Entrevista | Um papo com o cantor e compositor Antônio Villeroy

(Foto: Leo Aversa)_

(Foto: Leo Aversa)_

Luiz Paulo Teló

Antônio Vileroy já foi Totonho, mas antes de ser músico, e um dos compositores mais gravados do Brasil, quase se formou em agronomia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No início dos anos 80, percebeu que a dele mesmo, era fazer música. De São Gabriel a Porto Alegre, logo estava no Rio de Janeiro, de onde começou a trilhar sua trajetória artística – ainda como Totonho Villeroy. Depois de carreira consolidada como interprete e compositor, dentro e fora do Brasil, se deu conta que no exterior Antônio funcionava melhor que Totonho, e em 2006 efetivou a mudança, quando gravou o DVD Sinal dos Tempos.

Dos anos 90 pra cá, Villeroy se tornou um dos letristas mais gravados entre artistas da MPB. Além de sua parceria de maior sucesso, com a cantora Ana Carolina, nomes como Maria Bethânia, Ivan Lins, Gal Costa, Mart’ Nália, Maria Gadú, entre outros, já gravaram suas canções. São mais de 200 músicas gravadas por intérpretes de diversos países. “Quando comecei a tocar violão, a primeira coisa que quis fazer foi compor. Me interessava mais criar canções do que interpretar”, nos contou.

Toda essa história, Antônio Villeroy nos contou nesse papo exclusivo, que você pode conferir na sequência. O músico também falou do sucesso de seu mais recente trabalho autoral, o disco Samboleria, lançado em 2014, após sua volta a Porto Alegre depois de 13 anos morando no Rio. Consagrado no Prêmio Açorianos, o álbum mostra as suas influências de samba conversando com a latinidade musical de quem sempre se deixou influenciar por ares sulistas.

Culturíssima: Começando com uma pergunta que talvez seja até simplória. Há poucos anos você mudou a assinatura artística de Totonho Villeroy para Antônio Villeroy. Por qual motivo?

Antônio Villeroy: A principal razão foi o mercado internacional, pois o dígrafo nh é uma peculiaridade do português e não se encontra em outras línguas, portanto estava enfrentando algumas dificuldades no exterior, principalmente nos EUA e Europa, para onde sempre viajei mais, não só com a pronúncia do Totonho, como também, muitas vezes, na França e Itália, vi meu nome escrito Totognio em cartazes e programas de festivais e shows, para que fosse pronunciado corretamente. Em 2006, às vésperas de lançar meu DVD Sinal dos Tempos, gravado ao vivo com a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro, com participações de Ana Carolina, João Donato e Daniela Procópio, percebi que era a grande oportunidade de operar essa mudança, pois era meu primeiro trabalho lançado por uma gravadora multinacional, a Warner Music, com verba de marketing, assessoria de imprensa para todos os veículos midiáticos do Brasil e também com algumas ações no exterior. Cerca de 40 milhões de pessoas conheciam minhas músicas, mas a grande maioria não associava a autoria dessas canções à minha pessoa, pois se tornaram conhecidas através de outros intérpretes. Eu tinha já nichos de públicos fiéis espalhados em diversos estados e em algumas cidades do mundo, mas nunca havia tido uma grande exposição nos meios de comunicação. Mas nos meios artísticos e entre a imprensa especializada eu já era bem conhecido, tanto que a pergunta que mais respondi foi essa que você está me fazendo agora. Com o nome artístico Antonio senti-me bem mais confortável, pois é um nome conhecido em qualquer língua e isso me ajudou muito, embora, na intimidade as pessoas sigam me chamando pelo apelido.

De menino que começou a tocar violão no início da adolescência e que logo montou uma banda de rock, você imaginava que um dos aspectos mais exitosos da tua carreira seria a de compor músicas para outros artistas? Como imaginava que seria tua trajetória quando começou a tocar?

