Entrevista | Um papo com Zeca Brito, diretor do filme Legalidade

(foto: Mário Miranda)

Encerraram-se em meados de junho, em Porto Alegre, as gravações do filme Legalidade, dirigido por Zeca Brito, que assina o roteiro junto com Léo Garcia. Na trama, um triângulo amoroso formado pelos atores Cléo Pires, Fernando Alves Pinto e José Henrique Ligabue tem como fio condutor os acontecimentos de agosto de 1961, comandados pelo então governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, interpretado por Leonardo Machado. O longa foi rodado no Palácio Piratini, no Porão da Legalidade, no prédio da Prefeitura de Porto Alegre e também teve cenas em outros municípios gaúchos e em Brasília.

Poucos dias após terminar de rodar Legalidade, o jovem cineasta Zeca Brito nos recebeu na sede da produtora Prana Filme, e conversou conosco sobre vários aspectos que rodearam as gravações do filme que tem como pano de fundo a resistência de Brizola para garantir que o vice-presidente João Goulart pudesse assumir a presidência do Brasil após a renuncia de Jânio Quadros. “A trama ficcional do Legalidade não é meramente um atrativo para o público, com um romance e tal, é mais do que isso. Na verdade, os personagens fictícios, a Cecília, o Luis Carlos e o Tonho, são sínteses de pequenos, ou de vários, personagens reais, que tiveram pequenas participações na história”, nos contra o diretor, que afirma que até mesmo a parte de ficção tem fortes bases em fatos ocorridos.

Nesta entrevista exclusiva, o diretor fala de como foi trabalhar com seu pai, que interpreta o Brizola nos últimos anos de vida. Segundo ele, o filme não deixa de ser uma investigação pessoal, pois a influência do Brizola e do trabalhismo é algo que acompanha Zeca desde sua infância. Outra intenção, conta o cineasta, é colocar luz sobre o episódio da Legalidade, e torná-lo uma história nacional. Por isso, o elenco conta com nomes como  Cléo Pires, Fernando Alves Pinto e Letícia Sabatella.

Legalidade deve ser lançado em 2018. Mas o diretor, natural de Bagé, que quase foi artista plástico, não para. Até o final do ano, seu segundo longa de ficção deve estrear nos cinemas, é a comédia Em 97 Era Assim, que conta a saga de um grupo de adolescentes tentando perder a virgindade na Porto Alegre da década de 1990. E fazendo uma espécie de continuidade ao documentário Glauco do Brasil, Zeca trabalha atualmente, também, em um curta sobre um importante movimento de artistas plásticos em Bagé, da metade do século passado.

Culturísssima: Lendo algumas notícias mais antigas sobre o filme Legalidade, vi tu falando de quando apresentou o projeto para a Cléo Pires, e ela, além de protagonista, seria uma das coprodutoras. Como aconteceu essa ligação dela com o filme e como foi o trabalho com a Cléo?

Zeca Brito: Na verdade, a primeira pessoa que a gente, eu e o Léo Garcia, quando estávamos com o projeto pronto, foi a Luciana Tomasi, da Prana Filmes. Procurávamos uma produtora que pudesse contar essa história e levantar esse projeto, que a gente sabia que ia levar tempo para se concretizar. Primeiro pela complexidade da própria história, de sintetizar uma história real dentro de uma narrativa cinematográfica de 90, ou sei lá, 120 minutos, e também pela complexidade de se reconstituir uma época, que tem um custo e tal, e isso demandaria uma produtora que tivesse fôlego de encarar esse projeto por um longo tempo. Então a Luciana foi a pessoa que abraçou e levantou ele.

Em um segundo momento, com o roteiro já um pouco desenvolvido, começamos a pensar em pessoas que pudessem protagonizar a história. E a Cléo Pires foi uma pessoa com quem trabalhei em O Tempo e o Vento, quando fui segundo assistente de direção. Fiquei amigo dela. E ainda desenvolvendo o roteiro, a gente identificou que era uma história muito masculina, protagonizada por personagens reais da política brasileira, que até hoje é um  ambiente majoritariamente masculino. Então é Brizola, Jânio, Jango, Chê Guevara… Aí percebemos que era importante ter uma protagonista feminina que costurasse isso tudo, com uma visão mais humana sobre todo aquele ambiente. Então, logo no início vei a ideia de que a Cléo poderia fazer este personagem, que é uma jornalista, mas que tem um lado obscuro. É uma personagem forte pra caramba, e que, ao mesmo tempo, tem um mistério e uma sensualidade. E a Cléo, além de grande atriz, é uma mulher muito bonita. Aí há três anos, a gente ainda não tinha perspectiva de quando filmar, e quando se contrata um ator, uma atriz, tu mexe com a agenda da pessoa, que vai precisar reservar, geralmente, um mês ou dois. Então é tudo a longo prazo que se fecham os contratos. Como a gente não tinha perspectiva de quando filmar, e a Cléo estava interessada no projeto, foi natural que naquele momento ela entrasse como coprodutora, e foi o que aconteceu. De alguma maneira ela nos ajudou a levantar o filme, e quando a gente tinha todos os recursos para que isso acontecesse, ela veio protagonizar.

