Lucas Hanke*
A primeira vez que ouvi o nome Flávio Basso, eu era uma criança entrando na adolescência. Morava em Lagoa Vermelha, no Bairro Oliveira e estava descobrindo a música e o rock ao lado dos amigos: Evandro Bitt , Doce Solano, Fabio Solano, Paulo Fish, Eduardo Dolzan, Dametto e outros comparsas. No LP, um disco de vinil sem capa e encarte com apenas os nomes das músicas e autores: Cachorro Louco (Charles Master & Flávio Basso). Escutávamos sem parar aquelas canções construindo baterias de latas e guitarras de cordas de anzol para imitar aqueles acordes. O tempo passou, montamos uma banda (com o nome de uma das canções ), construímos um estilo e sonoridade nossas, mas aquelas referências até hoje invadem nossos sonhos.
– “Quando a lua cai no telhado”.
Quando largamos tudo em 2002 e viemos morar na capital pra viver o sonho do rock, tudo o que mais queríamos era encontrar aqueles caras que fizeram nossa cabeça. Aos poucos fomos conhecendo todas aquelas feras (em especial Arcari, Petracco e Tchê) e criando laços de amizades reais. Estávamos vivendo um momento mágico e único. Cinco garotos do interior dividindo palco e histórias com nossos ídolos. Faltava conhecer pessoalmente somente aquele man que assinava músicas em duas bandas fenomenais e que usava um nome um tanto esquisito quanto genial.
– “Lá no parque da Redenção vamos passear”.
Lá por 2005, passávamos por um período efervescente. Bandas e mais bandas circulando e uma cena rock reformulada e renovada. Fomos convidados pelo Gabriel Boizinho (Cachorro Grande), para morar na Funhouse e cuidar das festas e do velho casarão. Certa noite ele nos avisa que um novo morador estava chegando. Era ninguém menos que ele. O cara que tanto queríamos conhecer. Passamos uma noite mágica bebendo e ouvindo suas histórias. O tempo dele na Fun foi curto. Flávio queria paz e nós estavámos a mil, assim como aquela casa. A festa nunca acabava naqueles tempos.
– “Uooooou, existe um casalzinho pegando fogo”.
Em 2005 viajei a Goiania com meu amor Mari Martinez para o Festival Bananada, onde uma das atrações era o Jupiter. Lá trocamos uma ideia e falei que poderia montar uma Tour pra ele no Sul. Uma semana depois recebi um telefonema a cobrar de SP. – Pode montar aquela Tour? Tem que ser pra semana que vem e será somente uma semana, depois volto a SP. Ok, man! Em dois dias agendei 4 shows, ensaios e remontamos o grupo: Jupiter (Voz/Guitarra), Thalita Freitas (Percussão/Vocal), Ray-Z (guitarra), Eduardo Dolzan (Bateria), Astronauta Pinguim (teclado) e eu no baixo e produção. A partir deste momento um novo universo artístico se abriu para mim, misturando timbres, cores, formas, Folk, Rock, Tropicália, Beatles, Stones, Bob Dylan, Iggy Pop e Bossa Nova!
-“Senti meu corpo derretendo”.
Entre o período de 2005 a 2009 excursionamos por todo o Brasil. Shows, entrevistas, programas de rádio e TV, historias loucas, engraçadas, tristes, novas músicas, velhas músicas, tragos e cigarros. Criamos uma grande amizade, passamos natal juntos, lançamos Uma Tarde na Fruteira, gravamos o álbum Bittere um DVD que pegou fogo. Muitas outras coisas, muitas vidas em uma só! Histórias e acontecimentos únicos que somente o brilho de Flávio conseguia proporcionar. Ao seu lado compreendi e senti a arte em todos os lugares. Como um vulcão em erupção, estava sempre despejando milhões de músicas, estéticas e frases únicas. Mutante inquieto, pescando tendências antes de serem tendências. Sabia de cor e salteado a história do rock e conseguia juntar todas em seu mundo, nos mandando de volta de alguma forma linda e totalmente sua!
