True Detective retorna com mais personagens e menos inovações

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Colin Farrell vive um detetive disfuncional de métodos nada ortodoxos.

Stefano Pfitscher

“O tempo é um círculo plano”, dizia um dos protagonistas da primeira temporada de True Detective (2014), Rusty Cohle, em uma de muitas teorizações filosóficas sobre a insignificância da vida e a reciprocidade do universo.

Se isso é verdade, então não existe ninguém melhor para comprovar essa teoria do que o criador e único roteirista da série, Nic Pizzolatto, pois, desde o encerramento do primeiro ano do drama da HBO, o tempo tem sido seu maior inimigo. E isto nunca ficou tão claro quanto no domingo à noite , durante a estréia mundial da segunda temporada da série.

Na verdade, todo o histórico de produção de True Detective é envolto em decisões atípicas e ambiciosas, com resultados variando em qualidade. A idéia de ter apenas um roteirista sendo responsável pelo texto de todos os oito episódios da série, deu a Pizzolatto um poder e uma liberdade sem precedentes para um show desse tamanho. Para completar, o mesmo método foi utilizado na direção da série, com o cineasta Cary Joji Fukunaga tomando as rédeas de toda a temporada, o que garantiu um visual único e genial. Além de um espetacular plano sequência que nos fez pular da cadeira.

Após seu sucesso, esse formato abriu portas para um novo fronte de cineastas autorais deixarem o cinema de lado em favor de uma televisão em que podem ter completo controle criativo. De peixes pequenos, como a dupla indie Mark e Jay Duplass, a diretores de prestígio familiarizados com o meio, como David Lynch, a até monstros sagrados do cinema, como Woody Allen, devem à aposta de Pizzolatto o momentum que os permitiu trabalhar assim na TV. Claro, a idéia de ter apenas uma pessoa assinando a maior parte dos roteiros e da direção não é completamente original, já tendo sido usada nas comédias de Rocky Gervais e em Girls, da própria HBO – mas no drama ainda é considerado uma novidade.

Para completar a inusitada mistura, o autor conseguiu uma dupla de protagonistas de dar inveja à Hollywood. É fato que, dada a crescente qualidade das produções de televisão, um número cada vez maior de nomes conhecidos do cinema tem migrado para as telinhas em busca de bons papéis, prêmios e estabilidade. Mas Woody Harrelson, estrela de uma das maiores franquias da atualidade, a saga Jogos Vorazes, e Matthew McConaughey, que enquanto a série era exibida na televisão americana estava ganhando um Oscar por seu papel em Clube de Compras Dallas (2013), não são só dois atores indo para a TV a fim de se reinventar. São dois dos atores mais requisitados da atualidade dizendo “não” para algum blockbuster para passar algumas semanas fazendo uma série no interior da Louisiana.

E isto tudo ainda é pouco perto do impacto cultural que True Detective teve quando foi ao ar. Com sua exótica retratação da perseguição de um serial killer ao longo de vinte anos, incluindo referências religiosas e os famosos monólogos de Rusty Cohle, a série foi vítima de abundantes especulações por parte dos fãs, que viam nestas excentricidades, pistas para a resolução do mistério. No final, a solução desinspirada e nada interpretativa acabou decepcionando alguns fãs, que talvez vissem na série mais do que ela mesma tinha a dar.

Uma crítica puxa a outra e, nesse meio tempo, Pizzolatto também teve de se defender de acusações que a série – na contramão da indústria do entretenimento atual – deu pouco espaço para personagens femininas. Dado seu formato antológico – com temporadas fechadas sem continuidade de histórias e personagens – muito se especulou, baseado em rumores vindos da própria emissora, que a nova temporada seria protagonizada por duas mulheres. No fim, o roteirista se disse incapaz de escrever a série dessa maneira e acabou adiando a estréia do segundo ano a fim de realocar os personagens masculinos na trama.

Durante o tempo em que True Detective ficou fora do ar, não se falou em outra coisa em Hollywood senão quem seriam os substitutos de McConaughey e Harrelson. Ainda quando se cogitava uma protagonista feminina, os nomes de Jessica Chastain (A Hora Mais Escura) e Elizabeth Moss (Mad Men) foram cotados, assim como de uma dezena de estrelas que pareciam mesmo bons demais para ser verdade. No fim, a série que ficou conhecida por mudar a maneira como atores de cinema trabalham na televisão acabou se contentando com um insosso quarteto formado por Colin Farrell (Alexandre), Rachel McAdams (Meninas Malvadas), Taylor Kitsch (John Carter) e Vince Vaughn (Com a Bola Toda).

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Para completar a tendência de não seguir suas próprias regras, o formato de um só diretor acabou também sendo comprometido. Após as gravações da primeira temporada, Pizzolatto e Fukunaga se desentenderam e isto levou ele e a HBO a abrir as pernas para Justin Lin (da franquia Velozes e Furiosos) que, dado seu cronograma em Hollywood, só conseguiu assinar os dois primeiros episódios.

O resultado é uma grande bagunça. A trama mostra a jornada pessoal de Ray (Farrell), um detetive disfuncional de métodos nada ortodoxos, Ani (McAdams) uma detetive durona com problemas familiares e Paul (Kitsch), um policial com um passado misterioso, enquanto eles se reúnem para resolver o assassinato de um figurão local.

O roteiro, como era de se imaginar, tenta impor Farrell como um complexo anti-herói, derrotado por seus traumas e com seu próprio código de conduta. E nem dá pra culpar Pizzolatto por tentar replicar o sucesso de Rusty Cohle, mas se existe uma verdade universal é que Colin Farrell não é metade do que Matthew McConaughey é – mesmo suas versões passadas, presentes e futuras.

Do elenco principal, a que mais se salva é Rachel McAdams, que consegue sutilizar os conflitos sexuais e familiares de sua bronca personagem. Porém, a verdade é que, não importa o quão bem acabemos por descobrir a atriz até o fim da temporada, ela ainda estará refém de uma personagem incluída no elenco para satisfazer uma demanda popular.

E nada contra a direção de Justin Lin, que segue de perto a cartilha de Fukunaga usando planos aéreos para mostrar interseções rodoviárias da Califórnia formando uma veia pulsante do distrito industrial. Em outros momentos, ele intercala um encontro entre Ray e Frank (Vaughn) com uma davidlynchiana performance da cantora Lera Lynn, evocando o piloto do mais conhecido dos dramas de mistério, Twin Peaks. Ainda assim, a falta de coesão causada pela retratação dos diferentes núcleos de personagens acabam causando mais disparidade visual do que as idas e vindas no tempo da primeira temporada. E saber que, em duas semanas, Lin será substituído por um documentarista dinamarquês também não ajuda a causa da série.

E esse é a principal fonte de problemas desta temporada, ou pelo menos de seu primeiro episódio, “The Western Book of the Dead” – o quão evidente ela deixa que, qualquer êxito obtido no primeiro ano, foi através de talentos que já não fazem mais parte da série.

No fim, fica claro que a principal pilastra de True Detective, o texto de Nic Pizzolatto, com suas divagações sobre o tempo e a condição humana, é menos dimensional que um círculo plano.

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2 Comments

  1. Eu gosto muito. True Detective é a melhor série do momento, eu adoro assistir R. McAdams como um detetive.

  2. Agora eu quero chegar junho para ver True Detective 2 com Vince Vaughn o trailer tem me tão intrigado e querendo mais

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