Entrevista | Uma conversa com o músico e escritor Kledir Ramil

kledir ramil

Na árvore genealógica da moderna música urbana feita no Rio Grande do Sul, dos anos 70 para cá, poucos nomes são tão fundamentais quanto Kleiton e Kledir Ramil. De Pelotas para a capital, primeiro com a seminal banda Almondegas e, depois, ganhando o Brasil com a dupla, como seguem fazendo hoje em dia. Compondo, cantando e inventando arte.

Direto do Rio de Janeiro, batemos um papo com Kledir. Dentre outros assuntos, ele nos falou sobre o mais recente trabalho da dupla, lançado no ano passado. O álbum Com Todas as Letras é CD, DVD, LP e, fundamentalmente, parceria. A dupla convidou diversos autores gaúchos a escreverem canções, uma experiência que já tiveram há muitos anos com Caio Fernando Abreu.

Mesmo longe, Kledir, que também é escritor, conta que segue de olho na cena musical aqui da aldeia. Mesmo suspeito, diz que tem muito orgulho dos trabalhos de seus sobrinhos Ian e Thiago Ramil. Fora o contato olho no olho que vem tendo, com a oficina LETRA & MÚSICA, que está passando pelas universidades do estado.

Culturíssima: Ano passado vocês lançaram Com Todas as Letras, que é um projeto grandioso, com CD, LP, DVD, livro e um circuito de palestras. Em época de lançamentos digitais, como foi a decisão de fazer um trabalho em tantas mídias?

Kledir Ramil: A intensão foi exatamente disponibilizar em várias plataformas para que o trabalho pudesse chegar a todo tipo de público. Com Todas as Letras é um projeto não apenas original, o resultado produzido tem conteúdo e é artisticamente relevante. Ou seja, a coisa funcionou. Nosso objetivo principal era promover a aproximação da literatura com a música popular. Trazer essa riqueza do mundo das letras para o nosso universo das canções. Autores de prosa, de ficção, trazendo um novo olhar, uma outra perspectiva poética e temática. Foi um privilégio trabalhar com esses escritores que tanto admiramos e, ao mesmo tempo, foi extremamente prazeroso.

Esse projeto tem partida em uma parceria de muitos anos com Caio Fernando Abreu, a música “Lixo e Purpurina”, que só agora foi gravada. Qual a história por trás dessa música?

Tudo começou nos anos 70, em Porto Alegre. Foi ali que a gente começou a conversar com o Caio sobre a ideia de fazer uma música em parceria. Nessa época ele estava lançando seus primeiros livros e nós os primeiros discos com Almôndegas. A gente queria falar da nossa geração, nós os que nascemos com Netuno no signo de Libra, uma geração que rompeu com todos os tabus de comportamento. Lixo e Purpurina levou 20 anos pra ser feita. Aí o Caio foi embora e a gente ficou mais 20 anos sem saber muito bem o que fazer com ela. A ideia que surgiu foi esse projeto, convidamos escritores, gaúchos como nós, pra repetir a experiência do Caio, escrever uma letra de música pela primeira vez na vida. Com a ajuda do Luís Augusto Fischer, reunimos um time de craques: Luis Fernando Verissimo, Martha Medeiros, Fabrício Carpinejar, Leticia Wierzchowski, Daniel Galera, Paulo Scott, Claudia Tajes, Alcy Cheuiche e Lourenço Cazarré.

Cada uma das canções do álbum inspirou uma nova obra de arte e tudo isso foi parar em Nova York. De junho a setembro de 2016, o TDC – The Type Directors Club – estará apresentando a exposição “With All the Types & Lyrics” com obras de artistas de várias partes do mundo que criaram artes caligráficas inspiradas nas letras dessas canções. Depois de NY, a exposição vai para Lisboa e deve seguir para Londres, Tóquio e Los Angeles. Todo esse projeto e seus desdobramentos podem ser acompanhados pelo site: www.kleitonekledir.com.br/comtodasasletras/

A dupla em Nova York

A dupla em Nova York (reprodução Facebook)

Como tem sido a experiência de passar pelas faculdades ministrando as oficinas de música? O que você percebe de diferenças e similaridades entre essa geração de jovens e aquela do qual fez parte nos anos 70?