– “Segue agora um mosaico de imagens mil”
Nos afastamos em 2010 e nos reencontramos em 2014. Lembro de quando o busquei no aeroporto: barba ruiva, chapéu e jaqueta de couro. Nos abraçamos e ele me disse: Hanke, que bom te ver, tô pronto pra trabalhar! Era um domingo e os astros criaram uma nova história. Fomos jogar uma pelada com o ex-governador Olívio Dutra. Flávio gostava de futebol e do Inter. Comentava sempre que jogava como Falcão, sempre lançando e deixando o atacante na cara do gol. Nesta partida fez as honras de ir pro gol pra um penal batido por Olívio. Olhei aquela cena, aqueles dois caras lendários e sorri: Flávio é foda mesmo! Este ultimo momento que passamos juntos, realizamos grandes shows. Como ele dizia 80% bons, 20% mais ou menos. Gravamos novas músicas e demos boas risadas. Um momento especial foi o projeto acústico realizado no Teatro Bruno Kiefer no verão de 2015. Duas noites lotadas de jovens que nunca tinham visto ele de perto. Naquele momento ele estava renovado, 100%. Tocando e cantando como nunca. Apenas ele, o violão e seus fãs, se entregando totalmente para o público de corpo e alma! É assim que quero me lembrar dele.
– “Mercando emoções de um carinha raro projetando coisas”
Obrigado Flávio, por toda sua obra que vai além da música. Pelos momentos que passamos juntos e todas as portas que tu abriste. Pela oportunidade de compormos juntos, pelos amigos que conheci através de ti, como Thunder Bird, Ériko Prado e tua querida mãe Iara. Obrigado pelos músicos fantásticos que tive a honra de tocar o teu repertório: Ray-Z, Thalita, Dolzan, Astronauta, Mauricio Chaise, Julio Sasquatt, Gabriel Guedes, Leo Boff, Bibiana Moreno, Julio Cascaes, Malasia, Luciano Leães, Lucio Vassarath, Gustavo Telles, entre tantos colegas. Obrigado principalmente pela tua amizade e carinho. Obrigado Flávio, tua presença neste plano foi inspiração para toda uma geração. Fique em paz ao lado dos melhores, pois tu é um deles. Tu é o man.
– “O milênio passaria, e a marchinha seguiria sendo cult, underground, mas até 2020 seria revisitada e virar hit nacional”.
Bye bye amigo! Sentiremos saudades!
*Lucas Hanke é guitarrista da banda Identidade
Cara, que bom ler esse texto! Te conto duas experiências que vivi em relação à banda em 2015.
Há anos que eu e minha companheira desejávamos assistir uma apresentação do Júpiter, mas nunca fechava. Em 2014, meio que na sorte, compramos passaportes para o Psicodália-2015 e pouco tempo depois, foi anunciada a presença de vocês. Ficamos muito contentes. No meio de tantos gênios, como o Jards Macalé que tocou na mesma noite, ou o Ian Anderson, ou a quantidade incrível de gente afudê que tocou, o Júpiter Apple, ou Maçã, foi a banda que mais nos enlouqueceu, juntamente com a emocionante presença do Arnaldo Baptista. Foi um momento realmente mágico vẽ-los no palco!
Voltamos pra Pelotas felizes por tudo isso!
Quando vimos o show marcado para o bar João Gilberto, não pensamos duas vezes: decidimos ir. Não preciso falar dos detalhes da apreensão que estávamos pelo adiamento. Enfim, no dia, lembro de chegarmos cedinho e o gerente ter nos dado o privilégio de entrar mesmo antes de o bar abrir e a banda estava quase toda reunida ao lado do palco, papeando. A gente entrou e cumprimentou vocês, mas com uma interrogação nas nossas cabeças: por que o Flávio não estava? Pensamos que seria estratégico, ou que ele estivesse dentro do bar, se preparando de maneira mais intimista. Depois que o tempo passou, abriram as portas, o público entrou e o show foi anunciado, quando o Flávio subiu ao palco e começou a cantar, percebemos que não era o mesmo do Psicodália. Tivemos um misto de alegria e preocupação. Curtimos o som e tudo, mas percebemos que a coisa não estava bem em alguns momentos, como o final abrupto.
Ou seja, em 2015, é provável que tenhamos visto a mais emocionante e a mais preocupante apresentação do Flávio nos últimos tempos.
Prefiro ficar com toda a primeira apresentação que assistimos e com o que de melhor ocorreu na segunda.
Passado um tempo, soubemos da passagem do man. Só tivemos coragem de ler algo a respeito bem depois. Foi quando chegamos ao teu texto. E que bom termos lido algo de alguém que participou da construção de tudo. Dá uma sensação de que há continuação. Os amigos vivem em outros, meu caro!
Grande abraço!!!