Uma entrevista afudê com Carlinhos Carneiro

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Luiz Paulo Teló

Desde que surgiu no cenário do rock no Rio Grande do Sul, conquistando também um público interessante no restante do Brasil, no início dos anos 2000, o vocalista da Bidê ou Balde, Carlinhos Carneiro, se notabilizou por ser um grande papo. Com seu sotaque porto-alegrense caraterístico, Carlinhos é bem articulado, traz ótimas referências do mundo pop/cult e sempre tem sacadas inteligentes e engraçadas. Não é à toa o set list de ótimas letras que a Bidê ou Balde acumulou nesses vários anos de estrada.

Nessa entrevista exclusiva ao Culturíssima, o também jornalista e escritor, falou do novo disco da banda, que fecha uma trilogia iniciada em 2010, com o EP Adeus, Segunda-feira Triste. Mas fomos além. Carlinhos comentou o fato de já fazer 10 anos que tiveram de riscar a música E por que não? do repertório, graças a uma decisão judicial. Falamos ainda do sempre polêmico rótulo “rock gaúcho” e também sobre a recente turnê da Bidê ou Balde por países da América Latina.

Culturíssima: Vocês acabaram o processo de gravação do novo disco, que vai simular um programa de rádio. Como surgiu essa ideia e como foram as gravações?

Carlinhos Carneiro: A ideia original era ser tipo um EP, que finalizasse a trilogia que a gente vem fazendo desde o EP Adeus, segunda-feira triste e com o disco Eles são assim. E assim por diante. A ideia era ter um EP que finalizasse isso com as músicas que a gente ainda tinha de sobras de estúdio, mas aí a gente começou a lembrar de outras músicas, começamos a colocar músicas inéditas, vimos que o material era bem mais diverso e em algum momento tivemos a ideia de fazer um programa de rádio mostrando músicas desconhecidas das bandas – como se fosse isso. Um dos pontos que une a trilogia é o escritor Kurt Vonnegut Jr., que tem um conto que se chama Gilgongo – mas não é dele, é do personagem dele, Kilgore Trout -, sobre um planeta que celebra as extinções. A cada extinção, tipo “mataram os coalas”: Gilgongo, eles gritam. Aí eu bolei um negócio de ser a última transmissão dessa rádio, que é extinta no final do disco. Pegamos essas coisas todas e misturamos dentro de uma ideia, criamos as vinhetas, chamamos a Kátia Suman pra ser a apresentadora, usamos um material que a gente já tinha com o Plato Dvorak, que é um dos grandes homenageados do disco. Tem a gente tocando outras bandas, outras bandas tocando a gente, remix, música inédita e versões diferentes de outras músicas. Então, é um disco bem louco, mas no começo a gente achava ele bem mais louco, agora já achamos super normal [risos].

Culturíssima: Vai sair em que formato?

Carlinhos: Em CD e digital. Em vinil a gente quer lançar um material, mas não vai ser esse disco. Esse disco ele funciona como um coisa só, não faria sentido ter aquela pausa entre os lados. A gente pretende, talvez, fazer um “the best of” da trilogia pra lançar em vinil.

Culturíssima: Por que teve aquele hiato de oito anos entre o lançamento do terceiro e quarto disco?

