Uma entrevista com o músico e produtor Ray-Z

Foto:  Marcio Peixearts

Foto: Marcio Peixearts

Luiz Paulo Teló

Vem de São Paulo o produtor que trabalhou com mais de uma dezena de bandas gaúchas nos últimos 15 anos. Já passaram pelas mãos e ouvidos de Ray-Z nomes como Acústicos & Valvulados, Nenhum de Nós, Bidê ou Balde e Vera Loca. Mas o cara também é músico. Atualmente, ao lado de Tio Vico, toca na banda/dupla Phantom Powers. Fora dos palcos, mas nunca longe deles, Ray-Z também é o produtor artístico do projeto Domingo no Parque, que está levando uma programação de shows gratuitos ao Araújo Vianna.

Neste papo exclusivo com a gente do Culturíssima, o músico e produtor contou como resolveu fincar suas raízes no Rio Grande do Sul. Ainda relembrou os tempos em que tocava na banda de Júpiter Maçã. “Eu considero ele um gênio, e tem um lugar que é dele na música brasileira, mas ele não quer sentar lá”, afirmou. Indicado algumas vezes no Prêmio Açorianos, Ray-Z falou também, entre outras coisas, como está sendo comandar o projeto no Araújo Vianna.

Veja a programação do projeto Domingo no Parque

Culturíssima: Você é natural de São Paulo. Como você começou a fincar raízes no sul?

Ray-Z: Eu tinha banda quando morava em São Paulo, lá na Mooca. Também acompanhava alguns artistas, como o Júpiter Maçã, durante uma época, também toquei com o RPM. Nesse meio tempo, produzi a demo de uma banda no estúdio do Luiz Schiavon, e a banda era aqui do sul. Eles conseguiram um contrato com a Orbeat Music eu vim gravar o disco deles aqui. Já gostava de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul, do rock daqui, que é diferente do rock lá de São Paulo, uma coisa mais pura. Não sei se é bem essa a palavra, mas é diferente. Passei um ano aqui para fazer esse trabalho, aí quando voltei para SP, logo pintou outro, então fui e voltei umas três vezes. Nesse meio tempo conheci minha esposa, daí resolvi ficar de uma vez. A primeira vez que eu vim pra cá foi com o Júpiter, em 98 eu acho, e senti uma sensação muito doida, tipo: “voltei para algum lugar”.

Culturíssima: Você já produziu bandas experientes e muita banda em começo de carreira. O que é mais complicado?

Ray-Z: Com quem está começando. As bandas mais consagradas já sabem como trabalhar com produtor, é mais tranquilo. As bandas que estão começando geralmente vão aprendendo isso durante o percurso. Algumas tem um pouco mais de informação sobre o meu trabalho, e sobre o trabalho de um produtor, e eles vão se adaptando. Tem algumas bandas que logo tomam um choque e, ao invés de desenvolvermos o trabalho, temos que parar e trabalhar isso primeiro. Mas cada vez menos tem ocorrido isso, hoje em dia tem bastante informação, as pessoas já sabem do que se trata a produção de um disco.  

Culturíssima: Além do Phantom Powers, que a gente vai falar depois, quais os projetos você está envolvido agora?

Ray-Z: Estou produzindo o disco da General BoniMores, que é uma banda de Passo Fundo. Sou o diretor artístico do projeto Domingo no Parque, no Araújo Viana, também trabalho na produção, no dia do evento. Tenho uma banda que é tributo a Johnny Cash. Tenho acompanhado também o Simon Chainsaw, que é um punk rocker australiano que de vez em quando vem para Porto Alegre e eu toco com ele.

Culturíssima: O Araújo Vianna tem toda uma relação especial com Porto Alegre, muita nostalgia envolvida. Como é trabalhar pensando nessa questão?

Ray-Z: Em 2012, a Coordenação de Música da Secretaria de Cultura de Porto Alegre me convidou para dirigir o espetáculo de reabertura do Araújo. O palco foi dividido em dois: eu fiquei com o lado rock e o Pedro Figueredo com o lado MPG. Aí o Jorge André Brites, o coordenador, me deu uma missão, me tirando da zona de conforto e me dando um artista de MPG para trabalhar com uma banda de rock, que era o Bebeto Alves. Achei demais o desafio. Quando a gente estava nos ensaios, e o Bebeto foi lá, acabei conhecendo um artista que virei fã. É um cara genial, de uma simplicidade, de uma simpatia, adorou os arranjos que a gente fez. Se mostrou disposto a encarar qualquer outra empreitada que a gente fosse fazer nesse formato. Adorei aquilo, me marcou. Então a gente fez o espetáculo e quando acabou, percebi que, para os artistas, era muito emocionante tocar no Araújo Vianna e para o público também, não era um show normal.