O filme aborda um triângulo amoroso entre os protagonistas durante os acontecimentos históricos da Legalidade. Se tu pudesse mensurar, quanto a gente vai ver de ficção e quanto a gente vai ver de fato real em tela?

Então, talvez matematicamente a gente possa até mensurar isso, é possível, porque a gente conta minuto por páginas, e o filme tem 100 páginas, e provavelmente terá 100 minutos. Só que a trama ficcional do Legalidade não é meramente um atrativo para o público, com um romance e tal, é mais do que isso. Na verdade, os personagens fictícios, a Cecília, o Luis Carlos e o Tonho, são sínteses de pequenos, ou de vários, personagens reais, que tiveram pequenas participações na história. O Luis Carlos [Fernando Alves Pinto] é um pouco do Darcy Ribeiro, um pouco do Flávio Tavares, um pouco do Tarso de Castro. Então a gente juntou pequenas histórias que aconteceram, com personagens reais, e colocou nas ações destes personagens fictícios. Não dá para dizer que, quando estamos mostrando os personagens fictícios, estamos necessariamente mostrando uma ficção. Não, pois é a histórica real, mas ficcionalizada. Sintetizada em personagens e acrescida de um romance. Mas quem disse que não aconteceu romance naqueles dias? Eram situações limites, de um tempo de muita ideologia, de uma juventude fervorosa, que acreditava em ideais muito claros, e aconteceram romances ali dentro, as pessoas se amaram. Os próprios Flávio Tavares e Tarso de Castro contam em suas memórias. O Flávio conta que, quando ele foi para a OEA, com o Che Guevara, um amigo dele se apaixonou por uma jornalista e ficou cinco dias sumido. Então não dá para dizer que a parte ficcional não é real, pois são emoções humanas e situações humanas que aconteceram.

Ator Leonardo Machado como Leonel Brizola (foto: Joba Migliorin)

Vocês gravaram dentro do Piratini, no prédio da Prefeitura de Porto Alegre, em lugares históricos para os bastidores político do estado. Como foi essa experiência?

O Palácio Piratini é testemunha da história, testemunha da Legalidade. A Legalidade aconteceu ali, dentro daquele espaço, e foi um momento em que o Palácio, de alguma maneira, passou por uma resignificação. Um palácio em si, além de ser um espaço onde são pensadas as leis, a vigência social de um estado, ele também é o símbolo da democracia, do que seria uma representatividade popular. Mas ao mesmo tempo a ideia de um palácio é muito ligada a uma coisa de certos privilégios que detém o mandatário, que começa na própria ostentação de um espaço grandioso, nos ornamentos, nos móveis dourados, no tapete vermelho e tal. Isso é muito engraçado, porque quando a gente pensa que em um país quebrado, em um estado quebrado como o nosso, este status ainda é preservado, a aparência ainda é preservada, e acho bonito o que aconteceu em 61, pois o Brizola ressignifica este espaço, na medida em que ele transfere o seu gabinete da área do salão nobre para o porão. Se a gente pensar na gênese do Brasil, no Gilberto Freyre, no Casa-Grande & Senzala, a Senzala sustenta a Casa-Grande, que sem a Senzala, desmoronaria. Ao mesmo tempo, ela é sinônimo de tanta opressão, de tanta injustiça histórica, da engrenagem de um país que se constituiu assim, que precisa romper com essa Senzala. E o Brizola, ao transformar a Senzala no espaço máximo, de inteligência, de pensamento, ele dá uma mexida em valores históricos. Ele pega a sua Secretaria de Comunicação e tem essa sacada, do poder da imprensa, e transforma ela em uma verdadeira Secretaria de Defesa, no porão, e se utiliza deste instrumento, que é o rádio, para mobilizar a população. Então o Palácio Piratini, dentro de sua própria arquitetura, já traz muito do que é o Brasil, e essa mexida que o Brizola faz nos espaços, revela muito de como é a cabeça de um homem, disposto a quebrar com as engrenagens, disposto a fazer as reformas, a reforma agrária, distribuir melhor os espaços, o poder. E faz com que a gente pense a democracia, a função do homem que está lá dentro, acima do espaço. Tem alguém que está lá e representa a povo, e se ele se esquece disso, a gente está ferrado. O Brizola, ao se dar conta que sua função ali é servir como um comunicador, e que isso ele poderia fazer e que isso era uma arma, ele está sendo coerente com a democracia, ele está honrando o voto de cada um que colocou ele ali. E o Palácio Piratini tem essa importância, e poder rodar lá dentro, é como estar lidando com mais um dos personagens.

