Um papo de canto, na moral e sossegado com Tonho Crocco

tonho crocco_Fotos de Jeff Carnelutti

(foto: Jeff Carnelutti)

Luiz Paulo Teló

No dia 5 de abril, Tonho Crocco participou do Sarau dos Artistas, que acontece sempre no Café Santo de Casa, no último andar da Casa de Cultura Mário Quinta, com vista privilegiada para o pôr-do-sol no Guaíba, no centro de Porto Alegre. Antes do evento, porém, o músico bateu um papo conosco, enquanto escolhia uma das boas cervejas da casa.

O ultramano Tronho Crocco é um apreciador, um cara que entende de cerveja, tanto que esse ano lançou uma. Mas sua vida é a música, e o seu segundo disco solo deve ser lançado dentro de dois meses. Das Galáxias será o segundo álbum depois da parada da Ultramen, em 2008. De lá pra cá, o músico já morou em Nova York, tocou em alguma cidades da Europa, gravou um EP e também um disco. No papo que vocês poderão ler a seguir, Tonho nos contou um pouco dessa história e qual a tônica de sua carreira daqui pra frente.

Culturíssima: Teu novo disco, “Das Galáxias”, está quase sendo lançado. O que você pode falar sobre esse trabalho e quando deve chegar?

Tonho Crocco: Esse disco começou a ser gravado no meio pro final do ano passado. Ainda está em processo de mixagem e masterização. Creio que tenha mais uns dois meses para chegar o formato físico.

No final do ano passado a gente tinha inscrito, no meio das gravações, no Natura Musical, e agente foi contemplado. Além do disco, terão shows de lançamentos aqui, no Rio e em São Paulo. O disco é uma continuação, em todos os sentidos. É uma continuação do meu primeiro CD/LP, que é O Lado Brilhante da Lua, o EP Teto Solar e agora o Das Galáxias. Ou seja, uma trilogia cósmica. Este está no mesmo caminho que os outros trabalhos, e também foi gravado no mesmo estúdio do disco anterior, Mu Bemol, e com o mesmo engenheiro, que é o Gilberto Ribeiro, praticamente com os mesmos músicos, a banda Partenon 80, que é a banda que me acompanha. Rodrigo Servo fez todos os saxofones e flauta. Roberto Scopel no trompete. Marco Farias no teclado, Everton Velasques no baixo. Na percussão era o Marquinho Nunes, agora está o Bruno Coelho, e no trombone era o Charão e agora está Dejeane Arrue. A masterização do outro foi feita em Abbey Road, e agora esse a gente fez aqui, com o Glauco Minosse.

A estética mais samba e soul, continua?

Sim, sim. É uma continuidade até nos gêneros musicais. Tem ali o afrobeat, tem música instrumental, suingue, MPB. Samba de breque é uma das novidades, porque a gente sempre fez aquela coisa mais velha guarda, ou voltada para o chorinho. Sempre gosto de fazer samba com instrumento acústico, e dessa vez, também, fizemos alguma coisa com instrumentos elétricos.

Assim como o primeiro, esse sai em vinil também. O que isso significa pra ti?

Desde o primeiro disco que ganhei, com 10 ou 12 anos, nunca toquei fora e nem vendi meus discos. Sempre colecionei. Na era digital, comprei CDs, mas sempre continuei tendo meus discos e ouvindo eles. Com a Ultramen, a gente lançou o Olêlê 6 Tiros em vinil, e dois LPs com o DJ Anderson, chamado Terrorismo Sonoro, que teve volume I e volume II. Ou seja, nunca parei de ouvir, de colecionar e de comprar discos, e de fabricar eles também. Então pra mim é só uma continuação. Acredito muito não só no romantismo do LP, mas também acho que é um meio físico legal para perpetuar a tua obra. O CD dura 10, 15 anos, sei lá. E se for pirata, nem se fala. Já o vinil é 90, 100 anos, ou mais.

Digitalmente como vocês está trabalhando a tua obra?