Nos dias que se seguiram, eu planejei uma homenagem ao Bebeto Alves, e fui tentar viabilizar esse espetáculo. Nesse meio tempo encontrei o Alexandre Candano e o Carlos Caramez, e eles abraçaram o projeto, que era inicialmente baseado nessa homenagem ao Bebeto, mas que a gente ampliou e transformou em outras edições e no que é o Domingo no Parque hoje. Na época conseguimos duas edições com a Secretaria de Cultura, aí depois a gente escreveu o projeto na lei de incentivo à cultura, fomos contemplados e também recebemos o patrocínio da OI. Fizemos o primeiro, com o Galpão Crioulo. Precisávamos de um start que tivesse uma divulgação bem significativa e eles nos ajudaram nessa inauguração do projeto.

Culturíssima:  Você já produziu até uma banda gospel. Como é trabalhar com artistas que não sejam do rock?

Ray-Z: É instigante. Gosto de desafios, sempre quando eles aparecem, quero saber do que se trata e lidar da melhor forma possível. Com o pessoal do gospel foi bem interessante, porque os motivos que moviam os músicos eram bem diferentes dos que eu estou acostumado. Estavam todos ali trabalhando e empenhados em fazer o melhor disco de música gospel e para levar a música e a palavra de deus para as pessoas. Com o lance do pessoal do Galpão Crioulo também, foi uma imersão em um universo que, até então, eu não conhecia tão bem. Todas as edições do Domingo no Parque são temáticas, então também tive que fazer uma pesquisa com os artistas do reggae. Me contaram bastante sobre os artistas que ajudaram a impulsionar essa onda, alguns nem eram propriamente do reggae. O pessoal do samba também, para mim foi uma surpresa conhecer um pouco da história do samba. Fiquei surpreendido com a musicalidade deles, uma coisa tão natural. Alguns artistas do samba que eu conheci ali são capazes de compor uma música na tua frente, ali, na hora. É bom saber que existe essa manifestação aqui no Rio Grande do Sul, e eles precisam ter espaço e oportunidade. O que percebi é que houve um momento que foi moda o pagode, um monte de gente embarcou ali, mas existe uma coisa por trás disso, existem compositores do samba que produzem, o problema é que não tem onde essas pessoas mostrarem. Tem muita gente fazendo baile, tocando as músicas de grupos de Rio e SP, e não mostram a produção local.

Aí a gente entra em um campo que afetou todos os estilos musicais. A gente tinha gravadoras antigamente, que precisavam vender os seus discos, então promoviam esses artistas, colocavam eles para tocar no rádio, faziam show de promoção, então o povo acabava conhecendo os artistas. Hoje em dia a gente não tem isso. Essas ações ficaram a cargo dos próprios artistas, que fazem o possível para aparecer, mas não é tão simples assim. A nossa intenção com o Domingo no Parque é poder apresentar para 3 mil pessoas alguma coisa dos nossos artistas. Deixar que ali eles deem o recado deles. Mais pro futuro a minha ideia é que ali seja, cada vez mais, a vitrine para novos artistas, com uma situação de palco bom, boa sonorização, e com o público sabendo que ali vai sentar e ouvir artistas novos.

Culturíssima: De maneira geral, como está a estrutura para quem trabalha com música em Porto Alegre, com relação a estúdios e casas de show?

Ray-Z: Tem estúdios bons em Porto Alegre, profissionais. Tranquilo, como em qualquer outra capital. Quanto a lugar para tocar, tem bares legais, mas o problema é que a mentalidade dos donos de bar é meio estranha. Eles pagam pouco e geralmente a sonorização das casas deixam muito a desejar, é a última coisa que eles investem. Eles podem gastar uma grana em decoração, mas vão deixar aquele twitter queimado por 6 meses. É uma coisa muito engraçada ao meu ver, mas é uma matemática da grana. Pô, a matéria-prima da coisa toda é o artista, é a música, então se ele oferecer uma música boa as pessoas vão querer voltar na casa dele. Na cabeça desses caras passa uma coisa muito imediatista: eles só pensam na noite, em quanto eles vão fechar, pagar os funcionários, pagar o pouco da banda e dane-se. Acho bem ruim esse tipo de coisa, assim como também o lance de ser muito tarde, pois geralmente eles seguram a atração principal até o limite, porque a partir do momento que termina o show, o pessoal começa a ir embora, então eles querem vender bebida o máximo possível. Mas tem algumas casas que são exceção à regra, que respeitam os artistas, e que a gente tem que dar o parabéns, porque dão oportunidades para as bandas novas, por exemplo a Frankenhaus, na Coronel Genuíno. É um lugar que tem palco aberto para novas bandas. Ok, não são os caras que pagam melhor, mas dão oportunidades para as bandas novas começarem a testar seus projetos. Conheci algumas bandas boas ali, e não lembro de outros lugares que a gente poderia ver, de graça, trabalho novo.

