Especial | Em stand by, Psicodália voltará reformulado

Por Diego Rosinha
Fotos: Divulgação e Reprodução Facebook

Depois de 17 anos de edições ininterruptas, geralmente realizadas durante o Carnaval, o Psicodália precisou pisar no freio em 2020 para reformular o evento sem perder a sua essência: de ser um ambiente alternativo à toxidade do circuito comercial dos grandes festivais.

Lançado em 2003 por jovens sonhadores no interior do Paraná, mais especificamente na Lapa, o Psicodália nem de longe imaginava o tamanho que teria hoje, com edições que chegaram a reunir 7 mil participantes. “Era uma estrutura bem pequena e simples. Era em uma área com cerca de 20 mil metros quadrados, com uma cascata, uma piscina natural, um pequeno chalé, alguns banheiros, um estacionamento e uma pequena área para camping”, recorda o sócio e diretor-executivo do festival, Klauss Pereira, ressaltando que tudo era muito “roots”, mas que desde o princípio trazia um clima agradável, de cooperação e camaradagem entre todos os participantes.

Em entrevista exclusiva para o Culturíssima, Pereira abriu o jogo sobre o futuro do evento, o momento político brasileiro, as barreiras impostas por exageros judiciais, entre outros temas.

Klauss Pereira, sócio e diretor-executivo do festival Psicodália

Culturíssima – O Psicodália deu um grande salto quando foi para uma fazenda no município de São Martinho, em Santa Catarina, em meados dos anos 2000. Conte um pouco sobre esse crescimento.
Klauss Pereira – A mudança da Lapa para Santa Catarina foi estratégica. Sabíamos que ao ir para o Estado, estaríamos facilitando o acesso às pessoas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Já tínhamos um bom público do Paraná, que continuou nos acompanhando. Mas com a mudança, cresceu muito o público dos outros dois estados do sul. Dessa forma, demos os dois primeiros grandes passos do festival, de ir para uma região mais central do Sul do país e mudar a data para o Carnaval. Recordo que foi uma decisão que nos deixou apreensivos, mas o resultado veio muito positivo. Desde então (2006), oferecemos essa alternativa para as pessoas curtirem um carnaval fora dos grandes polos turísticos e das grandes massas, com a oferta de um espaço pacífico, respeitoso, em contato com a natureza e com muita arte e cultura. Foi lá que o Psicodália se tornou um refúgio, onde as pessoas iam para esquecer um pouco do mundo insano que vivemos e se reenergizarem para seguirem seu ano e suas vidas acreditando que um mundo mais belo e humano é possível. Na última edição realizada lá, em 2009, tivemos mais de 2.700 pessoas.

Por que a mudança para Rio Negrinho, no norte de Santa Catarina?
Assim como a sede da Lapa ficou pequena, São Martinho também ficou. Chegou um momento que a estrutura não comportava mais o público e as necessidades de produção. Quando mudamos para Rio Negrinho, facilitamos o acesso para pessoas das demais regiões e estados do Brasil, uma vez que o aeroporto de Curitiba fica a menos de 120 km de distância. Foi quando começamos a receber público de todo o Brasil. Isso, juntamente com as atrações, contribuiu muito para o crescimento do festival.

A Fazenda Evaristo, para onde nos mudamos em Rio Negrinho, já tinha uma estrutura muito maior, apesar de ser mais perto da cidade e com menos atrativos naturais. Mas a localização também facilitou muito a logística. Naquela altura já tínhamos público fidelizado em toda a região Sul, mas também sabíamos que precisávamos mostrar que o festival seria ainda melhor. Foi então que conseguimos realizar um sonho da equipe, de trazer Os Mutantes. Eles estavam voltando e ali o público percebeu que queríamos continuar crescendo e melhorando.

Cite alguns momentos mais marcantes do festival ao longo desses quase 20 anos.
São muitos. Mas alguns marcaram um pouco mais, como quando conseguimos trazer de volta aos palcos a Casa das Máquinas, em 2008. Também quando trouxemos os Mutantes, que já citei. Eles vieram com a formação original, após 25 anos sem tocar juntos, executando na íntegra o álbum “Tudo Foi Feito Pelo Sol”. Também trouxemos nomes importantes como Alceu Valença, Zé Ramalho, Tom Zé, Elza Soares, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, entre tantos outros. Além desses, as atrações internacionais, que são motivo de muito orgulho: Ian Anderson, tocando Jethro Tull, e Steppenwolf.

