Entrevista | Uma conversa com o Mutante Sérgio Dias antes do Morrostock

Por Diego Rosinha

Eu já vinha pensando nesse momento há dias, quando surgiu, falando com a assessoria do Morrostock, a possibilidade de falar com o Sérgio Dias, dos Mutantes. Sérgio é expoente máximo da música brasileira, especialmente do rock n roll.  Eu não queria passar como fã babão, então tentei ser o mais friamente profissional possível (coisas que o mundo corporativo do jornalismo te ensina, e muito bem). Chegar nele foi muito fácil, tão fácil que até me espantei.

Era 16:34 de quarta-feira e do outro lado da linha ouvi um: hello. Sim, Sir Sérgio Dias, o mutante americanizado mais humanista estava fazendo contato. Os Mutantes se apresentam no segundo dia do festival, que ocorre entre 1° e 3 de dezembro, em Santa Maria. Veja como foi a conversa:

Culturíssima: Como os Mutantes chegaram ao Morrostock?

Sérgio Dias: Recebemos uma ligação e logo passamos para uma agente que cuidou das negociações. Para nós é sempre um prazer tocar em festivais desse tipo. Ontem mesmo recebi umas fotos do palco, vai ser maravilhoso.

Vocês percebem uma diferença entre tocar em festival desse tipo e em locais fechados?

Certamente. Acabamos de voltar de um festival em Long Beach, Los Angeles, tudo muito bonito e organizado, tudo certinho. Festivais como o Morrostock, e o Psicodália, onde já tocamos, são diferentes, são melhores, mais orgânicos.

Como está a relação com o seu irmão e ex-companheiro de banda, Arnaldo Baptista?

Eu nunca fechei as portas para ele. O problema creio que não seja por parte dele, e sim da esposa, que o tirou no meio de uma turnê que fazíamos (Os Mutantes) na Europa, em 2007, e desde lá não nos deixou mais ter contato. Não sei o motivo, foi algo absurdo. Acho que ela, que controla a vida do Arnaldo, se sentiu ameaçada de alguma forma porque ele estava abrindo os olhos. Mas eu quero falar do momento atual…

Então, o que vocês irão apresentar no Morrostock?

Estamos divulgando o nosso single, o Black and Gray, com a parceria da excelente cantora inglesa Carly Bryant, que chamei para tocar conosco. É uma polivalente, toca tudo, é vocal, assim como nós todos. Temos a liberdade para fazer o que quisermos no palco, sempre sai muito improviso, sempre com grande participação da plateia. Por exemplo, temos aqui um setlist, que provavelmente mudará, de acordo com o andar do show.

Dá para resumir o que será tocado no show?

De certa maneira. Vamos lançar o single Black and Gray e também tocar algumas canções antigas dos Mutantes, mas também depende muito da plateia.

Mudando de assunto…. não tem como falar de Mutantes sem isso… E a relação dos Mutantes com os alucinógenos? Continua?

Ah, eu tomei muito ácido na década de 70. Mas é uma coisa individual, nem todos usavam. Não sou um apologista disso. Mas eu acho que precisávamos de um estudo científico sobre essas experiências alucinógenas, não somente com o LSD, que é sintético, mas com alucinógenos como peyote e ayahuasca. Digo isso pela experiência que tive.Deveríamos ter uma abertura maior do mundo científico para conhecer melhor esse universo, de como podemos evoluir, abrir a nossa consciência em busca do conhecimento. Afinal, são experiências ancestrais, no caso do ayahuasca e do peyote, rituais que estão muito além e que por isso deveriam ser objetos de estudos sérios e inteligentes.

Isso vem ao encontro da minha próxima pergunta… e tu não achas que o mundo passa por um processo de “encaretamento” que vai inviabilizar esse tipo de coisa? Quer dizer, o sonho acabou?

É o maldito egoísmo que estamos alimentando há anos e que agora aparece no mundo todo em seres como Trump. Vivemos um tempo sombrio, de aumento das desigualdades, da destruição da natureza, do estupro dos povos… veja Síria, veja Alepo, veja o povo africano… isso não está longe de você. Aí você vem aqui em São Paulo ou no Rio de Janeiro e não pode sair na rua ou quando sai não pode olhar no olho das pessoas, porque você tem medo. Precisa olhar para baixo para não ser a próxima vítima. Não existe mais essa troca de olhares entre as pessoas. Estamos vivendo numa era doente.

A sua visão é catastrófica… tem alguma solução?

Olha, anos atrás dois países, grandes potências, tinham bombas de hidrogênio. Eram a Rússia e os Estados Unidos. Não era bom. Mas hoje mais países têm… Tem a Coreia do Norte, com vários países próximos, países que seriam atingidos caso se largasse uma bomba desse porte… Tem essa bomba e um ditador [Kim Jong-un] que não hesitaria em soltar para se manter no poder.

Mutantes confirmado no Morrostock (foto: Clarissa Lambert)

Os Mutantes de hoje estão mais políticos?

Sim. Se você pegar o single Black and Gray, ele tem uma carga política muito alta.

Se temos um problema, temos que ter uma solução. Tu enxergas?

Uma revolução. Se não tivesse o sangue de uma Revolução Francesa, o mundo seria diferente hoje. Países pagaram sua liberdade com sangue, o Brasil está pagando a liberdade de alguns com sangue do povo. Não é possível que um estado como São Paulo, o segundo maior PIB da América do Sul, somente atrás do PIB do Brasil, com PIB maior que o da Argentina, não consiga dar uma solução para essa violência. Vivemos uma espécie de AI-6, no qual os prisioneiros somos nós. É um método genial de auto repressão. Ao que parece o Poder conseguiu equilibrar bandidos e polícia e deixar o povo no meio disso, escravo. A única solução que vejo, hoje, é a revolução, a revolução armada, mas como se tiraram as armas do povo? Eu não sei como, mas uma hora isso aqui vai explodir, e vai ser feio…

Não acredita mais em vias eleitorais?

Acreditar que vai tudo mudar, em 2018, com urnas eletrônicas e tudo mais, é uma palhaçada.O povo está cego, falta cultura, faltam anos de educação.

O melhor caminho seria uma revolução armada? Isso não parece hippie…

O melhor caminho é o que liberta. O governo precisa representar o povo.

Moras há muitos anos nos Estados Unidos (Sérgio Dias tem cidadania norte-americana e votou pela primeira vez na mais recente eleição, em Hillary Clinton)… aí a situação política não está muito diferente…

Pois é… mas aqui o povo não é cordeirinho, não. Eu não acredito que o Trump vá terminar o mandato. Aqui, pela Constituição, se o povo estiver insatisfeito pode derrubar o governo.

O Trump tem uma aprovação irrisória…. por que continua como presidente?

Gravamos uma música sobre o primeiro ano do governo Trump, está em Black and Gray. Sinceramente, não acredito que Trump vá completar o seu governo, e torço por isso, pois existe uma tensão racial, existe um movimento seríssimo aqui para derrubá-lo.

Para encerrar, o que pensas do atual cenário da música brasileira?

[Pausa] Conheço pouca coisa nova. Estou fora do País há muito tempo. Pelo que consigo acompanhar, porém, comparando com o pessoal que viveu a nossa época, Edu Lobo, Chico, Elis, Gil Caetano, me parece que empobrecemos um tanto. Hoje a molecada não sabe quem eram esses caras…Naquela época existia uma generosidade musical, existia um movimento muito maior, de vontade de mudar e melhorar o mundo.

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