Tenho uma parceria desde o início com a ONErpm, que o pessoal chama do iTunes dos independentes. Foi a primeira plataforma a abrir o olho para um nicho de mercado que o iTunes não dava conta. Lá no começo era só Jay-Z, Beyonce e tál. Aí a ONErpm começou com bandas alternativas aqui no Brasil, acho que no Rio Grande do Sul. Eu e Os The Darma Lóvers acho que foram um dos primeiros. É muito legal, porque eles interagem com a Amazon, com o iTunes, e todas as outras. Colocam tua música lá, é um leque bem grande. Além disso, depois de um tempo de lançamento, disponibilizo via YouTube.

Você lançou uma cerveja esse ano também. De onde surgiu essa ideia?

Cara, fui procurado pelo pessoal da JamBeer ano passado, aí começamos a fazer testes. E eu gosto de cerveja. Meu pai era farmacêutico, bioquímico, e ele fazia cerveja. Então tinha o interesse nisso, mas até então, autodidada. Aí fui me juntar com quem sabe fazer a coisa, então além da JamBeer tem o pessoal da Cervejaria Farol, de Canela, que está produzindo ela. A gente demorou mais ou menos seis meses para fazer a fórmula. Eu queria uma lager, por causa dessa coisa do verão, e o nome dela é Teto Solar. Então é uma lager premium, com pimenta jamaicana. Não posso dizer a fórmula, mas são só insumos de qualidade, importados. Ela foi ficar pronta no finalzinho do ano passado. A gente lançou a primeira braçagem de 2 mil litros e já estamos na segunda agora. A ideia é fazer cervejas sazonais, vamos ver se a gente faz alguma pro inverno ou outono.

Tonho Crocco_cerveja_Foto de Rodrigo Alencastro

(foto: Rodrigo Alencastro)

Em 2009, 2010 foi para Nova York, passou seis meses…

Foi 2008. Quando a Ultramen terminou. A gente parou em abri,l alguma coisa assim, e dia primeiro de maio eu já fui. Fiquei seis meses.

Depois tem uma passagem por algumas cidades da Europa.

Sim, voltei no final de 2008. Em 2009 passei todo o ano trabalhando o meu EP, aí em 2010 gravei O Lado Brilhante da Lua, fui para a Europa e por acaso pintou a possibilidade de masterizar no Abbey Road.

Como foi essa experiência musical na gringa?

Acrescenta muito não só como músico, mas como pessoa. Em 2008, fui ficar seis meses em NY sem nenhum show marcado. Não tinha nenhuma música composta. Ou seja, as músucia brotaram lá. Conheci o Simon Katz, que foi guitarrista do Jamiroquai. Ele me apresentou para o Zé Luiz, dono do estúdio que gravei em NY. Daí saiu o EP Teto Solar. Também acabei fazendo uns seis shows. Em 2010, na Europa, tinha um show marcado, com o Adriano Trindade, no Favela Chic de Londres. Também no Favela Chic em Paris e mais alguns bares em Londres e umas canjas em Barcelona. Tudo coisa que pintou lá. O Júlio Porto, guitarrista da Ultramen, já morava em Londres fazia uns dois ou três anos. Ele me falou: “Cara, tô com um gancho para masterizar os trampos lá no Abbey Road, com um gurizão que gosta de música brasileira”. Então o disco foi masterizado por esse cara, o Alex Wharton, e pelo Júlio.

Além da coisa musical, tem a coisa pessoal. É muito bom, aconselho para todo mundo. Tem que sair um pouco do seu país, da sua área de conforto. Viver, lavar roupa em outro país, cozinhar, pegar um ônibus. É conhecimento. É obrigatório, tem que fazer pelo menos uma vez por ano, sair e conhecer um país.

O que o pessoal mais especializado sabe de música brasileira?

Tem o grande público, que nem aqui no Brasil, que vai ouvir só o que dá na rádio, na televisão, o que o iTunes e o Youtube sugerem pra ele. Mas a música brasileira, no mundo inteiro, é respeitada. As pessoas conhecem o básico: Tom Jobim, João Gilberto, conhecem Gil, Caetano. Aí de repente, tu vaia para um adolescente, talvez ele conheça DJ Malboro, MC Catra. O pessoal mais da World Music conhece o Jorge Ben, conhece o Tim Maia. Então acho que depende do gênero, da faixa etária e do nível de conhecimento e curiosidade das pessoas. E cabe também uma boa assessoria de imprensa lá, coisa que nunca tive, mas que a gente está trabalhando nisso.