Carlinhos: Na verdade, tem várias razões para acontecer o hiato. A gente gravou o disco e lançou ele em 2004, mas não pudemos divulgar ele porque logo veio o acústico MTV, que a gente ensaiou e gravou e divulgou. A gente só pode retomar a divulgação do terceiro disco, É Preciso dar Vazão aos Sentimentos, em 2006. Já diminuiu dois anos na tua conta. A partir daí mais dois anos divulgando ele. Corta mais dois anos. Lá por 2007, 2008, começamos a juntar as músicas novas e fizemos duas demos. Começamos a procurar gravadora, e não fechava aqui, não fechava ali. Quase rolou várias vezes, então decidimos fazer independente tardiamente, só em 2009. Foi aí que a gente fez o EP Adeus, Segunda-feira Triste. Pra mim, o primeiro lançamento não é o Eles são Assim, é o EP mesmo, que é o começo dessa trilogia. Portanto, não é tanto tempo assim. Aconteceram percalços, mas é normal. E também mudanças de membros da banda. O André [Surkamp] saiu, o Pedrão [Hahn] já tinha saído antes do acústico, a Kátia [Aguiar] saiu antes do Vazão. Com o pessoal saindo a gente tem que pensar como a banda vai se posicionar, como vai funcionar a partir de uma nova formação. Só agora a gente tem um formato que nos agrada, que são os quatro mais antigos e os outros músicos contratados.

Atual formação da Bidê ou Balde, da esquerda para direita: Rodrigo Pilla, Carlinhos Carneiro, Vivi Peçaibes e Leandro Sá.

Atual formação da Bidê ou Balde, da esquerda para direita: Rodrigo Pilla, Carlinhos Carneiro, Vivi Peçaibes e Leandro Sá.

Culturíssima: A banda é ainda de uma época em que tocar música no rádio era importante e, principalmente aqui no estado, as emissoras tinham mais espaço para a cena local. Como você entende essa questão atualmente? Qual o peso da mídia tradiconal na divulgação do trabalho de vocês?

Carlinhos: Acho que a pergunta mais importante é: como a mídia tradicional está vendo isso? Eles que estão tendo de se virar, é a indústria fonográfica que está tendo de se virar, são as rádios que estão tendo de se virar. Tanto que a maioria das rádios estão ficando sem música, porque eles não conseguem mais abusar dos artistas e das bandas, e estão cada vez mais ficando com menos músicas, ou pegando músicas internacionais dentro dos esquemas que eles já têm dentro das gravadoras, e está ficando diferente. Eles não conseguem mais variar tanto o cardápio deles com as coisas legais que acontecem porque a coisa está muito mercantilista. Pra nós, ainda é importante tocar em rádio. Ainda temos abertura, temos bastante público, amizades, pessoas que gostam da gente dentro das rádios, então a gente sempre acaba conseguindo tocar um pouco nas rádios, ou bastante até. Nós queremos manter essa parceria, mas isso não significa que é vital para a existência da Bidê que a gente seja de uma gravadora, que essa gravadora pague jabá para uma rádio, para que essa rádio toque duas vezes por dia uma música nossa. Não, isso não acontece mais com a gente. Já aconteceu no primeiro disco e nós simplesmente não achamos graça nenhuma [risos]. Agora acho bem mais sincero a forma com que as coisas acontecem na música, não tendo esses envolvimentos todos. As coisas estão mudando, as gravadoras estão fazendo parcerias com os sistemas de streaming, estão comprando os sistemas de streaming. Os grandes continuam tendo poder e dinheiro e eles ainda vão arrumar um jeito de derrubar os menores. Mas o menores vão ter sempre as ideia mais legais. É assim que o mundo segue.

Culturíssima: Antes da gravação do acústico, vocês já tinham público nacionalmente ou foi a partir dali que a coisa aconteceu mais naturalmente fora do estado?

Carlinhos: Já tinha. Com o primeiro disco a gente já teve uma penetração muito grande. Antes do disco a gente já estava tocando em Goiânia, Recife, em vários lugares. A gente sempre se preocupou em fazer a coisa nacional, porque não custa nada tentar. Sempre foi interessante pra gente não ficar só nesse mercado daqui, que é bom. O mercado no rio Grande do Sul é autosustentável, as bandas podem ficar só aqui e ser grandes por aqui. O segundo disco foi muito bem aceito pela crítica, e não teve o aporte de uma gravadora nacional. Depois teve o acútico e o terceiro disco, que também saiu na revista OutraCoisa, do Lobão, e daí teve 15 mil cópias vendidas na bancas, o que foi bem legal. O que importa agora é seguir tentando colocar peças novas em territórios novos do “war” [risos].

