Entrevista | Richard Serraria, o nobre tamboreiro dos pampas

(foto: Nathály Weber)

(foto: Nathály Weber)

Luiz Paulo Teló

Já passava das 18h30 da última quinta-feira, feriado de Corpus Christ, e cerca de 30 pessoas se reuniam no pequeno auditório da sede ocupada do IPHAN, em Porto Alegre. O grupo Alabê Oni estava no palco, era uma das atrações dentro da programação cultural promovida pelo grupo de ativistas composto de coletivos e artistas que ocupam o lugar desde o dia 19 de maio, em protesto contra o afastamento da presidente Dilma Roussef e  a seguinte extinção do Ministério da Cultura por parte do novo governo – que já voltou atrás e recriou o Minc.

O grupo percussivo, do qual o músico e poeta porto-alegrense Richard Serraria faz parte, tem na raiz afro gaúcha a sua essência maior, e busca divulgar, sobretudo, a sonoridade e importância histórica do tambor de sopapo, instrumento típico dos negros que habitaram o Rio Grande do Sul nos séculos 18 e 19. Alabê Ôni, na língua iorubá, significa “nobre tamboreiro” ou “grande mestre dos tambores”.

Richard conversou conosco depois da apresentação. Não seria exagero dizer que o papo foi uma verdadeira aula de cidadania, história e ativismo artístico. Também líder da banda (não só) de rock, Bataclã FC, Serraria falou de seu novo disco solo, que na verdade é sua tese de doutorado, que vai ser defendida ano que vem. O músico contou também sobre seu intercâmbio platino e as parcerias com artistas argentinos e uruguaios.

Culturíssima: Qual a importância desses atos de resistência dos movimentos sociais, estudantes secundaristas e classe artística no atual momento político do país?

Richard Serraria: A gente vive um momento de efervescência política no país, de uma forma diferenciada, no que diz respeito ao panorama histórico, da forma como as coisas estão configuradas. Primeiro acho que é isso, um momento importante, de mobilização, de conscientização, tem o papel das redes sociais como um componente novo, e talvez se possa pensar um pouco mais ampliadamente, com a própria questão dos ocups, como eles surgiram na Espanha, nos EUA, em outros lugares também, e acho que a Primavera Árabe, dentro dessa perspectiva, o ano de 2013, com toda aquela ebulição que houve no país. É um momento ímpar também, porque algumas coisas se mostram muito claras, no meu ponto de vista, no que diz respeito à luta de classes histórica, em um país com graves desigualdades sociais, com má distribuição de renda, com o sistema político precisando ser revisto, outras questões também envolvendo a mobilização popular e a forma como a sociedade fiscaliza e se posiciona diante de alguns desmandos que vêm de diversas partes. Me pego questionando constantemente, o que é que se pode fazer para pressionar e fazer com que o STF possa fazer o seu papel. Então tudo isso faz com que os estudantes tenham um papel importante nesse momento, nas ocupações, também os artistas e uma prática que já é comum aos movimentos sociais. O MST faz isso há bastante tempo. O movimento que luta pela habitação, a própria ocupação Lanceiros Negros, aqui em Porto Alegre, é um exemplo disso, de mobilização, e que ao mesmo tempo se cerca de um aparato jurídico para poder lidar com essa situação. A sociedade, de uma forma ampliada, está aprendendo  uma nova maneira de mobilização e participação social, e talvez isso seja, de uma forma mais efetiva, cidadania. Estive nas ocupações das escolas, no Julinho, no Paula Soares, no Protásio, e em uma dessas escolas, perguntei a um dos jovens qual era a motivação, e achei muito rica a resposta: “A gente não vai deixar a nossa geração passar em branco”. Achei isso muito bonito e muito forte, vindo de um jovem de 16 ou 17 anos, e eu ali com 45, que estive naquela mesma escola, no Julinho, na década de 80, ouvindo um jovem me dizendo isso em 2016, no lugar onde tenho uma relação afetiva muito grande. É de pensar isso, no teu papel hoje, na conjuntura histórica mundial, e é uma mobilização bastante importante, muito forte, e que de certo modo é uma resposta a algumas coisas que estão acontecendo, que estão na pauta, e principalmente, pra mim, a questão de termos um pais com desigualdade social. Então temos os movimentos sociais se mobilizando, para denunciar isso, e procurar fazer com que na luta democrática, em uma ocupação, em um protesto, em uma caminhada, num show coletivo, em debates, a gente possa ter esse protagonismo político nessa nova forma que está se construindo.

