um elenco multiétnico que conversa com demografias diversas. O valor do Oscar como premiação é muito relativo; eles premiam filmes pensados para a premiação, lançados num intervalo de dois meses e distribuídos em forma de DVD para os votantes. Não me parece uma premiação preocupada em discutir de fato o que de melhor se produziu nos EUA ao longo de um ano, e nesse sentido a falta de representatividade étnica é só mais um problema.

Você acha que nos últimos anos, desses filmes que permeiam o universo geek, algum teria potencial para vencer categorias importantes do Oscar? Fora indicações em categorias técnicas, talvez a única vez que isso de fato aconteceu recentemente foi com Heath Ledger, como melhor ator coadjuvante no papel de Coringa.

A Academia do Oscar mudou as regras da categoria principal (abrindo para dez indicados) justamente para contemplar o fenômeno de O Cavaleiro das Trevas. Eles estão antenados em relação a isso, é importante contemplar blockbusters para tentar aumentar a audiência da cerimônia de premiação, mas quem realiza esses filmes não parece preocupado com chances do Oscar, nem acho que deveria se preocupar. O Oscar é um aval superestimado.

Ainda dentro da mesma pauta. A crítica, de forma geral, vê com bons olhos o trabalho do Iñárritu. Ele venceu como melhor filme e melhor diretor ano passado, e agora é um dos favoritos a levar prêmios novamente [acabou levando o prêmio de melhor diretor, mais uma vez]. Quê restrições você tem ao trabalho deste cineasta?

Não acho prudente generalizar. É um diretor que divide a crítica. Ele emplaca no Oscar porque faz filmes sensacionalistas, e é nesse tipo de premiação que filmes com mão carregada de “autor” chamam mais atenção.

Deadpool estreou agora em fevereiro. O que pode significar para a indústria o sucesso desse filme, levando em consideração o valor que ele teve para ser produzido, a forma de divulgação e a opção por conteúdos de violência e humor mais pesados?

Filmes com censura mais alta fazem sucessos sazonalmente, no caso das comédias. Não acho que Hollywood passe a investir nisso, mesmo porque o nicho adolescente é uma fatia considerável do público. A lição de Deadpool é investir numa campanha de marketing em redes sociais que esteja afinada com o que o filme propõe e com virais que envolvem o engajamento dos astros do elenco.

Em campanha, Deadpool convova público para o painel da Fox na última CCXP

E um possível fracasso de Batman vs Superman (tomando como “fracasso” o fato de não arrecadar 1 bilhão), pode comprometer a extensão do multiverso da DC no cinema? Acha que os trailers e material de divulgação já entregaram a trama ou pode haver outras surpresas?

Acho que os filmes do Universo DC serão feitos independente do sucesso de BvS. O Batman e seus coadjuvantes, como o Coringa, já seria o epicentro natural desse universo e não vejo isso mudando com um eventual “fracasso”. Os trailers, porém, atiram pra todo lado. Ainda assim não acho que eles tenham entregado alguma coisa que os fãs já não esperassem.

No universo estabelecido da Marvel nos cinemas, você enxerga um prazo de validade a esses atores que estão há quatro ou cinco filmes no mesmo papel (sendo que esse número vai aumentar…)? Acha que, em uma eventual fase 4 e 5 da Marvel, eles podem voltar a contar histórias de origem, mas com outros atores?

Olhando pelo padrão na indústria, a troca de atores seria o esperado, mas a Marvel está fazendo suas próprias regras, então acho difícil prever. De qualquer forma, não acho que eles recontarão origens de personagens já estabelecidos. O universo deles no cinema mal começou, não faz sentido refazer já.

Tendo um olhar mais geral sobre os filmes de super-heróis, o que mais tem te agradado nessas produções e o que você acha que está faltando, que o cinema está devendo aos fãs?

Gosto da variedade e de como certos filmes saídos de quadrinhos, como Guardiões da Galáxia e Homem-Formiga, flertam com outros gêneros e não
necessariamente seguem a receita do épico de ação. Acho isso essencial para impedir que o modelo se esgote. O que o cinema está devendo é um Universo DC nas telas tão diverso quanto poderia ser.

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