Culturíssima: Você acha que tem uma estética que define o rock gaúcho ou é um rótulo que já não serve tanto?

Ray-Z: Acho que tem um lance social. São Paulo é uma cidade que tem muita gente de vários lugares, é um liquidificador cultural, e o rock também é assim. Tem subdivisões que deixam difícil definir o que é o rock. Por exemplo, a banda mais paulista, paulistana, que eu me lembro, é o Ira!, que tinha aquele lance de falar da cidade. Eles me representavam naquela época. Hoje em dia não vejo mais bandas assim. Talvez Os Inocentes tenha essa coisa mais São Paulo.

Aqui no sul, acho que todas as bandas tem isso. As bandas são mais impregnadas dessa identidade, mesmo as que tem outros estilos. Acho que é pela cidade ser um pouco menor e pelo estado ter tradição em ter tradição. E tem outra coisa que eu já saquei: o rock daqui é um pouco parecido com o rock da Argentina, que não sofreu tantas influências de outros estilos, é um rock mais puro, digamos assim. Claro, é uma característica, não é geral, tem bandas aqui de tudo. Mas já foi mais forte isso. Hoje em dia, com internet, a gente tem bandas daqui que fazem som muito parecido com gente do Recife, do Rio de Janeiro. A linguagem está muito mais próxima, não é uma coisa tão gaúcha. O que eu acho bem legal, na verdade. A gente tem que poder transitar por outros estados com tranquilidade. Quando vejo a Apanhador Só se dando bem no Brasil inteiro, cara, é um alívio: “putz, conseguimos, rompeu as barreiras”. Digo ‘conseguimos’ porque já me considero um lutador desse exército aqui do sul. Dingo Bells também, que é uma banda daqui, mas transita super bem. Isso é um alívio, uma coisa legal que está acontecendo.

Culturíssima: Você trabalhou com um dos caras que é um ícone do rock aqui do sul, o Júpiter Maçã, que é um personagem muito atípico. Como é o convívio com ele?

Ray-Z: Ele é uma pessoa muito intensa, absorve a gente. Quem está convivendo com ele, não tem como passar batido, ele envolve todos com as coisas dele. Eu considero ele um gênio, e tem um lugar dele na música brasileira, mas ele não quer sentar lá, quer continuar correndo. Foi muito bacana conviver com ele, a gente se conheceu aqui em Porto Alegre, nos anos 90, e depois, quando ele voltou de Londres, tinha lançado o disco Plastic Soda (1999), ia começar a turnê de divulgação e me chamou, a mim e ao Cleiton, que tocava comigo na banda Os Ostras. Aí a gente começou a turnê, mas ao mesmo tempo que a gente ensaiava, ele sempre aparecia com músicas novas. Sempre, sempre, uma produção inacreditável. Ele andava com um caderninho, escrevendo o tempo todo. A partir destes ensaios surgiu outros discos, o Hissivilization (2002), por exemplo, e alguns outros singles. Ele tem esse problema com a bebida, mas que é uma coisa que ele está administrando, tem umas pessoas que estão ajudando ele nesse sentido, isso é muito importante.

Culturíssima: Que artistas você destacaria surgidos aqui nessa segunda metade do século 21?

Ray-Z: Tem coisas legais. A banda que eu mais gosto, me identifiquei logo de cara, foi a Dingo Belles. Gosto muito daqueles três caras, e de todos que tocam com eles. É muito bacana ver esse meninos compondo, produzindo, tocando. Quando eu vi pela primeira vez, tive uma sensação que daqui a 20 anos ia ver esses caras juntos, foi muito legal. É uma coisa que gente não vê sempre. Às vezes a gente assisti a um show de uma banda e nunca tem essa sensação. Quando eu vi eles no palco, dominando aquele pedacinho em três pessoas, mandando uma mensagem muito esperta, apesar da pouca idade que eles tinham, eu vi ali uma coisa diferente.

Culturíssima: Já aconteceu de você apostar em uma banda e ela não acontecer e uma que você não acreditava tanto acabar vingando?