Culturíssima: O que você pensa sobre o rótulo “rock gaúcho”?

Carlinhos: Quando uma banda é nova, e tem um rótulo tão firme como esse, como uma entidade, a gente procura negar. Isso é natural. Mas esse rótulo, em si, é uma grande bobagem. Não existe, no RS, uma unidade estética que una o rock. Tu não pode dizer que a Comunidade Nin-Jitsu, a Ultramen, a Bidê e os Acústicos & Valvulados são parte de uma mesma coisa, como no manguebeat o Mundo Livre S/A, Chico Science e a Nação Zumbi estavam falando de uma mesma coisa. Aqui não é tanto. Então por muito tempo eu neguei isso, o rótulo em si. Mas não por não querer fazer parte, mas por não achar que exista. Depois eu mudei para sim, existe. Só que existe em Brasília, Curitiba, Recife, onde eles são tão fissurados em rock gaúcho que fazem o som e chamam aquilo de rock gaúcho, que é imitando a Graforréia, imitando TNT e Cascavelletes, bota nisso um pouco de punk rock da Tequila Baby, bota um pouco de nonsense da Bidê. Então, existem pontos de ligação, mas acho que esses pontos de ligação estão fora do RS. Esse foi meu segundo pensamento. E o terceiro pensamento é o seguinte: pô, que do caralho que nos consideram uma coisa clássica dentro de um rótulo babaca [risos]. Então, que afudê que essa coisa representa o estado, o lugar de onde eu venho, a cidade de onde eu venho que, sim, me foi muito rica de influências. Existia a rádio Ipanema, e a Feluspe, e agora a Cultura e a Unisinos. Essas rádios, e a disseminação de demos, e o show das bandas, faz com que a gente ame as coisas daqui, e se identifique pra caralho, bem mais do que um paulista tem condição de se identificar com Vespas Mandarinas, porque eles não tem uma rádio que toque só as coisas deles. Ou eles vão ter a tradição moderna de quebrar naturalmente com isso, e o gaúcho não. Por se ligar emocionalmente pelas coisas daqui, desde um xis na Lancheria do Parque, até a voz da Kátia Suman na Ipanema, ou uma letra sem sentido da Graforréia Xilarmonica, todas essas coisas nos influenciam e acabam fazendo parte dessa coisa rock gaúcho. Então me pareceu lindo isso! Sim, somos rock gaúcho, fazemos parte disso, que ótimo que existam tantas pessoas que nos incluem nisso com uma posição de destaque e abraçamos essa responsabilidade da seguinte forma: fala-me da tua aldeia e falarás ao mundo. Isso abriu de possibilidades artísticas na cabeça da banda para, por exemplo, chamar o Borguetinho para tocar em uma música. Fazer um disco que homenageia o Plato Dvorak, que é uma figura pouco conhecida do rock feito no RS, que homenageia o Frank Jorge, falar dessas coisas, mostrar o quanto nós somos ricos, para o Brasil inteiro, pro mundo inteiro, para aí sim estar falando de uma coisa relevante, não só pra nós.

Culturíssima: Tentaram, em algum momento, morar em São Paulo?

Carlinhos: A gente morou, por um ano. Foi mais de um ano, até. Mas na época nós estávamos com gravadora, era tudo pago por eles. Nós não estávamos contentes com a relação que tínhamos com a gravadora, nem com a produtora que tínhamos lá, e a gravadora daqui estava com os braços abertos nos esperando para gravar disco novo, então a gente veio para gravar o Outubro ou Nada, nosso segundo disco, que e eu acho, e muitos outros acham, é nosso melhor disco. E ele abriu a cabeça para possibilidades, texturas, cores diferentes. Eu achava, na época, muita pobreza de espírito ter que estar no centro do país, vivendo no mundo globalizado, com internet rápida e passagens baratas. Continuo achando isso, acho muito palha. Mas reconheço que às vezes é mais fácil, então a gente vai, passa um tempo em São Paulo e volta. Vai, passa um tempo em São Paulo e volta. Só que a gente não pode ficar longe dos nossos familiares, amigos, e a Lancheria do Parque, que nos inspiram tanto.