Certamente tu já conhecia a história do episódio da Legalidade. Mas durante a pesquisa para o filme, algumas coisas ou descobertas te surpreenderam?

Sim. A história da Legalidade é absolutamente surpreendente, e a gente essa informação nos bancos escolares, nem na história tradicional que se houve. É muito pouco falado sobre a Legalidade. O brasileiro sabe muito pouco, então por mais que eu tivesse ouvido falar, meu pai fala para prestava atenção no assunto: “Isso dá um filme”. Era do ponto de vista cinematográfico que me falavam, e não da história. Me deparar com a história foi absolutamente surpreendente, revelador. Porque a gente percebe que as engrenagens são as mesmas, e que a gente tem muito a aprender com esses episódios que nos são sonegados, e até para pensar no porquê que nos foram sonegados. Então, me surpreende imensamente, por exemplo, saber sobre a rebelião que aconteceu na Base Aérea de Canoas, quando jovens aspirantes da Aeronáutica se rebelam contra seus superiores e decidem não bombardear o Palácio Piratini, esvaziando os pneus, e todos eles pagaram com suas vidas três anos depois. Todos foram assassinados em 1964. Foram todos perseguidos, torturados e mortos. Quem viveu aquele episódio, pagou com a vida. E é por isso também que essa história não foi contada. E depois, de certa forma, com a redemocratização, o Brasil encontrou uma imprensa hegemônica unilateral que também não fez questão de mexer com essa engrenagem do passado. Até porque quem liberou as concessões das TVs foi a própria ditadura. Então o episódio da Legalidade tem várias facetas, foi um estopim que fez a população civil reagir. Quando se viu isso de novo no Brasil? Sei lá, nunca mais se viu. Foi o último levante popular real em que as pessoas foram para rua, reivindicaram, ficaram nas ruas e depois de 10 dias elas foram atendidas, o presidente pode retornar ao território nacional, dentro de um sistema parlamentarista, mas ok. As pessoas estavam esclarecidas sobre o que estava acontecendo, e não amortecidas e anestesiadas, que é um pouco o que acontece hoje no Brasil, por conta desta mídia hegemônica e de não ter uma imprensa alternativa. E me surpreende que, com todas as mil peripécias do episódio da Legalidade, esse esclarecimento do Brizola, de se valer de um meio de comunicação como a gente pensa hoje na Primavera Árabe, liderada pela internet, e o Brizola teve essa sacada, e depois também por ter partidos para estratégias como a guerrilha. Ele acreditou que era possível armar a população civil e resistir belicamente, como também acreditou em 64 até ser completamente dissuadido depois de Caparaó, quando os seus companheiros foram mortos. É impressionante como há bem pouco tempo, nossos pais, avós, estavam com uma arma nas mãos dispostos a defender a democracia. É uma história totalmente incrível, que deveria ser falada todo dia.

Teu pai participa do filme. Ele faz o Brizola já nos anos 2000. Foi ele quem comentou um dia que essa história daria um filme. Como foi isso pra ti, de trabalhar com ele no filme?

