Humberto Gessinger: “Acho que cheguei onde deveria estar há muito tempo”

Foto: Felipe Garchet

Foto: Felipe Garchet

Luiz Paulo Teló

Em postagem recente em seu blog, Humberto Gessinger comentou ter recebido inúmeros pedidos de entrevistas para os mais diversos fins. Nestas últimas semanas, uma dessas foi a nossa. Devidamente atendida, em meio a turnê nacional do DVD inSULar. “Se quiser mandar as perguntas por e-mail, vou respondendo na estrada e a gente vai conversando”, respondeu, algumas horas antes de um show em Goiânia. Trocamos mensagens por cerca de duas semanas.

O ex – mas também sempre -Engenheiros do Hawaii e Pouca Vogal está em carreira solo. Foi em 2013 que lançou o disco inSULar e, no ano seguinte, o registro ao vivo desse trabalho, gravado em Belo Horizonte, com participações especialíssimas como as de Bebeto Alves e Luis Carlos Borges. Mesmo sem nunca ter exatamente se perdido na carreira, Gessinger parece ter se encontrado. “Não sei se ainda faz sentido me esconder sob outros nomes que não o meu. Com 50 anos, aquela ética/estética de banda, falange, grupo, gang… faz cada vez menos sentido formalmente”, revelou.

Culturíssima: Esteve recentemente em Goiânia. Depois de tanto tempo de carreira, no sentido de ter mais ou menos público, algum lugar ainda te surpreende?

Humberto Gessinger: Acho bacana que, em alguns lugares, tenho mais público hoje do que nos anos em que o tipo de música que faço era a bola da vez. Na real, não me surpreende, nem deve surpreender quem acompanha de perto minha trajetória pois nunca me encaixei 100% em nenhuma onda; o que a curto prazo pode ser ruim, mas, se a corrida que se quer é uma maratona e não 100m, é bom.

Culturíssima: Tu acha que hoje ainda tem essa coisa de ter um estilo de música que é a “bola da vez”?

Gessinger: Talvez nos canais mainstream… mas é cada vez menos relevante num mundo mais diverso que vivemos.

Culturíssima: O que tem de diferente e o que tem de similaridade na experiência de estar na estrada com 20 e com 50 anos?

Humberto Gessinger: Com 50 a gente sabe dimensionar melhor o que está acontecendo. Isso pode ser bom, mas esconde o risco de perdermos o coração de amador. Aquela sensação de estar começando tem que ser renovada e mantida sempre, pois é mesmo como a coisa funciona. O resto é ilusão.

Culturíssima: Tu é um cara que está sempre compondo e nunca deixou de gravar coisas novas. Como tu gosta de montar os setlists dos shows?

Gessinger: Na tour inSULar, o que me guia é mostrar um painel mais abrangente possível da minha música, com canções de todos os períodos, mostrar todas as facetas, independente de terem sido sucesso ou de serem desconhecidas. E claro, soar bem é fundamental.

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Culturíssima: Em uma entrevista para a Rolling Stone, em 2009, tu diz a seguinte frase: “conseguiram vender pra todo mundo uma ideia absurda de que música pode ser de graça, mas ninguém fala isso em relação a livro ou ao Big Mac”. Seis anos depois, como tu entende e como funciona pra tua carreira o mercado fonográfico?

Gessinger: Cara, nunca refleti seriamente sobre isso. Talvez devesse, mas não tenho talento pra sociologia e economia. Minha música já teve como suporte K7, LP, CD, cabos de fibra ótica, etc… mas o que me interessa mesmo é o que permanece, a música em si. E ela tem se saído bem nesses tempos cambiantes.

Culturíssima: A trajetória do Engenheiros sempre foi marcada pela tua autoralidade. No Pouca Vogal, da mesma forma, com as tuas composições. Por que um disco solo, do Humberto Gessinger, apenas em 2013?