Quando comecei a tocar violão, a primeira coisa que quis fazer foi compor. Me interessava mais criar canções do que interpretar. Eu gostava, sim, de aprender as músicas dos meus compositores preferidos, de tocá-las ao violão, mas aquilo me servia mais como um exercício de aprendizado, para descobrir os caminhos harmônicos que poderiam enriquecer meu processo de composição. E, de qualquer forma, não projetava uma carreira artística, eu pensava que iria seguir outra profissão, a música era uma forma de expressão, de eu poder falar sobre o que se passava comigo, minha visão de mundo, as coisas que eu acreditava, mas não pensava que essa atividade fosse se tornar minha profissão. Tanto que em 1980 passei no vestibular para agronomia na UFRGS e fiz esse curso durante 3 anos, até perceber que a música era a coisa mais importante para mim.

Quais as circunstâncias da tua primeira incursão no Rio de Janeiro? Ir morar lá foi fundamental para que teu trabalho fosse requisitado por outros artistas?

Minha primeira ida profissional ao Rio foi em 1985, acompanhando a cantora e compositora Maria Rita Stumpf em uma temporada na Sala Funart, dividindo um show com João de Aquino. No meio da apresentação da Maria Ria ela abria uma janela para eu cantar uma música minha. O show tinha direção da Gilda Horta, irmã do Toninho Horta, que era o compositor que eu mais gostava naquela época. Ao me ver cantando,Gilda percebeu a influência do Toninho no meu trabalho autoral e me apresentou para ele. Em 1986, participei de uma caravana cultural do Circo Voador por várias cidades, até São Luís do Maranhão. Nessa viagem fiz muitos amigos da área da música e de outras artes, o que foi fundamental para que, em 1987, me mudasse, pela primeira vez, para o Rio, alugando um apartamento junto com meu irmão Gastão Villeroy, o pianista Rafael Vernet e o baterista Quesso Fernandes, que eram o núcleo da Banda CEP 90.000. Mas esse primeiro período em terras fluminenses foi difícil, pois o mercado estava todo voltado para o rock e acabei me sustentando dando aulas de harmonia e violão. Em 1990 voltei a morar em Porto Alegre, mas a partir dali voltava com frequência ao Rio, pois já havia formado uma rede profissional e de amizades. Em 1996, fui lançar meu segundo disco, Trânsito, no Rio e percebi que já era um compositor que despertava a curiosidade de muita gente. Entre as pessoas que foram me assistir estava a Ana Carolina, que só vim a conhecer no ano seguinte, quando fui fazer dois shows em Belo Horizonte. Naquela época eu já vivia viajando pelo Brasil e pela Europa e me apresentava bastante também na Argentina e, a cada viagem, sempre ficava um pouco mais nos lugares. Foi assim que acabei indo a um show da Ana em um café de BH e durante sua apresentação escrevi quatro letras de música, entre elas Garganta, que ela acabou gravando em seu primeiro disco dois anos mais tarde e que foi um grande sucesso nacional, tornou-se tema de novela, a projetou como cantora e a mim como compositor. Então recebi uma proposta da BMG editora de fazer um contrato de exclusividade que me proporcionou voltar a morar no Rio e a começar a compor para outros artistas.

Você volta a morar em Porto Alegre em 2013. Que fatores, artísticos e pessoais, te motivaram a morar no RS novamente?

O principal motivo para eu voltar a morar em Porto Alegre foi o nascimento da minha filha Luísa, que hoje está com 3 anos de idade. Como minha mulher também é gaúcha, pensamos que Porto Alegre teria um ambiente melhor para o crescimento da Luísa, em função de ser uma cidade menor, mais organizada e onde reside a maior parte de nossos familiares. Artisticamente, talvez a grande mudança é que voltei a fazer mais shows, pois no Rio, com a quantidade de solicitações de composições que recebia de outros artistas, estava já ficando meio acomodado nesse sentido. Lá fiquei mais focado em compor e fazia uma média de apenas 20 shows por ano. De volta para Porto Alegre, a quantidade de shows triplicou e me apresentei, inclusive, em cidades brasileiras onde nunca havia estado. Isso se deve, em parte ao êxito do disco Samboleria, mas também a uma determinação minha de voltar aos palcos de forma mais intensiva.