Em novembro do ano passado a Ultramen fez um show no Bar Ocidente. A banda segue em stand by para eventuais apresentações?

A gente parou por cinco anos e voltou muito na pilha de fazer show, de compor. Começamos a ensaiar e chegamos a fazer sete músicas, registramos duas. A gente tem um DVD, que está sendo editado e produzido desde a época da parada da banda. Só que aconteceu o seguinte: o Pedro foi morar em Florianópolis, o Marcito saiu da banda, e o Malásia, que desde 2008 já estava em São Paulo. Aí a banda voltou a dar uma esfriada. Mas claro, se tiver show, a gente se reúne, ensaia, mas faz tempo que isso não acontece.

Entre 1991 e 2008 a banda lançou quatro discos com inéditas. Olhando para esse retrospecto, não fica uma impressão que dava para ter lançado mais trabalhos?

Na nossa época, acho que a gente fez uma média boa. Era uma época que ainda tinha as fitas demos, que nós chegamos a produzir duas ou três. Duas foram lançadas e a terceira meio que virou o primeiro disco da banda. Aí depois, foi uma produção de dois em dois anos. Nesse quesito não há o que reclamar, foi uma produção intensa.

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(foto: Raul Krebs)

Vi você contando uma vez que, quando era adolescente e estava no coral da OSPA, foi expulso por causa da banda de rock. Como é essa história e como, ao longo da tua carreira, principalmente agora, em trabalho solo, você foi se distanciando do rock?

Na verdade foi por faltas. Isso era uma coisa mais do maestro do coral, responsável pela técnica vocal, que era o Decápolis. Até hoje sou amigo dele, o encontro às vezes e conversamos bastante. Adoro essa história. Eu tinha a Ultramen já, e era permitido um número ‘x’ de faltas no coral. Aí eu estava na minha última e fui falar com o Decápolis: “Pô, maestro, tenho o show da minha banda, não vou poder vir nesse ensaio. Não tem como quebrar o galho?”. Ele disse não, que a regra era pra todo mundo, se alcançou o limite de faltas, era expulso do coral. Aí ele falou: “Tem banda? É roqueiro? Roqueiro não se cria aqui no coral” [risos]. Na verdade a Ultramen nem era uma banda totalmente de rock. Misturávamos reggae, som pesado, rap, samba. Era um caos de mistura. E na real a culpa de ter sido expulso não foi do rock, mas sim por não ter disponibilidade de horários.

Agora, a coisa de não estar mais gravando rock hoje, é um caminho muito natural. Isso sempre foi uma visão mais do outro lado da banda, do Zé Darcy (bateria), do Pedro Porto (baixo), do Julio Porto (guitarra). Todo mundo sempre gostou, mas eu sempre trouxe outras coisas, a MPB, o samba, o raggamuffin, então natural que agora, fazendo meus discos solo, sem essas influências em volta, o rock tenha saído fora. O reggae saiu fora, até o próprio hip-hop está um pouco distante. Mas quando a gente se junta, volta. Essas músicas novas que gravamos, o rock está presente, o rap, o reggae.

Essas músicas não saíram ainda?

Não, só foram gravadas. Muito bem gravadas, inclusive. A ideia é vir como bônus no DVD.

Em 2010, você gravou e soltou na web o rap Gangue da Matriz. Na época a Assembleia Legislativa, na figura do deputado Giovani Cherini (PDT-RS) entoru com um processo contra você. Passados seis anos, o que pensa atualmente sobre o caso?

Acho que só por causa da opinião pública que o deputado Cherini retirou o processo do Supremo. Ele estava em uma instância federal. Depois de tudo, fiquei muito magoado, porque depois que aconteceu, 90% daquelas pessoas que falei na lista, foram reeleitas. Ou seja, está faltando alguma coisa pro povo, não sei se é informação, ou então o povo sabe o que as pessoas fizeram, não estão nem aí e reelegeram. Tem algum ponto errado na cultura política das pessoas.