Pois é, acho que são essas coisa meio atávicas, que a gente nasce para fazer aquilo, naquele contexto, com aquelas pessoas. O Brizola é muito presente na minha vida, desde sempre, porque meu pai é do PDT, então na minha casa tinha foto do Brizola, na garagem. Tinha foto da minha mãe, do meu pai, meus avós e uma foto do Brizola [risos]. Ou seja, um Brizola idealizado, e um Brizola que nunca chegou a ser aquilo, sabe? Isso é o mais fascinante, e de alguma maneira eu relaciono isso com meu pai também, porque na medida em que quero fazer um filme sobre o Brizola, na verdade estou fazendo um filme sobre mim mesmo, e sobre meu pai. Como e por quê o Brizola é importante pra mim? Desde criança me disseram que ele era importante. Aí vem um segundo momento, que é: vamos checar para ver se isso confere. Então, fazer o filme é sim convergir a uma conclusão atávica. Imagina se eu chego a uma conclusão contrária, se investigando a vida dele, passo a odiar. Não! Pelo contrário, quanto mais fui pesquisando, mais eu entendia o porquê daquele retrato estar lá na minha casa. É um pouco uma investigação pessoal também. Estamos falando de ícones, de líderes, de ideologias, que são coisas que de alguma maneira foram se perdendo. Que político nos tempo atuais eu posso ter o retrato em casa? Não tem, não existe. Aí investigar o Brizola, é também investigar esses porquês dessa presença dele na minha vida. Meu pai é muito parecido fisicamente com o Brizola, e de alguma maneira eu pensei em vários atores, e sempre procurei pessoas que parecessem com meu pai, porque meu pai era a pessoas mais parecida com o Brizola que eu conhecia. Então teve um momento que cheguei a conclusão de que seria coerente que fosse ele. Sim, é um pouco arriscado. É meu pai, será que ele vai me respeitar no set? Isso é uma conversa que a gente teve. Ele foi super profissional, não me deu trabalho nenhum [risos]. Era mais uma insegurança de filho mesmo.

E tem uma coisa interessante. Meu pai foi candidato a prefeitura de Bagé. E sempre teve aquela coisa de “um dia ele vai ser prefeito de Bagé”. E o Brizola também, sempre teve isso de “um dia ele vai ser presidente do Brasil”. E nunca foi! Então é um pouco aquilo do personagem que poderia ter sido muita coisa incrível, só que esse não ser também é necessário, é o que ele é. E se tivesse sido, poderia ser igual aos outros. Mas ele nunca se submeteu a muita coisa, então por isso ele não foi, e foi importante ele não ser. Hoje a gente entende que essa engrenagem podre não contaminou ele.

Zeca Brito ao lado do pai e da atriz Letícia Sabatella (foto: Joba Migliorin)

No ano passado alguns segmentos da nossa sociedade propuseram um boicote ao filme Aquarius, do Kleber Mendonça Filho, por causa do discurso do diretor e do elenco, à época do processo de impeachment da presidente Dilma. Um discurso mais alinhados a um espectro político de esquerda. Tu já pensou nisso, e teme que coisa parecida ocorra contra o teu filme?

Acho que o Aquarius foi profético. Tudo que a equipe do filme denunciou em Cannes, hoje é mais do que comprovado. A gente tem que ter um olhar histórico. Boicote dos iludidos? Boicote daqueles que depois se arrependeram? Boicote daqueles que hoje estão atrás das grades? Boicote de qual lado da história: lado do bem ou lado do mal? Se estamos falando de interesses pessoas, e falando de interesses coletivos e democracia, são coisas diferentes. Acho que a gente tem que saber de que lado da história estamos. Legalidade é um filme muito claro sobre qual lado ele está. Ele está em 1961 denunciando um golpe institucional que aconteceu. Que aconteceu em 64 e talvez tenha acontecido nos dias de hoje. Talvez se repita, e talvez já tivesse acontecido antes, em 30. Esse é um filme ideologicamente posicionado, e acho isso muito bom, porque o Brasil está vivendo uma cinematografia muito tendenciosa e de direita, com filmes que espetacularizam ações públicas, como por exemplo a investigação da Lava Jato sem o devido distanciamento histórico. Eu sou mestrando em  História da Arte, sou pesquisador, me considero historiador, e só consegui fazer um filme sobre a Legalidade por havia passado 50 anos. Só consigo ter segurança para dizer de que lado da história estou porque se passaram esses 50 anos, e pude ver todos equívocos e erros, e pude comprovar a história. Então acho que o Brasil vive hoje uma espetacularização do seu processo de construção público das instituições. Isso sim me preocupa. Isso sim me incomoda. Agora, o filme Legalidade estar posicionado do lado da coerência, do trabalhismo, da democracia, isso é o certo.

Mais fotos do filme Legalidade

Falando um pouco agora de outros projetos teus. Passou há poucas semanas em Porto Alegre, em uma mostra do Sesc, o filme Em 97 Era Assim, trabalho que está lançando agora. Fala um pouco deste projeto.