Como que você chegou até a estética musical de Samboleria?

Esse disco é uma espécie de pacto que fiz comigo mesmo, um tratado de paz e harmonia entre duas vertentes musicais que sempre estiveram dentro de mim e que, de certa forma, eu cotejava, uma delas proveniente do samba e a outra da latinidade característica do Rio Grande do Sul. Na minha casa, desde a minha infância, sempre se ouviu de tudo, dos clássicos ao samba e à bossa nova, da música regional à Jovem Guarda, do jazz ao rock juvenil dos Beatles. A 5ª de Beethoven era um hit da nossa vitrola, assim como Penny Lane de Lennon & McCartney, e João Carreteiro, do meu pai, Gil Villeroy, e Murilo Vescovi, que Paixão Cortes gravou em seu primeiro disco. E, para mim, que até os quatro anos de idade não havia saído da região do pampa, tudo era música de São Gabriel, tudo estava ligado àquele céu e àquela paisagem de coxilhas onduladas, onde os dedos cheiravam a bergamota no inverno. Depois de duas temporadas morando no Rio, a primeira entre 1987 e 1990, e a segunda entre 2000 e 2013, tomei bastante familiaridade com o samba à maneira dos cariocas e também com outros ritmos brasileiros que ouvia com mais frequência morando no sudeste. Mas, de certa forma, a música regional do sul começou a pedir licença e, aos poucos, de uns anos para cá, foi voltando um sotaque sulista nas minhas composições. Samboleria, portanto, reflete essa aproximação desses dois espíritos musicais. Quando lancei esse disco, percebi pelas opiniões que ouvi aqui no Sul, que meus discos anteriores com mais tendência para bossa nova não eram muito bem vistos em Porto Alegre, como se tratasse de algo estrangeiro. Mas, ingenuamente, eu nunca havia percebido que havia um certo preconceito com aqueles meus trabalhos.

Esse trabalho, lançado em 2014, parece ser o de maior repercussão, em termos de público e crítica, na tua carreira como artista autoral, sobretudo aqui no Rio Grande do Sul. Por que você acha que o disco foi tão bem recebido?

Os dois trabalhos de maior repercussão nacional foram o Sinal dos Tempos, gravado ao vivo com a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro, que me tornou um artista conhecido nacionalmente como intérprete de suas músicas e Samboleira que veio como uma confirmação daquele disco e que teve ampla aceitação no Brasil inteiro. Entre os dois, houve José, que foi um lançamento da gravadora Biscoito Fino, mas que não teve muita repercussão aqui no Sul, embora também tenha me levado a fazer shows e tocar em rádios de outras regiões brasileiras. Acho que o reconhecimento maior com Samboleria no Rio Grande do Sul se deve a esses fatores que mencionei anteriormente, que são meu olhar mais voltado para as coisas de cá e talvez também pelo fato de o seu lançamento ter coincidido com minha volta a morar em Porto Alegre. Acho que minha presença aqui ajudou a que o disco fosse olhado com mais simpatia. Mas também há os fatores artísticos do disco, desde as composições, que, a meu ver, abrangem mais completamente minhas aspirações e inspirações artísticas e também os detalhes de concepção do disco, que foi feito com muito esmero, durante cinco meses, numa co-produção minha com um grande produtor que é o Berna Ceppas, em dois estudios maravilhosos do Rio e contando com um time de músicos de primeira grandeza. Eu passava uma semana gravando no Rio e outra em Porto Alegre, editando detalhes, escolhendo vozes e instrumentações no meu home estúdio, muitas vezes com minha filha no colo ou, simplesmente, acompanhando seus primeiros meses de vida. Isso tudo colaborou para o resultado final, onde procuro projetar, à minha maneira, com as ferramentas que tenho, um mundo melhor para as novas gerações.