LETRA & MÚSICA é uma oficina de música popular, que a gente inventou para dividir com os mais jovens aquilo que a vida nos ensinou: a arte de fazer canções. O circuito que temos feito por universidades gaúchas tem tido ótimo resultado. Ano passado apresentamos na UFRGS, PUC, UNISINOS e ULBRA. Em novembro estaremos em Santa Maria, Passo Fundo e Caxias.  A intenção é criar uma oportunidade de convivência e troca de informações que incentive o surgimento de novos talentos e parcerias musicais.

Além da parte teórica, onde se estuda as sutilezas de ritmo, harmonia, melodia e letra, há também atividades práticas: criação coletiva de uma canção, gravação da música (em um estúdio móvel montado na sala de aula) e, no dia seguinte, os alunos participam do show de K&K cantando a música que fizeram no curso.

Em relação às gerações, os tempos são outros, há muito mais tecnologia, oportunidades e acesso à informação, mas a essência do jovem continua a mesma: o sonho de mudar o mundo. E isso me deixa feliz, afinal é essa atitude que empurra o mundo pra frente.

Passados 40 anos dos Almondegas, o que significa quase meio século, como você mensura hoje o impacto que aquela proposta de estética teve para a música urbana do RS a partir de então? 

O músico e historiador Arthur de Faria escreveu uma tese de mestrado afirmando que Almôndegas foi um marco, um divisor de águas na música popular do RS. Fico contente de ver que, tantos anos depois, tudo aquilo que se fez sem muita estrutura profissional plantou uma semente que inspirou e segue inspirando vários artistas, principalmente K&K, que pra mim é uma continuidade do que se fazia com a banda.

Você acompanha o que acontece de novo na cena musical do estado? O que você acha do trabalho do Ian e do Thiago?

Adoro os trabalhos do Ian e do Thiago, mas sou suspeito, sou tio, vi os guris nascerem e acompanhei cada passo deles em direção à vida artística. Tenho muito orgulho do que produzem e aprendo muito com eles.

Mesmo morando no Rio de Janeiro, procuro acompanhar e estar atento à cena musical do estado. Gosto muito do Apanhador Só, não só pela qualidade artística, mas também pela maneira interessante que eles conduzem a carreira e cultivam sua relação com o público. Como falei, eu aprendo muito com essa geração mais nova.

https://www.youtube.com/watch?v=yEIorUDkWSM

Você lançou um disco solo no período em que a banda esteve separada. Nunca teve, ou tem vontade, ou ainda um projeto, para um projeto musical solo?

Meu projeto solo é apenas na literatura, uma arte solitária que me completa e enriquece. Em música popular quero fazer as coisas sempre com o Kleiton, juntos a gente faz muito mais e melhor.

Há poucos anos, vocês lançaram um disco infantil e, posteriormente, você lançou um livro também destinado a esse público. Como foi desenvolver esses trabalhos?

Kleiton e eu nunca havíamos feito música para crianças, uma tradição dos grandes autores da nossa música brasileira que vem desde Braguinha e passa por Vinícius e Chico Buarque. Para criar as canções, foi preciso desenvelhecer um pouco até chegarmos àquele estado de pureza onde a fantasia se confunde com a realidade. Foi uma ótima oportunidade de resgatar uma monte de coisas boas que a gente vai perdendo pelo caminho.

Lançamos então o CD “Par ou Ímpar” com músicas inspiradas nesse universo infantil cheio de fantasia e imaginação. Entusiasmados com o reconhecimento unânime de público e de crítica, nos unimos ao grupo THOLL e à atriz Fabiana Karla, para realizar um espetáculo visualmente exuberante, que as crianças adoram e os adultos também. É um espetáculo musical, teatral e circense, que virou DVD, especial de televisão e ganhou o troféu de “Melhor Disco Infantil” no Prêmio da Música Brasileira.

Inspirado no roteiro do espetáculo, escrevi agora o livro “Viagem a Par ou Ímpar”, uma aventura de dois guris que pegam uma Maria Fumaça rumo ao desconhecido e acabam encontrando um lugar lúdico, encantado, cheio de surpresas e diversão. O livro traz ilustrações do talentoso Victor Tavares e é um lançamento da editora Objetiva.

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