Em 97 Era Assim é meu segundo longa de ficção. O meu primeiro é O Guri, que é do Canal Brasil. Terceiro é o Legalidade. Agora o Em 97 Era Assim passa em alguns festivais. Vai para Índia, Canadá, está neste circuito de festivais. E provavelmente dezembro ou janeiro a gente vai lançar no circuito comercial. Ele ganhou um edital de distribuição e a gente está esperando a liberação dos recursos. Essas coisas de burocracia demoram um pouco.

Ele é uma comédia indie. Não consegui fazer uma comédia direito], então acabou ficando meio triste [risos]. É a história de quatro adolescentes querendo perder a virgindade, em Porto Alegre, nos anos 90. Então é sobre esses rituais coletivos que se perderam um pouco com a internet, com essas tecnologias que de alguma maneira simplificam as relações. É sobre essa amizade deles, viver em grupo, ter amigos, em um determinado momento da história, que são os anos 90, e toda uma tecnologia recém estava chegando. E são atores de 14 anos, fazendo personagens de 14 anos, então tem essa verdade. E são todos daqui, de Porto Alegre.

Tu começou cedo o curso de cinema, aos 17 anos. Sempre soube que queria trabalhar com audiovisual?

Então, eu fazia gravura em Bagé. Lá tem uma tradição em xilogravura. Teve um pessoal nos anos 50 que introduziu um negócio chamado Realismo Socialista, que era uma coisa influenciada pelos mexicanos, de fazer uma arte mais engajada socialmente em um momento que estava tendo uma avalanche abstracionista no Brasil. Aí criou-se essa tradição da xilogravura em Bagé. Então eu fiz xilogravura E fiz um filme chamado Glauco do Brasil, que é um destes personagens, o Glauco Rodrigues. E agora estou fazendo outro filme, chamado Grupo de Bagé, que é um curta, sobre os quatro personagens.

Bem, com 12 ou 13 comecei a fazer gravura e me encaminhei para ser artista plástico. E fazia teatro também. Meu pai é ator, minha mãe atriz. Quando fui escolher uma faculdade, recém tinha surgido o curso de cinema. A minha foi a segunda turma de audiovisual da Unisinos. E eu também tinha uma câmera, e meio que filmava as minhas peças e tal. Cinema é uma arte muito completa, junta imagem, literatura, música, dramaturgia, então achei que seria uma profissão que eu não precisasse abandonar as outras coisas. Achei que ia conseguir, pois hoje em dia não desenho mais, mas de alguma maneira a gravura ainda está presente, quando vou enquadrar, e principalmente na questão de sombra e luz.

Em Glauco do Brasil, chama atenção uma entrevista que tu faz com o próprio Glauco, quanto tu tinha 12 anos. Que contexto é esse que te levou a entrevistar ele nessa idade?

Eu tinha ganhado uma câmera dos meus pais. Poderiam ter me dado um videogame, mas foi uma câmera, então eles têm essa influência grande. E a gravura foi algo muito importante para Bagé, ao ponto de, aos 12 anos, eu estar entrevistando o Glauco. Ele era importante não para mim, mas para os meus pais, para a cidade onde eu vivia, para a minha professora de gravura. Então eu queria agradar eles, agradar meus colegas… Eu não tinha dimensão do Glauco, tinha dimensão de um personagem que era muito maior, de alguém que vem de fora, que traz luzes, que ilumina a gente e tal. Então é isso, a gente tem que ser coerente ao que nos cerca. Tive a oportunidade de ter uma câmera e tive a oportunidade de conviver com o Glauco.

E quando tu soube que aquilo que tu fez com 12 anos poderia fazer parte de um documentário?

Sempre soube. Quando filmei, sempre soube. Assim como acho que tenho vários outros filmes que fiz quando criança e que sei que um dia vou montar e dar um jeito de colocar em um filme. Quando a gente faz gravura, ensinam a gente que tudo que fizemos é arte. Então tudo que eu fazia, achava que era arte. Que ia virar um filme, ou esse filme [Glauco do Brasil], nunca imaginei. Só agora, em 2013. No documentário, as entrevistas são todas feitas de 2013 pra cá, e essa entrevista com o Glauco é a única de 20 anos antes, e ela costura o filme. Então, te respondendo: sempre soube que aquilo era filme, não este filme, mas material fílmico.

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