Ray-Z: Cara, eu trabalhei com a Vera Loca. Eles tem um público muito fiel. Há uns tempos, quando lançaram o segundo disco, a Cida Pimentel me apresentou a eles. Aí a gente trabalhou no terceiro, no quarto disco e também no CD e DVD ao vivo. Eles não são a banda da moda, não têm a música mais moderna, mas têm fãs fieis, onde eles tocam sempre agradam. São super profissionais, uma boa banda, e com um público diferente. A gente estava falando da Dingo Bells, por exemplo, que tem um público que gosta de vanguarda, gosta das coisas mais fresh e tál. A Vera Loca é uma galera que gosta do rock mais antigo, com referências mais do passado, apesar de terem algumas músicas que são mais pra frente.

Phantom Powers. Foto:  Fabian Gloeden

Phantom Powers. Foto: Fabian Gloeden

Culturíssima: Atualmente, está mais complicado viver de música ou era mais difícil antigamente?

Ray-Z: Se você se dispõe a trabalhar, meter a mão na massa, hoje em dia você pode, porque as coisas estão mais na mão do músico. Mas é trabalhoso, você vai ter que compor suas músicas, pré-produzir, você mesmo entrar pro estúdio e gravar, você mesmo procurar parceiros pra divulgar, criar o site, procurar shows, falar com o público. Ou seja, você vai ter um baita de um trabalho, mas se você for um cara mão na massa, você vai viver de música. Antigamente o processo era diferente, era uma loteria. Você gravava sua fita demo e ficava procurando uma gravadora e esperando que ela apostasse no teu trabalho, o que era uma coisa difícil. Se você tivesse um estilo que não estivesse na moda, por exemplo, se não fosse uma coisa que a gravadora estivesse promovendo naquele momento, você estava perdido. Ia ter que esperar a tua música ser moda para a gravadora enxergar dinheiro no teu negócio. Hoje em dia não, se você fizer a coisa mais esdrúxula que for e conseguir te comunicar com o teu público, você consegue vender o teu material, consegue fazer show, consegue monetarizar o teu trabalho.

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Culturíssima: Há dois anos você está com a Phantom Powers. Como surgiu essa ideia de ser uma dupla e quais as influências de vocês?

Ray-Z: Conheci o Vico aqui na vizinhança, ele veio conversar comigo, dizendo que queria gravar umas músicas dele. Fu ouvir as músicas e eram muito parecidas com as músicas que eu faço. Quando ele começou a me mostrar eu fiquei espantado. As referências são as mesmas: ele gosta de punk rock, surf music, western spaghetti e toda essa temática mais fifties e sixties. Comecei a mostrar as minhas músicas pra ele e unimos as duas coisas. Quando começamos a tocar, percebemos que não precisávamos de outros músicos. Até pensamos em chamar outras pessoas, mas já tivemos banda, a gente sabe que decidir entre quatro pessoas é uma coisa super complicada, e a gente tem outros trabalhos, então tinha que ser uma coisa muito leve, que a gente conseguisse colocar as guitarras embaixo do braço e conseguisse viajar, então decidimos fazer as coisas entre duas pessoas. A temática, basicamente, começou a tomar uma forma sozinha. A gente foi juntando os estilos e surgiu. É uma coisa meio psychobilly, meio pesada, com a voz meio rasgadona, mas as letras são de diversão e existencialista ao mesmo tempo. O Vico, apesar da ter aquela voz de monstro, é uma pessoa muito doce, muito gentil. A gente não tem temáticas machistas, sempre falamos com maior respeito sobre tudo, o que não é muito comum no lance do psychobilly, que é bem agressivo, contestador. A gente manteve a sonoridade agressiva, mas as mensagens são legais, são simpáticas.

Culturíssima: E quando estão no estúdio, tem uma preocupação em não fazer coisas que depois serão impossíveis de tocar no palco?

Ray-Z: Tem sim, a gente grava o que pode fazer ao vivo. Foi uma preocupação que a gente teve, não adiantava fazer uma orquestra que depois na hora do show não íamos dar conta. E funciona bem assim, a gente consegue dar conta, Não tem o baixo, mas a gente arranja as músicas para que também não faça diferença ter ou não ter.

Pra nós está sendo super divertido, a gente começou sem muito a intenção de querer atingir algum tipo de público, mas aos poucos as pessoas foram chegando. Temos feito bastante shows e recebido convites para tocar em um monte de lugar. Como a gente é uma dupla, e bem portátil, tocamos em lugares inacreditáveis, coisa que a gente nunca imaginou que pudesse fazer.

Tem um EP agora que a gente está gravando e vai lançar, e vamos sair também em um vinil, uma coletânea chamada Weirdo Fervo, com outras bandas que têm a nossa cara, meio garage, surf music. Já teve uma, e a gente vai sair no volume dois.

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