As influências não musicais


Culturíssima: No acústico MTV, vocês tocaram com o Roger Moreira, do Ultraje a Rigor. Logo em seguida, o terceiro disco de vocês foi relançado pela revista do Lobão. O que você acha desses caras hoje serem mais lembrados pelo posicionamento político do que pela carreira musical?

Carlinhos: Pessoalmente prefiro pensar no Roger e no Lobão como meus ídolos musicais. Tento nem ler twitter deles. O Roger principalmente, sou muito fã dele e do Ultraje a Rigor, curti muito ter tocado com ele. Infelizmente com o Lobão a gente nunca tocou, só conversamos com ele e participamos desse projeto de colocar o disco na revista. Essa luta que ele tinha feito na época, pela numeração dos discos, ir contra o mercado fonográfico, isso me era bastante relevante. No entanto ele, até hoje, nunca nos pagou nenhum royalties dos discos que foram vendidos. Valeu pela divulgação, a gente gostou muito de ter participado, obrigado Lobão, mas ele foi hipócrita.

Culturíssima: Você é jornalista formado desde quando? Chegou a trabalhar na área?

Carlinhos: Me formei em 2000, junto com a gravação do primeiro disco. Sempre faço toda a parte de assessoria de imprensa da Bidê, então nunca parei de trabalhar [risos]. Eu escrevi quase todos os releases da banda, poucos não foram eu. Tive três programa de rádio na Ipanema, apesar de ser uma coisa que eu fazia mais por hobby do que por qualquer coisa. Ajudo bandas e outros artistas nesse negócio de assessoria de imprensa também, escrevo release para amigo, ou para quem não é amigo também, desde que me pague [risos].  Para amigo faço de graça. Alguns. E agora estou trabalhando em uma agência de publicidade como redator, mas minha redação fica entre o publicitário e o jornalistico. Faço textos mais cumpridos do que a frase “compre que vai dar certo”. Escrevendo bastante também, escrevi um livro, escrevi pra revistas e jornais. Escrevi uma vez pra Folha de S. Paulo sobre o show do Eric Clapton aqui em Porto Alegre. Algumas coisas sempre pintam. Pra Revista Noize e pra rádio Ipanema fiz a cobertura do Porão do Rock de 2013, fiz também a cobertura de alguns shows.

Culturíssima: Ano passado você lançou seu primeiro livro. Tendo essa relação tão próxima com o texto e a literatura, por quê não antes? Como foi essa experiência?

Carlinhos: Tem um amigo meu que é dono de uma editora e a gente sempre namorou essa ideia. A editora acabou ficando sem publicar mais literatura, aí ele tentou me colocar em outras editoras e tal, mas sempre foi uma coisa que deixei em segundo lugar por causa do trabalho diário com a Bidê. Desde 2012 comecei a publicar os meu contos, uns que eu já tinha e outros novos, em uma página do facebook. Na página a coisa ficou meio organizada e ficou fácil de enxergar um livro. Aí eu sai oferecendo para algumas pessoas e o pessoal da Stereophonica topou. Eles já estavam trabalhando com Duca Leindecker, Humberto Gessinger. Foi o primeiro filho, e agora pretendo fazer mais uns livros. O próximo projeto, inclusive, é uma coisa mais jornalística, um almanaque. Uma coisa bem maluca.

Capa_Uns_Troço_do_Só_Mascarenhas - carlinhos carneiro

Livro lançado em 2014

Culturíssima: Passados 10 anos de toda a polêmica sobre a música E por que não?, o que você pensa hoje sobre o assunto? Ela segue fora do repertório?