CD_ Antonio Villeroy_ Samboleria

Como você avalia o atual sistema de arrecadação de direito autoral no Brasil?

O sistema convencional, aquele operado pelo Ecad, está melhorando. Aliás, o Ecad sempre foi bastante agressivo na arrecadação, o que ocasionava muitas críticas e inadimplência por parte de quem tem que pagar, mas deixava a desejar na distribuição. Há algumas coisas que ainda não concordo, mas, aos poucos, o sistema vem sendo aperfeiçoado, recebemos os relatórios mensalmente, o que permite fazer uma apreciação correta das diferentes fontes de arrecadação, que são as rádios, emissoras de TV, telefonia, shows e música ao vivo. Quanto à arrecadação na internet, relativa ao Youtube, Spotify e outras plataformas de streaming, ainda falta regulamentação. Na verdade, essas empresas ganham muito dinheiro com publicidade e não repassam corretamente os direitos autorais e artísticos (relativos aos intérpretes) aos criadores de conteúdo. Algumas pessoas, ingênuas ou mal informadas, se revoltam quando os artistas reivindicam esses direitos, pois esses usuários pensam que teriam que pagar para usar o Youtube e demais plataformas. Mas isso é só falta de informação e de um pouco de reflexão mesmo, pois essas grandes empresas lucram horrores com anúncios, e sem conteúdo eles não possuiriam nenhum acesso e sem público eles não teriam anunciantes. É uma lógica bem simples. Por outro lado, é estranho que qualquer profissional que recebe pelo seu trabalho pense que quem cria música possa viver sem receber pelo sua atividade, como se o artista desempenhasse suas funções como se fossem um hobby. Muitas vezes, também argumentam que essas plataformas servem para divulgar o trabalho dos artistas, que, posteriormente ganhariam fazendo shows. Mas esquecem que há muitos autores e compositores que não fazem shows, principalmente os letristas. E, em função dessa confusão, fazem a defesa de empresas bilionárias em detrimento daqueles que criam os conteúdos. Há também essas plataformas de streaming que vivem de assinaturas mensais. Recentemente, muitos artistas internacionais como David Byrne, o grupo Radiohead e nacionais, como Marisa Monte, retiraram seus conteúdos do Spotify, pois as gravadoras estavam recebendo bilhões, mas não estavam repassando para os titulares.

Você tem, hoje, controle completo sobre a sua obra? Sabe quantos artistas já gravaram, quanto já vendeu e coisas assim?

Tenho bastante controle, não digo 100%, mas sei de quase todo mundo que já gravou e quais as músicas mais gravadas. São cerca de 70 intérpretes diferentes, do Brasil, Argentina, EUA, Itália, França, Áustria, Portugal Congo e Senegal. As minhas músicas estão todas editadas e recebo relatórios trimestrais das editoras. Sozinho, eu não teria como fazer isso, é um trabalho muito complexo, pois são mais de 200 músicas gravadas por intérpretes desses diversos países que citei acima. Algumas canções tem cerca de 20 gravações. Às vezes, surge algo de surpresa. Recentemente, descobri que uma música minha tinha sido usada em uma novela portuguesa e nunca recebi nada por isso. Então enviei uma solicitação para a editora para que reivindicasse esses direitos juto à emissora de Portugal.

Fora a relação especial que tem com a Ana Carolina, quais outros artistas você gosta de trabalhar e sente que teu trabalho flui mais naturalmente?

Gosto muito de compor para a Maria Bethânia, para a Mart’nália, Zizi Possi, entre outros. São artistas que vão na veia da música. E eu procuro sempre encontrar aspectos comuns entre o meu universo pessoal e o de cada intérprete. Geralmente dá certo.

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