Você já foi contemplado com edital público para financiar alguns dos teus trabalhos. O que tem a dizer para quem acusa artista de estar “mamando na teta do goveno” ao fazer uso desses mecanismos?

Esse tipo de colocação é extremamente infeliz. Diversos indicadores hoje falam da economia da cultura como um dos elementos alavancadores do desenvolvimento de diversos países. Não estamos falando só de terceiro mundo, não estamos falando só de Brasil. É uma realidade de Europa, de EUA, de Canadá, no mundo todo, a chamada Economia Criativa. O financiamento é uma das partes dentro dessa grande cadeia produtiva da música, da cultura, da arte, do teatro, enfim. É um elemento importante sim. A maior parte das vezes se ataca a Lei Rouanet, e entra essa questão dos impostos, e um fundo gerenciado para o financiamento de algumas obras. A Rouanet precisa ser repensada, no sentido de que, alguns artistas que já estão no mainstrean, não precisam, e que talvez tenham outras formas de captação, pois eles têm bilheteria, entrada na mídia, e uma série de outros elementos que outros artistas não têm. Talvez tenha que se pensar isso, na potencialidade de uma lei de incentivo, que pode também alavancar a carreira de um trabalhador da área da cultura. É um mecanismo importante, na medida que os impostos são gerados pela coletividade como um todo. Acho que é uma visão errônea, equivocada de alguém ao fazer uma simplificação tão grotesca para entender uma lei com a amplitude da Rouanet, ou os fundos de apoio municipais, como a gente tem em Porto Alegre, um exemplo para o Brasil, e talvez o mundo todo, que é o Fumproarte. As leis são bastante importantes. Sim, precisam de melhorias. Ok, mas daí a propor o encerramento disso ou a uma simplificação desse tipo, de pensar que é mamar na teta do Estado, há uma distância muito grande.

Lá em 2009,  juntamente com o pessoal do Teatro Mágico, você deu início ao movimento Música Para Baixar. Como está isso atualmente? O mercado melhorou para o artista independente?

O mercado melhorou, sim. Na verdade, quando a gente criou essa idéia do Música Para Baixar, foi em uma Campus Party, em São Paulo, em 2008. Mas a gente colocou o bloco na rua, efetivamente, em 2009. Era um momento em que o Ministério da Cultura estava propondo uma consulta pública sobre a reforma do direito autoral. Aí alguns artistas, que já estavam atentos a essa nova dimensão, do que significava a internet dentro desse mercado fonográfico, exatamente em um momento em que o mercado estava ruindo, a venda de CDs caindo assustadoramente, e ao mesmo tempo tinha uma nova ferramenta para o artista independente: a distribuição de conteúdo pela internet. A galera que estava ligada ao ECAD, e ao velho modelo de distribuição de recursos, se sentiu lesada. Mas como assim liberar tua música gratuitamente? Aí a gente chegou a uma discussão muito clara: quem eventualmente está na industria fonográfica, de massa, que envolve a difusão de conteúdo através da velha mídia, como por exemplo música de novela, aparecer no Altas Horas, no Faustão, só para dar exemplos bem de senso comum, esse tipo de artista era completamente contra a liberação de música pela internet, e queria que todo o tipo de musica baixada, fosse configurada como crime. Aí depois veio o projeto de lei do senador Azeredo, que de certo modo fortalecia esse lado. E a gente fez uma grande mobilização de artistas, junto de alguns políticos que estavam discutindo isso naquele momento, para que fosse contemplado do seguinte modo: para o cara que não liberar suas canções, e baixarem a música, criminaliza então, mas não tira a possibilidade de alguém que quer liberar as suas músicas e não entende isso como crime. De repente para o Roberto Carlos não é legal a pessoa poder baixar a música dele e não pagar. Mas para artistas como eu, Teatro Mágico, Leoni, Ellen Oléria, uma série de artistas, no Brasil todo, dizendo que tudo certo. Se tu baixar a minha música, não é um pirata, é um compartilhador. Tu vai passar para amigos, vai indicar, e daqui a pouco vai ter vontade de ir a um show e vai acabar consumindo, comprando algum disco, algum DVD. Vai movimentar a cadeia produtiva de algum modo. Acreditamos piamente nisso, e levamos isso pra frente.