Mas com toda sinceridade, acho que o que está por vir será ainda mais marcante.

Uma das características que sempre chamou a atenção no festival, que frequento desde 2007, é o clima de camaradagem e cooperação. Vocês acreditam que ao longo desses anos conseguiram passar a ideia para o público?
Com toda certeza! Ali é um lugar que procuramos dar o nosso melhor, como profissionais e como seres humanos. Toda a equipe, desde a direção, coordenadores, gerentes, supervisores, staff, artistas, fornecedores, mas principalmente o público. É um local que as pessoas percebem que podem ser, simplesmente, boas. O dia a dia e o formato que o mundo funciona nos distancia das relações humanas verdadeiras, do contato com o próximo. Nos venda e nos coloca em conflito, onde estamos sempre cada um por si. No Psicodália, as pessoas podem se desprender dessas espadas e escudos, podem baixar a guarda. Ali podemos aprimorar nossa empatia, podemos nos conectar com o próximo e entender a necessidade de convivermos em respeitosa harmonia.

O ambiente no Psicodália contrasta – e muito – com o ambiente geral que estamos vivendo no Brasil, em que a violência e a brutalidade ganham força em detrimento da empatia e amor ao próximo. Como vocês enxergam esse movimento?
Sabemos todos que o país e boa parte do mundo vivem um momento extremamente delicado. Construímos uma sociedade desigual, desequilibrada, injusta e que consome os recursos de forma desenfreada, passando por cima do que encontra em seu caminho. Isso na busca de um eterno crescimento econômico e de poder, que todos sabemos ser impraticável.

A nossa história, como humanidade, foi construída sob os alicerces da desigualdade. E as tentativas de romper com isso acabam sendo sempre reprimidas, seja através da força ou de qualquer outra forma de poder sobre o povo. Sempre acreditei que, como seres humanos, temos todo o potencial para sermos bons. Mas somos seres sociais, somos o que aprendemos ser, o que nos ensinam a ser. Logicamente que isso pode ser rompido e seguirmos com nossas próprias convicções. Ao meu ver, os governos e todas as formas de poder entenderam há muito que precisam controlar o foco da população, para que não se virem contra eles. Dessa forma, buscam sempre um grupo ou mais para que a população direcione suas frustrações, sempre colocando o povo contra o povo. Se o povo for empático entre si, terá mais chance de união. E a força que viria dessa união é o grande temor dos poderosos.

O Psicodália, por exemplo, sempre foi um lugar aberto a todos. E vimos muita gente evoluir. As pessoas chegam até nós e nos contam como suas vidas mudaram. Sim, as pessoas mudam! Precisamos ajudar que essa mudança seja para coisas boas, não para o lado do ódio e da intolerância.

O último festival de Rio Negrinho, em março deste ano, teve alguns problemas com a Justiça e a Polícia. Ficou proibido que crianças frequentassem o festival com as suas famílias, o que sempre foi uma característica muito legal do Psicodália, porque já educava os pequenos neste ambiente de cooperação e liberdade. Também aconteceu uma repressão bastante dura por parte da Polícia, que logo no primeiro dia armou uma tenda enorme onde eram revistados participantes do evento, especialmente de excursões. Você acha que, neste ano – especialmente em virtude do momento brasileiro-, houve um endurecimento da repressão a movimentos alternativos?
Não considero que tivemos problemas com a Justiça e a Polícia. Considero que eles foram demasiadamente rígidos e que não havia essa necessidade, devido à nossa idoneidade e histórico. Já fizemos 20 festivais nos últimos 17 anos. Só em Rio Negrinho, foram 10 edições. Nosso público é totalmente pacífico. São pessoas muito boas, educadas, gentis, que gostam de arte, gostam de música, da natureza, de viver em paz, em um lugar com respeito mútuo e gentileza nas relações. Não havia necessidade de tamanha operação. Jamais presenciei ou tive notícia desse tipo de ação em outros eventos. Tanto é que não encontraram armas, nenhuma grande apreensão, irregularidades nos veículos etc.