Carlinhos: Eu fiz um acordo na justiça de não pode tocar. Acatei esse acordo, apesar de não concordar com o ponto de vista do Ministério Público e das entidades que se colocaram contra. Mas apesar de não concordar, eu entendo o ponto de vista. Me ensinaram que, quem sofre esse tipo de violência doméstica, não escolhe o trauma que tem. Aí tu ouvir uma música que fale isso ou que deixe a entender isso, pode ser sofrido para a pessoa. Ao entender isso, acatei e até hoje não toco mais a música, não gosto mais dela, não gosto que brinquem com ela, que falem sobre ela. Nem o público, que é a coisa mais rica que a Bidê tem, não gosto quando eles cantam a música no show, fico triste, chateado, por uma questão de trauma pessoal. O processo todo aconteceu junto com uma doença do meu pai, que ele veio a falecer, inclusive. Então foi um processo bastante traumático. Acato, entendo, mas não tem nada a ver, a minha música não era sobre isso, ela não fala em nenhum momento em sexo. Nenhuma das duas versões fala em sexo. Depois de ter tido uma filha, cinco anos depois disso tudo ter acontecido, tive mais certeza ainda do quanto não era pervertida a música, porque sim, eu fiquei orgulhoso da espessura da perna da minha filha e de qualquer outro detalhe a respeito dela. E qualquer pai que eu conheça fala do coco do seu filho, isso não quer dizer que ele seja um coprófilo. Shakespeare disse que todo artista deve falar de assuntos que são chatos para as pessoas. O caminho disso, que é meio uma ditadura do politicamente correto, é tentar anular essas possibilidades de duplo sentido, de fazer as pessoas pensarem a respeito de uma coisa. A gente não tem que pensar só de um jeito, a gente pode pensar de outro jeito. Acho que um rapper, quando vai fazer uma música sobre um presidiário ele tem que cantar pelo lado do presidiário mesmo, por mais que esse presidiário tenha sido um assassino que matou o tio de alguém e isso doa para essa pessoa. Infelizmente certos assuntos tem que ser falados, tem que ser tocados, para que eles sejam debatidos. [Abre um sorriso] E também, acho muito charmoso uma música sumir do repertório de uma banda. Acho legal, sinceramente, a gente nunca mais falar dela, nunca mais tocar, se passar 10 anos e eu nem lembrar mais toda a letra [risos]. E o público mesmo assim gostar e cantar, esse mesmo público que me deixa chateado quando a gente sai do palco e eles ficam lá cantando a música. É uma coisa forte demais para gente não achar que tem seu valor. Mas tudo bem, vou sempre respeitar, nunca vou querer desacatar essa decisão judicial e reabrir processo pra eu me dar mal, até porque acho que não me daria mal, na defesa do direito à liberdade de expressão, provando que a música não fala de sexo, os outros se dariam mal. Mas acho que ela disse a que veio por ter suscitado essa discussão há 10 anos.

Culturíssima: Você falou do rap. Acha que essa música que vem da periferia [Carlinhos interrompe]…

Carlinhos: Não seja preconceituoso, toda a música é válida, tudo é válido. Não sou o tipo de roqueiro mangolão que é contra um estilo de música. “Ah, odeio sertanojo”, odeio roqueiro que fala isso. Ou “odeio funk porque é a sexualização e tal”. Cara, tudo é uma demostração de manifestação popular, e quando uma manifestação popular acontece ela tem que ser respeitada. Não me importa o que o Bolsonaro ache.

Culturíssima: Pois então, justamente. Essa música de periferia está abordando temas mais relevantes que o rock brasileiro mainstream?

Carlinhos: Ah, qualquer coisa que vir das chamadas minorias vai ser melhor que o rock do branco classe média playstation. Qualquer coisa. O branco está chato pra caralho, e eu também. Só não jogo playstation [risos]. Eu também sou um branco classe média, chato pra caralho, mas pelo menos eu acredito que vai vir dos LGBT, das comunidades afastadas, de diversos meios inesperados que a gente nem pensa agora, algo que vai ser mais contundente e forte e que vá fazer todo mundo repensar. Se não a gente sempre vai estar perdendo essa briga para a bundamolice.