Gessinger: Quando comecei a trabalhar nas canções que fariam parte do inSULar, não sabia muito bem sob que formato elas seriam gravadas. Não passava pela minha cabeça colocar meu nome à frente. À medida que o projeto evoluia, comeci a sacar que cada canção pedia um ambiente diferente, uma formação específica. Foi por isso, por não haver uma banda fixa me acompanhando em todo o disco, que resolvi lançar como disco solo. Ironicamente, duas formaçòes dos EngHaw participam de duas faixas. Meio que sem querer, acho que cheguei onde deveria estar há muito tempo.

Culturíssima: Qual a banda que está te acompanhando nessa turnê e qual a participação deles no desenvolvimento criativo do trabalho?

Gessinger: Rafael Bisogno, na bateria, é um cara que vem da cena regional. Desde o início eu pensei num batera que, além de pegar pesado quando necessário, tivesse a manha dos ritmos regionais. Rodrigo Tavares, além de grande guitarrista, é um cara muito familiarizado com meu trabalho, o que facilita muito. Também fiz shows com Fernando Aranha e Luciano Granja nas guitarras (eles tocaram comigo em duas fases dos EngHaw e participaram do disco) e Fernando Peters.

Culturíssima: Como aconteceu a tua aproximação com o Tavares e o que tu pode dizer sobre esse artista?

Gessinger: Ele me convidou para participar de um lance, ainda quando estava na Fresno, que não pude fazer… mas foi o início de um papo que resultou numa parceria (a música Tchau Radar). Além de músico talentoso e versátil, o Tavares é de uma geração interessante, que faz a ponte entre o som analógico e digital. É uma geração pequena, pois a transição foi muito rápida, mas muito interessante.

Culturíssima: A impressão que fica é que essa geração mais nova tem uma facilidade maior de se desprender dos gêneros do que tinha o pessoal que começou a fazer rock nos anos 80. Tu concorda?

Gessinger: A música não ocupa tanto espaço nos corações e mentes dessas novas gerações. Este espaço hoje é divido por vários elementos de entretenimento, informação e tecnologia que não existiam tempos atrás. Não dá pra dizer que seja melhor ou pior. Qual a distância certa de ver um quadro? Depende. Cada uma revela algo.

Culturíssima: Tu já tem ideia de como vai ser o teu próximo trabalho? Talvez voltar a ter uma banda fixa, provavelmente seguir a carreira nominalmente solo ou promover alguma parceria como foi o Pouca Vogal?

Gessinger: Futuro imediato: inSULar. Não sei se ainda faz sentido me esconder sob outros nomes que não o meu. Com 50 anos, aquela ética/estética de banda, falange, grupo, gang… faz cada vez menos sentido formalmente. Mas o som, independente da grife, será sempre muito baseado na composição e na relação entre os músicos. É o que faz a beleza de um trio, formato no qual construi a maior parte da minha carreira.

Culturíssima: Onde tu te sente mais à vontade: ao vivo, gravando ou compondo?

Gessinger: O que mais gosto de fazer é compor e traduzir as ideias em arranjos. Mas, surpreendentemente, cada vez fico mais convicto de que fiz minha história nos palcos. Digo surpreendentemente porque sempre fui muito tímido… até pra dizer “presente” na chamada da aula eu sofria.

Culturíssima: Você se considera saudosista ou nostálgico? Alguns hábitos do mundo globalizado te incomodam?

Gessinger: Não sou saudosista. Nunca gostei tanto quanto agora de estar na estrada fazendo música. Mas gosto de preservar a memória de cada passo, de cada curva.