Sobre a questão dos menores de idade, foi uma decisão da direção de não permitirmos a entrada de menores. Isso por um motivo muito simples: não havia possibilidade de adequar o formato do festival às exigências da portaria baixada no município, que proibia que os menores estivessem em um local em que houvesse consumo de bebidas alcoólicas, o que inviabilizou completamente a operação, pois o festival é todo conectado e aberto, com campings, palcos e bares. Isso – do consumo de álcool – acontece em todo lugar, no país inteiro. No supermercado, na praça da cidade, na conveniência do posto, na padaria da esquina, mas sabíamos que, no nosso caso, isso significaria a não liberação do alvará para a presença de menores de idade. Por isso decidimos, antecipadamente, não permitir a entrada.

Na sua opinião, a portaria é reflexo do nosso atual momento?
As coisas nunca foram fáceis, mas realmente estão um pouco mais difíceis para os movimentos alternativos. Não somente culturais. Até para se implementar a cultura de produção de alimentos orgânicos é extremamente difícil. Até pra tirar veneno da mesa das pessoas existe uma grande dificuldade. Para mim, existe mais julgamento pela forma que vivemos, somos e pensamos, do que pelo que fazemos. E sabemos que fazemos coisas boas para as pessoas, para a sociedade e para o mundo. Não deveríamos ser recriminados por isso. Não faz qualquer sentido.

Quanto pessoas estiveram no último festival e quanto foi a queda em relação a anos anteriores?
Na edição de março deste ano tivemos 4.810 pessoas. Nas duas edições anteriores tivemos nosso maior público, cerca de 7.000. Pelos nossos cálculos, pela proibição da entrada de menores, tivemos uma perda de aproximadamente 600 a 700 pessoas (menores de idade, suas respectivas famílias e amigos agregados).

Qual o motivo da não realização do festival neste ano? Tem relação com o local (Fazenda Evaristo), questões com a Justiça etc?
Decidimos não realizar o festival no próximo Carnaval para aproveitarmos esse momento para nos reorganizarmos. Estamos passando por uma grande mudança, envolvendo desde quadro de sócios até o formato de gestão do festival, projetos futuros etc. Mas sim, o local também conta muito. Tudo que aconteceu nos últimos anos e está acontecendo no país deve ser levado em consideração. O município sempre nos recebeu muito bem. As pessoas, o comércio, os prestadores de serviço, os donos e equipe da fazenda, a prefeitura e demais instituições públicas. Mas ao refletirmos sobre tudo que vem acontecendo, entendemos a necessidade de evoluir nossa gestão e dar um passo à frente. E para podermos melhorar ainda mais o festival, pensar nos projetos futuros, achar uma nova sede, etc, não havia tempo hábil para realização no Carnaval de 2020.

Existe a possibilidade de realização de um festival ainda em 2020?
Existe a possibilidade de fazermos algo em 2020. Mas não podemos prometer nada nesse momento. Estamos pensando algumas formas de fazer realizações produtivas em 2020, porém não creio que seria o formato tradicional dos nossos festivais. Estamos trabalhando para fazer o próximo festival o mais rápido possível. Mas podem ter certeza que o Psicodália está a todo vapor, com planos lindos e com surpresas maravilhosas. Vamos fazer valer cada dia de espera do público.

Como seria esse novo formato do festival?
Não posso falar muito para não estragar a surpresa (risos). Mas uma mudança grande que faremos é no formato de gestão, na relação de fluxo de trabalho entre direção, coordenações, gerentes etc. Queremos uma participação mais inclusiva e participativa da equipe. São pessoas incríveis, grandes profissionais e que, com toda certeza, podem contribuir ainda mais para que o Psicodália seja cada vez melhor. Seguiremos com o nome Psicodália e com a realização durante o Carnaval. Porém, poderão surgir novos projetos, com outros formatos e outros nomes.

Tem alguma pista da nova sede?
Sobre a nova sede, a troca ou não de Estado não é uma pré-definição. Tudo depende dos locais que tenham possibilidade de atender o público e as necessidades de produção, assim como nossa busca por locais de grande beleza natural e todos os demais fatores que são essenciais para manter a energia do Psicodália. Se conseguirmos mais de um local, então escolheremos o que tiver mais pontos positivos, independente do Estado. Mas claro que a localização é um fator de extrema importância, inclusive para viabilizar o acesso de pessoas de todos os lugares.

Tenho certeza que o público não vai se arrepender por esperar!

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