Culturíssima: Recentemente a banda vez uma turnê por alguns países da América Latina. Por onde vocês passaram e como foi essa experiência?

Carlinhos: A gente tocou em três países: Uruguai, Argentina e Peru. No Uruguai a gente tocou em um bar pequeninho, do caralho, para um público completamente louco, que não nos conhecia – tinha duas ou três pessoas que conheciam a gente -, e esse público curtiu muito. Lá pelas tantas estavam cantando as músicas, sem nem saber o que significam. Foi muito afudê, uma ótima sensação, parecia começo de banda, quando o cara faz o primeiro show e a galera curte pra caralho. Uma das melhores sensações que eu tive na vida, que bom conseguir ter de novo 15 anos depois. Em Buenos Aires nós tocamos com Las Pastillas del Abuelo, que é uma super banda de lá. Eles fizeram um festival chamado Nuestro, em Tecnópolis, que é um lugar fantástico, todo com negócio de sustentabilidade, com diversas bandas de toda a América Latina e nós fomos a única brasileira. Foi impressionante, ficamos de boca aberta com as coisas que a gente viu, e principalmente com a força do Las Pastillas del Abuelo lá em Buenos Aires. Foram 15 mil pessoas no festival e todos, praticamente, eram fãs do Las Pastillas. Foi do caralho. Ficamos amigos deles e eles vieram para Porto Alegre agora e tocaram com a gente. No Peru foram dois shows e muita tevê. Lá a gente passou mais tempo, ficamos uma semana. Fomos tocar no festival Peru + Brasil que, surpreendentemente, não era tomado de brasileiros. Em nenhum dos três lugares que a gente tocou foi só para brasileiros. Teve um show só, no Peru, que tinha mais brasileiros, mas eram mais senhores de idade, em um bar meio de jazz. No Peru a gente tocou com o pessoal do La Inédita, que é uma banda muito afudê, que está começando há pouco, tem um disco só, que mistura raggamuffin com chicha, a cumbia da selva peruana, algo mais aproximado da surf music Ventures dos anos 60. É muito interessante, muito legal o som deles. Lá nós conhecemos uma outra realidade, é muito interessante como eles conhecem muito menos do Brasil que o auge da nossa arrogância pode pensar. Assim como nós estamos de costas para a América Latina, acho que eles já acharam a resposta, que é a mesma moeda. Mas a gente tem que buscar fazer justamente essas parcerias, as bandas pelo menos, e tentar seguir unindo e quebrando com essas fronteiras.

Culturíssima: Como que foi o show aqui junto com Las Pastillas del Abuelo?

Carlinhos: Foi do caralho, eles vieram de Buenos Aires com um ônibus em 30 argentinos. Teve gente que viu nosso show lá e escreveu pra gente que estava feliz que íamos tocar aqui, com eles. E que também vinham para ver as duas bandas juntas. Foi muito legal, o Opinião nos recebeu daquele jeito especial de sempre, cheião. A ideia é trazer mais gente. Estamos tentando fechar pra ir pro México agora, no final do ano e, do México, fechar outros lugares e ir viajando. Justamente por causa desse tesão que dá, de depois de 15 anos, e de já estar acostumado com as coisas como elas estão funcionando, tu ir tocar em um lugar sem toda uma equipe, sem toda uma estrutura, na guerrilha, sem ser reconhecido, sem ninguém conhecer nenhuma música, tu tocar e mesmo assim as pessoas gostarem de ti e ser como na adolescência, isso é uma sensação que não tem explicação, é muito afudê. Como é aquele negócio que o Fernandão falava? Todo mundo tem que sair dessa zona de conforto [risos].

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