Nos últimos dias agora teve a aprovação do Marco Civil da Internet, e parte daquilo que a gente propôs na época, foi contemplado. A gente segue com essa idéia da liberdade de quem quer compartilhar o seu conteúdo, que tenha essa opção. Quem não quiser, que não compartilhe e busque os mecanismos legais para impedir que as pessoas façam isso. É difícil fiscalizar? Bem, aí não é problema nosso. A gente só não quer é perder essa liberdade. Nossas músicas estão todas sob licença Creative Commons, que permite para uso livre, fins educacionais e sem fins lucrativos. Se for usado em determinada situação, que isso vá implicar lucro, que entre em contato e avise. Se for em um filme, por exemplo, dá pra considerar como trilha sonora. Há uma verba no projeto para isso? Que tipo de troca a gente pode fazer para que eu também possa ser contemplado dentro disso, pois afinal é meu trabalho. Ou seja, se conversa, para que com essa ferramenta livre, se possa chegar ao maior número de pessoas, naquilo o que chamamos de artivismo, uma guerrilha cultural, que é fazer com que o teu trabalho circule mesmo que não esteja na grande mídia. E aí também é preciso discutir a questão do jabá. Parece um blábláblá antigo, mas ainda ocorre a música paga na rádio, que faz com que aqueles artistas que recolhem direito autoral a partir de execução de rádio, vão ser exatamente esses que o produtor vai lá e paga para ele tocar. Ou seja, não sai daquele círculo. O artista independente toca em uma ou outra rádio, mas o sistema é de amostragem. As 700 músicas mais tocadas é que vão receber o direito de execução radiofônica, que é diferente do direito de execução pública, que é quando tu faz um show. E isso é muito importante de pensarmos, porque às vezes tu toca uma composição que não é tua, mas está recebendo o cachê no dia, como músico. E o compositor? Daqui a pouco estou tocando a músico de alguém, que não está no palco comigo, mas é um compositor e a renumeração dele é o recolhimento desse direito de execução pública. Então é importante o entendimento disso, e o MPB lá em 2009 trouxe à tona isso. Fomos a Recife, Belém do Pará, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, diferentes cidades no Brasil, discutindo essa questão. Era uma época em que eu estava gravando o disco Pampa Esquema Novo, e estava indo constantemente para Uruguai e Argentina, e acabei encontrando vários coletivos, vários movimentos sociais, várias rádios comunitárias, que também viviam o mesmo dilema, essa questão do livre compartilhamento de conteúdos culturais e como a legislação vigente não contemplava isso, e como alguns setores mais conservadores queriam manter essa lógica do jabá e da velha indústria fonográfica, que estava ruindo. A gente segue na luta, para que cada vez mais pessoas estejam inseridos na cadeia produtiva da cultura, e para que haja distribuição de renda para um número cada vez maior de artistas. Na verdade, acho que, no fundo, é bastante isso.

Quando e como o tambor de sopapo e as influências da música afro entram na tua história artística?

Em 1998 estava fazendo mestrado na UFRGS, estudando muito a questão da brasilidade na literatura, e bastante impactado com a efervescência do manguebeat. Aquilo me parecia uma continuidade da Semana de Arte Moderna. Pensar que os caras estavam misturando de forma antropofágica o maracatu com guitarras, e rap com embolada. E logo depois eu vi o Gilberto Gil cantando com o Chico Science no Rec-Beat, e aí caiu a ficha efetivamente. Se tinha aquela ponte que eu imaginava lá com a Semana de Arte Moderna, vendo ali o Gil e o Science, é porque no meio do caminho tinha o Tropicalismo. Aquilo tudo pra mim fez muito sentido. E também pela minha história de vida, por ser um afrodescendente, um pardo neto de avó negra, essa questão da negritude sempre foi muito latente dentro de mim. Sempre tive contato com escola de samba, desde a infância. Sai em diversas escolas, saio eventualmente, sempre na bateria. E desde a década de 80, no Julinho, tenho contato com a poesia, escrevendo, e também com bandas de rock. Em 97 crio a Bataclã e em 98, dentro dessa ideia toda de antropofagia, de Semana da Arte Moderna e de Chico Science: tambores no Rio Grande do Sul, como é isso? A pesquisa foi feita nessa época pré-internet, sem Google, conversando com as pessoas. Me indicaram o Giba Giba. Na época ele trabalhava na Casa de Cultura Mário Quintana, no governo do Olívio Dutra. Ele me apresentou o sopapo e me falou da importância do instrumento. Logo fui a Pelotas, em 99, trouxe um sopapo para Porto Alegre, e comecei a fazer esse crossover  com banda de rock, com letras falando daqui, uma cartografia poética da cidade, com bairros funcionando como elementos poéticos. Ao mesmo tempo, essa perspectiva de trazer o rock pesado com o rap, tambores e um DJ no palco o tempo todo. Em 2000 a gente foi a Pelotas participar do festival Cabobu, que foi fundamental para a afirmação do tambor de sopapo, e trouxe pra cá nomes como Chico César, Djalma Correa, Naná Vasconcelos, a Bataclã tocou, nas duas edições. Foram feitos 40 sopapos, que foram distribuídos para escolas, grupos de dança e músicos. Todos os discos que gravo, sempre tem sopapo. Já são três com a Bataclã, dois discos solo e um disco de trilha sonora de um documentário.

