Morrostock contra o “cordão da idade média”

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Morrostock completou 10 anos (foto: Vitoria Proença)

Por Diego Rosinha

Se vivemos tempos tenebrosos, eles ficaram de fora do Balneário Ouro Verde, em Santa Maria/RS, durante os três dias do festival Morrostock – 2, 3 e 4 de dezembro. Teve oficina, teve show, teve manifesto anti-consumista, teve – MUITO – Fora Temer, críticas que transcenderam o sistema político-econômico e foram parar nos sistemas de dominação cultural. Teve recado de Jesus, que saiu da cruz para se juntar a urbe de rebeldes cheios de amor à subversão. Se o mundo fosse o Balneário Ouro Verde, estaríamos salvos! Completando 10 anos, o Morrostock consolidou-se como uma utopia possível nesses dias. Com uma lineup cheia de bandas locais, nacionais e gringas, o festival entrou para a história da contracultura nacional. Ao todo, foram mais de quarenta atrações musicais, oficinas variadas e muita – muita! – paz e amor.

O primeiro dia começou com Guatanamo Groove, que botou o povo pra mexer. O pessoal ainda montava as barracas, quando a malemolência do bem entrou em campo, tremendo barracas e viventes. A segunda atração ficou por conta do lendário roqueiro Pylla, que há mais de 30 anos toca o seu rock pesado nesses pagos e até fora dele. Lembrando clássicos do heavy metal mundial, Pylla tocou muita música autoral de qualidade, colocando a galera pra dançar. O momento mais emocionante, certamente, foi quando o “véinho” – como ele mesmo se diz – dedicou a balada Saudade para os mortos na tragédia de Medellin, que ceifou vidas e sonhos de mais de 70 pessoas entre jovens jogadores da Chapecoense, jornalistas e tripulantes da aeronave.

Na sequência, um dos momentos mais esperados – pelo menos pra mim, um roqueiro saudosista – com a banda Bixo da Seda. Precursores do rock gaúcho nos anos 60, a banda tocou seus clássicos e explodiu o Balneário com muito rock ´n roll. “A maioria de vocês nem haviam nascido quando estávamos na estrada, mas espero que vocês gostem”, disse Mimi Lessa. E as crianças gostaram, se esbaldaram e provavelmente encarnaram o espírito do verdadeiro e único rock ´n roll, sem firulas, apenas com acordes fortes, energia e letras que são como pauladas no status quo.

A epopeia, a cruzada contra a debilidade da civilização, seguiu com a pancadaria dos Replicantes. A primeira banda de punk rock gaúcha, apesar de desfigurada da sua formação original – com Wander Wilnder, que tocaria solo no último dia de festival, e Carlos Gerbase – meteu a galera para poguear. Eram punks e hippies unidos pela energia exalada dos acordes toscos dos irmãos Cláudio e Heron Heinz.

O final do terceiro dia ainda fez barulho com o rock da Identidade, com a Pata de Elefante e o seu instrumental de excelência, com a melancolia em acordes do Julio Reny, e por fim com a paulada roqueira dos Cartolas.

Arrebentando o “cordão”

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Bloco da Laje no palco do Morrostock (foto: Vitoria Proença)

O segundo dia trouxe surpresas, pelo menos pra mim. Depois de uma noite de rock ´n roll de todas as vertentes, a programação iniciaria com o bloco de Carnaval Bloco da Laje. Confesso que o meu preconceito – um homem deve admitir seus preconceitos e ponto – não deixou que me animasse muito. O dia iniciara chuvoso, com muito vento, lonas voando, aquela coisa caótica dos acampamentos… Pois bem, o Bloco era uma trupe amontoada no palco. “A organização deve ter gastado uma grana pra alimentar e dar pouso pra toda essa gente”, disse um transeunte. Parecia uma centena de integrantes– ok, um pequeno exagero de licença poética. Fiquei sabendo, em uma entrevista exclusiva – que será publicada em breve, aqui no site – que eram 28 integrantes, loucos integrantes. Com uma bateria porrada e letras bem humoradas e ao mesmo tempo extremamente ácidas, especialmente contra a homofobia, a trupe afrontou a ideia dos “bons costumes” com maestria. Em meio aos “Fora Temer” que eram ouvidos, inclusive na banda, o ponto alto da apresentação foi a presença de Jesus Cristo. Ele queria dançar, juntar-se aos pagãos, mas avisou: “Não poderei, pois além de estar morto, eu tô pregadão”. Foi a deixa para iniciar o hino – que eu não conhecia, mas virou um Hino para ser tocado em festas de final de ano em substituição àquela musiquinha da Simone: “Eu to pregadão”. O povo, percebendo a simpatia do “mandatário” universal ajudou. O que se viu depois foi uma descrucificação, com Jesus assumindo seu lado gay e o seu lado mulher, com direito à striptease e pegação – beijos gays que deixariam a corja reaça em polvorosa.

Bloco da Laje é um respiro na música brasileira! Unindo artes cênicas, samba de raiz, funk e rock, a banda traz críticas que vão além do discurso e transparecem no palco, para o horror dos defensores dos “bons costumes”.

Ah, importante dizer, como uma banda que nasceu nas ruas de Porto Alegre/RS, eles têm uma ligação muito forte com o público – o que, por vezes, os deixou desconfortáveis com a hierarquia representada pela altura do palco, fazendo-os descer a todo tempo para interagir com a urbe em polvorosa – e promovem Ensaio Aberto todos os domingos, às 10 horas, no Parque da Redenção, na capital gaúcha. Para o deleite dos verdadeiros revolucionários e para o desgosto dos defensores da moral e da família tradicional brasileira. Evoé, Bloco da Laje!

Após a apresentação do furacão da Laje, ficaria complicado manter o ritmo frenético. A apresentação seguida, após uma troca de ordem, foi de Rayssa Fayet, que com uma música mais tranquila, com levadas de Bossa Nova, colocou a galera para refletir com temas importantes, entre eles o – sempre presente – “Fora Temer”, o feminismo – que deve ser verdadeiro e não apenas pregado, afinal “feministas de verdade têm que ajudar a mãe a lavar a louça” – e até o vegetarianismo, com a música que fazia o trocadilho com uma famosa marca de carnes – a FriBoi. Linda, com uma voz melodiosa, Rayssa deixou a sua marca na décima edição do Morrostock.

O segundo dia ainda foi longe, com as clássicas da Bandinha Di Da Dó, do organizador do evento Paulo Zé, que une teatro, crítica social, músicas de circo e rock, presente desde a primeira edição do Morrostock, Orquestra Friorenta e suas críticas ao Machismo Nosso de Cada Dia, Trombone de Frutas, Ava Rocha, Apanhador Só, Liniker, e os gringos da Cuatro Pesos de Propina (Uruguai), Proyecto Gomez Casa (Argentina) e Sonido Satanas (México).

Desmontando acampamento

No domingo, dia que antecederia o fim da utopia de três dias ao ar livre de paz e música, os shows terminaram mais cedo. O dia trouxe a banda Catavento e seu sentimento de espalhar amor aos quatro cantos, os Skrotes com o seu som de estilo indecifrável, o mítico punk brega Wander Wildner, os Boogarins e os gringos da Inmigrantes (Argentina).

O próximo

Para o ano que vem, a data e o local ainda estão indefinidos, pois tudo depende de captação de verbas. Segundo a assessora de imprensa do festival, Bebe Baumgarten, a possibilidade maior é de que o festival ocorra no mesmo lugar, em Santa Maria, entre os meses de outubro e dezembro de 2017.

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