Culturíssima: E essa memória a que te refere, é necessariamente digital? Do tipo: consegue achar aquela foto, daquele show foda em 2012, no mês ‘tal’, na cidade ‘tal’…

Gessinger: Interessante… nunca fui um voyeur de mim mesmo. Na época do VHS, nunca gravei os programas de TV dos quais participava. Toquei em Moscou, LA, Montevideo, Buenos Aires, Nagoya… e não fiz nenhuma foto. Sempre tive um viés iconoclasta. Mas, com o tempo, fui recolhendo material. Hoje é importante para mim. Costumo postar fotos de outras passagens pela cidade onde toco, é uma maneira de não cair no automatismo, risco que qualquer artista que viaja muito corre. Sempre é bom manter em mente que cada show, cada cidade é úncia, que há uma história me ligando a ela.

Culturíssima:: Teus próximos shows são em Pará de Minas, Uberlândia e Vitória da Conquista. As capitais já estão mais próximas de cidades como estas? E hoje em dia, com teu olhar sensível de artista, em que contexto você enxerga Porto Alegre?

Gessinger: A noção de centro geográfico é cada vez menos relevante. Porto Alegre tem singularidades devido à maneira centralizada como a informação circula por aqui. Mas estes muros me parecem também estar caindo.

Cultuíssima: Você já gravou algumas músicas com a Clara, tua filha. Como pode descrever essa experiência como pai? Ela tem vontade de seguir carreira artística e isso foi, em algum momento, uma vontade sua?

Gessinger: Ela nunca teve vontade de seguir carreira, foram participações episódicas e muito pessoais. Eu tentei não influenciar nem para o sim nem para o não. Sei que cada caminho tem suas particularidades, seus sacrifícios e suas recompensas, a escolha deve ser de cada um.

Culturíssima: Embora tenha aumentado o fluxo de informação e produção de conteúdo, parece que a crítica musical perdeu bastante força. Se sentia incomodado com algumas coisas que eram publicadas sobre o teu trabalho nos anos 80 e 90? Como você acha que a crítica especializada absorve o teu trabalho atualmente?

Gessinger: É, hoje em dia a opinião superficial foi democratizada, todo mundo pode dar pitaco nas redes sociais. Mas o trabalho inteligente e profissional de quem une pontos, enxerga conexões sempre é importante. Nunca me importei com o que falavam sobre meu trabalho, nem senti necessidade de dialogar. Já tenho espaço suficiente nas minhas músicas para me expressar.

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6 Comments

  1. Um mito! Quanta lucidez…

    HG é o cara!

  2. Caralho, que cara inteligente e consciente das coisas ao seu redor. Não tem para ninguém: além de ser um poeta e ter uma baita de uma voz, é o maior músico do Brasil! #LendaVivaDoRockBrasileiro

  3. Que entrevista legal!
    Humberto é fantástico, vive o que canta.
    Cara muito iterado e ciente do seu papel como musico.
    Suas opiniões sempre são bem alicerçadas em argumentos coerentes com as perguntas.

    • Poxa Taize, tenho acompanhado seu blog, e vocea rmlneeate se tornou um exemplo para mim. Eu sempre fui aficionada pela literatura, mas depois que li sobre vocea e seu blog na veja, coloquei como meta ler uns 8 livros por meas tambe9m, e sf3 nesse faltimo meas li 10. Acho o me1ximo suas resenhas, se todos se mirassem nesse belo exemplo que vocea nos de1, certamente o Brasil seria um pais diferente. Ne3o obstante, vocea ne3o e9 apenas muito inteligente, e9 tambe9m muito linda!Quanto o livro, sou uma grande fe3 de Engenheiros do Hawaii e o lerei em breve, e a sua resenha foi muito bem redigida, assim como todas as outras que levam a sua assinatura.

  4. Gosto dele, da banda e, das bandas nacionais.. mas, é difícil ficar ouvindo sempre a mesma musica em versões diferentes. Bandas como u2, roling stones.. emplacam uma musica nova a cada ano.

    Qual segredo? Pq as bandas daqui não inovam? Será que a geração morreu com renato russo?

  5. Tá aí um dos grandes piadistas da música brasileira. Embora ele não se dê conta disso.

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