Mais que uma questão identitária, é uma questão política, de pensar a presença do negro no estado do Rio Grande do Sul, dentro dessa ideia eurocêntrica que aparece na cultura hegemônica tradicionalista. Há um escamoteamento da presença do negro na construção daquilo que a gente entende como gauchidade, e isso me interessa muito pensar, discutir, e trazer a minha contribuição, que é misturar o sopapo com rap, com rock. E no Alabê Oni o tambor em um contexto ancestral, junto com o batuque, e pensar, quem sabe, na recriação estética do ambiente da charqueada no século 19. Acabei também, em minhas idas a Uruguai e Argentina, pesquisando e descobrindo o sopapo no candombe, século 18, em Montevidéu. Também na Província de Entre Rios, na Argentina. Houve condombe em Porto Alegre, no século 19, com sopapo. Havia uma cultura comum de Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina. Tambores, aquilo que não é associado ao ser gaúcho. Isso existiu e existe ainda hoje. Então por isso essa bandeira de vida, de procurar fortalecer o sopapo com muito respeito e devoção, e sempre homenageando o Giba Giba, figura fundamental. É esse cara que traz o sopapo dos blocos burlescos do sul do Rio Grande do Sul, do carnaval, ele traz para o século 21, quase como se fosse uma passagem de bastão, ele passa o tambor para uma nova geração, na qual eu me incluo e mais uma série de percussionistas.

Estamos em uma fase muito bonita e muito rica, que é o fato de fazer com que o sopapo, além dessa questão histórica e política, possa convencer musicalmente através da sua sonoridade. Que ele não seja uma ecologia cultural. O instrumento está vivo, não está em extinção, e que tenha sua organicidade explicada pela música, e que só então a gente possa falar da história, da questão política e importante do povo negro no Rio Grande do Sul. Não que haja algo mais ou menos importante, tudo isso é importante. A gente tem usado uma frase, que não é figura de linguagem: o homem passa, o sopapo fica. Eu me incluo nisso. Muitas vezes a pessoas falam que no Rio Grande do Sul não tem essa tradição do tambor, que a cultura do negro não está tão presente. Está sim. E tem uma geração que está se familiarizando com esses toques e entendendo que ser gaúcho também é ter relação com a percussividade e ancestralidade negra, e que, aqui no estado, em função dessa questão ligada ao tradicionalismo da metade do século 20 – de 1948, especificamente, com a criação do primeiro CTG -, a gente vai ver esse escamoteamento da presença negra na construção da identidade gaúcha. O sopapo é sim um elemento de afirmação identitária, política, não só do povo negro, mas do se entender gaúcho no século 21 e que tem a ver com toda essa questão da fundação do Estado, a presença dos indígenas, o elemento europeu que chega, os espanhóis, os portugueses, o Tratado de Tordesihas, o Tratado de Madri, o “passa pra lá, pra cá”, mas o negro chega aqui em 1725, para trabalhar como escravo doméstico, depois trabalha nas construções, e vai pra charqueada, e certamente esses tambores estavam sendo tocados lá. O sopapo é a memória viva disso tudo.

Ano passado a Alabê Oni lançou o DVD, e tem todo um projeto de pesquisa por trás. Como foi o processo de gravação, produção e o que achou do resultado final?