Hoje a gente vive um momento político extremamente conturbado, e muitos artistas estão se posicionando e, ao mesmo tempo, tendo consequências com isso, pois muita gente deixa de seguir determinado artista por causa de seu posicionamento. Como você está vendo toda essa radicalidade?

Olha, gosto que meus ídolos se posicionem. Por exemplo, gosto do trabalho do Chico Buarque, da discografia toda, e gosto do posicionamento dele. Não concordo com o posicionamento do Lobão, mas não me importaria de estar em um festa ou em um show que tocasse Lobão. Acho isso bobagem. As pessoas têm que se posicionar. Vejo pessoas como o Chico, o BNegão, se posicionando contra o golpe, acho isso lindo. Então não tenho preocupação quanto a isso, acho que rola até uma identificação com as pessoas que gostam do meu trabalho. A música também acaba sendo uma força política, mesmo subentendida ou com metáforas, com poesias, tem ali uma mensagem política, e muito mais na Ultramen. A Ultramen sempre fez isso.

Recentemente se acendeu um debate aqui na cidade, principalmente após uma matéria da ZH, questionando onde está a nova cena de rock gaúcho. O que você pensa à respeito e também o que acha sobre esse termo?

É um termo horrível. É a mesma coisa que tango gaúcho, ou então reggae gaúcho. Horrível? Tá, estou exagerando. Mas esse são termos que nasceram em outros países. Por exemplo, o jazz. O pessoal fala o afro jazz, cuban jazz, brazilian jazz. Não está errado falar rock gaúcho, ou rock argentino, que é muito forte lá. São grupos que usaram um gênero de outro país para fazer o seu com outro sotaque, outro idioma. Mas tem que ter muito cuidado com o que vem de fora e o jeito com que tu integra na cultura brasileira, e o gaúcho é um dos mais promíscuos, no bom sentido. O gaúcho pega tudo e faz com aquele sotaque daqui.

O rock gaúcho nunca morreu. Sempre teve bandas, sempre teve produção, sempre teve casas noturnas, o que não tem agora, que tirou essa peça da engrenagem, são as gravadoras, hoje todo mundo é independente. Pô, também não tem mais rádio, só web pra divulgar e tocar esse som. Na nossa época tinha rádio e televisão tocando aquela cena, gravadoras, casas noturnas, shows e público. Aí tu tem um circulo vicioso que faz com que tu viva disso, trabalhe e tenha uma produção mais assídua. Hoje não tem, e não é só o rock que está refém. O samba gaúcho, que tem vários grupos. Cara, a gente tem Lupicínio Rodrigues, Luis Wagner, imagina quantos artistas se formaram com a influência desses caras.

Então dentro desse contexto, para quem vive de música hoje, está mais difícil?

Está muito ruim. Acho que criaram umas leis idiotas, sabe? Código de Conduta em Porto Alegre, limitando horário de bares e tál. Isso ajudou a cair mais ainda. O lado bom é que as pessoas estão indo pra rua. Já que não pode em bares, lugares fechados, vamos pra rua fazer show, mas aí também não se paga os músicos. Todo mundo tocando no amor. Reduziu muito o número de shows. A salvação ainda são alguns editais federais, municipais e estaduais. Se fosse depender de rádio e televisão para ser conhecido, não ia rolar.

Em 1991, quando inicia a Ultramen, era mais tranquilo trilhar esse caminho?

Acho que sim, tinha mais casas de show e bares. Essa é a distinção hoje. Para ter show, atravessar um horário determinado, tem que ter um alvará de casa noturna. Na quela época, bar podia ter música ao vivo. Havia vários projetos legais, as escolas de música faziam show de tarde. Até os shows gratuitos tinham cachê, a prefeitura fazia isso muito mais. O orçamento da prefeitura e do estado era maior para a música. Cada vez tiram mais dinheiro destinado à cultura. Essas coisas fazem falta. A falta que faz uma rádio coma Ipanema, por exemplo, nem se fala.

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