Ficamos muito felizes com o resultado final, porque pela primeira vez a gente pode trabalhar na questão de mixagem e masterização com o contexto que a gente julga ser o contexto real do sopapo. Ele tem uma frequência de grave muito peculiar, que muitas vezes dentro do espectro que se trabalha de frequências na musica pop, ela acaba achatando na masterização e perdendo a força do grave. Muitas vezes íamos mixar os discos da Bataclã, discos meus, e chegava o momento da masterização, e cadê o sopapo? Nesse trabalho do Alabê, por ser o sopapo o elemento principal, a gente abdicou dessa questão do volume, e procurou a timbragem e a masterização que priorizasse o sopapo como ele realmente é. Gravamos em Pelotas, no Estúdio A Vapor, com o Lauro Maia, que tem uma vivência familiar, porque o pai dele é também um pesquisador. E tinha essa coisa simbólica de estar em Pelotas, a terra do sopapo. Ficamos uma semana lá, produzindo, fazendo a pré-produção, gravando em casa, indo depois para o estúdio, afinamos bastante o tambor, buscando afinações entre os tambores, para que pudessem soar como vozes e que tivessem uma harmonia entre eles, e que essa harmonia estivesse em consonância com o tom que fossemos cantar. No Alabê não tem instrumentos harmônicos, não tem violão, não tem teclado, ou seja, afinamos tudo, mas sem nenhum instrumento de régua. Então foi todo um processo, às vezes até usando um violão para gravar, mas tirando na hora de mixar, para que se pudesse ter a régua da afinação. Foi um trabalho muito legal, muito diferente, muito rico pra nós.

Ano passado a gente entrevistou o Daniel Drexler, e ele comentou sobre a parceria que vocês têm. Queria que você falasse um pouco dessa amizade com ele e esse intercâmbio platino que teve a partir de então.

O Dani é um cara muito carismático, muito afetivo, um cara muito parceiro, de compartilhar, efetivamente. Conheci ele em Porto Alegre, aí ele convidou para ir para Buenos Aires. Peguei um ônibus, fui, participei de um show com ele, encontrei com outros músicos da Argentina. De lá, fui para o Uruguai, fiz mais algumas coisas com ele e voltei. Isso era 2008, mais ou menos, e passei a ir constantemente, duas vezes ao ano. E logo me veio a ideia de fazer um disco que fosse isso. No cinema tem o road movie, e pensei em, quem sabe, fazer o road songs. Então comecei a compor com o Zelito, com o Pirisca [Grecco], brasileiros que estavam nessa movida, com uruguaios, Seba Jantos, Dani Lopez, o Juan Schellemberg, de um grupo chamado Fugata Tango, de Montevidéu, Pablo Grinjot e Tomy Lebrero, de Buenos Aires, e ao mesmo tempo vivenciar a cena cultural desses lugares, indo a rádios, televisões, tocando em pubs, fazendo participação em shows desses artistas locais. E esses caras vinham pra cá também, participar dos meus shows. Era efetivamente uma troca, um colaboracionismo, e que segue até hoje. Isso resultou em um disco meu, chamado Pampa Esquema Novo, que a imprensa de Buenos Aires colocou, em um dado momento, como o nome de um movimento, assim como a Estética do Frio e o Templadismo. O Pampa Esquema Novo seria uma terceira geração de novos cancionistas, que tinham pé na tradição e ao mesmo tempo dialogavam com o rock e outras linguagens.

Intercâmbio Platino

O que há de novidade no Bataclã, no teu trabalho solo e no Alabê surgindo para esse e para os próximos anos?

O Bataclã teve disco lançado ano passado, o Mastigadores de Poesia. Não tem um ano ainda, e vamos fazer shows pelo interior, algumas datas em Porto Algre, pode acontecer no Maranhão também. O Alabê está com algumas saídas programadas, talvez até pra fora do país. Estamos também gravando um disco, chamado Alebem Brasileiro. Fizemos uma viagem em 2013 e 2014, tocando em 114 cidades, em todo o Brasil, todos os estados. E isso nos deu a oportunidade de conhecer muitas coisas, muitos tambores de outros lugares. A gente gravou, captou os áudios, fizemos entrevistas e tocávamos, sempre que possível, os nossos tambores com os tambores de outras partes do Brasil. Em um dado momento, a gente viu que tinha um documentário captado ali. E estamos neste momento fazendo a edição, que está a cargo do Coletivo Catarse, que fez o nosso primeiro DVD, e que já tinha feito antes o documentário O Grande Tambor. Além disso, estou finalizando um disco solo, de cancionista, chamado Mais Tambor, Menos Motor, que começou a ser gravado em 2013. Sempre bastante devagar, porque só pode ser lançado quando eu terminar a minha tese de doutorado. Ele é a minha tese de doutorado. Na medida que compus as canções, expliquei como tudo foi feito. A tese vai ser defendida ano que vem, e o disco então tem que ser lançado ano que vem. Ainda vou fazer um material gráfico, para que o disco venha dentro de uma caixa de fósforo, porque o disco abre com uma caixa de fósforo sendo tocada e uma declamação: “Tão inútil como fósforos no dia de chuva, vim fazer canções”. Brincando com essa inutilidade da canções, que na verdade é algo extremamente útil.

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