Entrevista | Julio Reny: “O livro e o DVD me colocaram no jogo de novo”

Crédito - Giovani Paim

(foto: Giovani Paim)

Luiz Paulo Teló

Depois de lançar o disco Bola 8, em 2010, Julio Reny cogitou parar. Estava atenuado de, mesmo com trinta anos de estrada, batalhar tanto para conseguir gravar um trabalho. Adicione os vultos do passado, que nunca o deixaram completamente em paz, e as dificuldades na visão. Júlio já sabe, inevitavelmente vai ficar cego. Sofre de uma catarata que é inoperável. Mas Júlio está no jogo, segue na cena.

No dia 9 de maio ele sobe ao palco do Opinião para lançar o DVD Julio Reny & os Irish Boys – Ao vivo no estúdio Marquise 51, o primeiro da carreira. Esse trabalho, gravado em 2014, mais a biografia Histórias de Amor & Morte, escrita pelo jornalista Cristiano Bastos e lançada no ano passado, deram um novo gás na carreira do músico, segundo o próprio.

Culturíssima:  Júlio, primeiro gostaria que você comentasse esse DVD que vai ser lançado, que é uma mídia nova a ser explorada na tua carreira.

Julio Reny: Isso, é meu primeiro DVD. Foi gravado ao vivo, em 2014. A produção foi lenta, gradual, só agora vai sair. Gravamos com o espírito de como se tivesse platéia, mas sem ter. Não é porque é em estúdio que fizemos uma coisa hermética, tem interpretações bem quentes das canções.

Têm ali vários convidados, grande parte já tocou contigo em outros projetos, mas me chamou a atenção a participação do Nei Lisboa.

O Nei eu conheço desde 1979, mas nunca tivemos uma relação muito profunda. Através dos anos, já participei de shows dele, ele de shows meus, e a canção dele que a gente regravou, Paisagem Campestre, já tinha gravado em um disco dos Cowboys Espirituais, em 2001. Então como queria ter uma música representativa de cada disco, escolhemos Paisagem Campestre e chamamos o Nei. Entre os outros convidados tem o King Jim, velho conhecido, participou do meu primeiro disco em 83. O Jimi Joe também é outro velho conhecido, e os Cowboys Espirituais com o DJ Piá.

Antes de começarmos, você comentou que ficou pra trás nesse negócio de novas tecnologias. Mas você nunca lançou tanto disco quando dos anos 2000 pra cá, portanto continua compondo. O que diferencia tuas letras de agora para as do começo da carreira?

No começo eu era muito discursivo, muito pela letra. Com o passar dos anos passei a me tornar mais música e letra. A música até, muitas vezes, sobrepujando a própria letra. Estou parado há uns anos sem compor, meu último disco é de 2010, Bola Oito. Lancei vários discos no início desse século, ao todo foram quatro: três solo, e um com o Cowboys Espirituais. Atualmente estou de férias, pretendo depois do lançamento do DVD e os consequentes shows que vamos fazer à respeito dele, voltar a compor. O que vai ser o futuro das minhas composições é uma incógnita até pra mim. As letras já tenho, estão bem longas, tem rima, tem métrica, tem tudo, falta musicá-las. Mas musicalmente é uma incógnita: depois de tantos anos sem compor, pra que lado será que vou?

Julio Reny (centro), com Jimi Joe (esq.) e Os Irish Boys

Julio Reny (centro), com Jimi Joe (esq.) e Os Irish Boys

Nas tuas referências musicais, você sempre valorizou mais a letra ou a música?

O meu inglês é muito ruim, muito ralo, então música internacional vou pela melodia. E música nacional, vou pela letra. Mas curto mais hoje em dia só pop internacional. Ouço só a Antena 1, que só toca pop internacional, retrô dos anos 70, 80 e 90 e novidades, então me põe a par do que está rolando no pop mundial. Do pop nacional estou bem por fora, só pelo jornal mesmo, leio nomes, mas não escuto. A rádio que escuto o dia inteiro até a alta madrugada, não toca música nacional.

Tem saudade de fazer rádio?

Eu gostava, foi um período da minha vida, mas hoje não teria mais condições físicas. Estou ficando cego, então não teria condições visuais de trabalhar em uma redação, produzir um programa. Tenho saudade, foram bons tempos, em que me dediquei de corpo e alma para fazer rádio, estudava muito, tudo, a linguagem radiofônica. Quando comecei era uma época que não tinha internet, aí o acesso a revistas e livros era fundamental para ter informações. Hoje em dia, no meu estado de saúde, e o advento dessas tecnologias novas, não sei como é que eu faria rádio.

A questão da visão, tende a refletir nas tuas composições?

Sim, tem uma letra que fiz só sobre o assunto. O nome da letra é Irreversível, só com o que o médico botou pra mim no laudo. Vai ser complicado compor, pois não enxergo nada mais do que escrevo. Essas letras ainda escrevi quando enxergava bem. Vai ser difícil o ato de compor, vai ter que ser estrofe por estrofe, olhando bem o caderno, colado nos olhos, e não posso fazer isso tocando o violão, então vou ter que decorar as frases das letras para musicá-las, colar tudo isso em um gravador para sair as canções. Vai ser bem difícil o processo, por isso estou retardando o que posso.

Compor é uma redenção, um sofrimento, uma reflexão? O que significa pra ti?

É uma redenção o ato de compor. Quando a música vem pronta, vem refrão e tudo, não há sofrimento. Sofrimento não é a palavra, é labuta. Trabalho duro para fazer e para vir as músicas.

Lembra quando começou a compor?

Em 79, para o meu primeiro show, na faculdade de medicina da UFRGS. Compus oito músicas para fazer um show, tudo em uma mesma semana.

Ano passado foi lançada a tua biográfica, escrita pelo Cristiano Bastos. Ele conta que no primeiro momento você recusou. Como foi o processo?

Foi doloroso, eu não queria mais remexer e relembrar o passado. Eu queria esquecer e me aposentar. Aí o livro e o DVD me colocaram no jogo de novo. Foi bem doloroso o processo, tive que beber muito para botar pra fora as memórias. Tinha muita coisa que eu não queria relembrar. Na época eu estava bebendo muito justamente para esquecer tudo o que já tinha vivido, e a biografia veio de encontro a isso, por isso que fui muito resistente no início.

E o que achou do resultado final?

Me agradou, é uma boa história. Mesmo para quem não me conhece, é uma história que dá para ler como romance, que é o que foi minha vida. Atualmente estou meio parado, por causa da cegueira não saio quase de casa, só para trabalhar ou comprar cigarro na esquina. Então estão ali as grandes aventuras, grandes decepções, a drogadição, o alcoolismo, a paixão pelas mulheres, os casamentos desfeitos, a trajetória como músico. Está tudo ali, fiquei bem satisfeito com o resultado.

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Dia desses estava rolando nas redes sociais um texto teu, do final da década de 80, falando sobre os Cascavelletes. Há poucos meses perdemos o grande Flávio Basso. O que você pode falar sobre a banda e sobre o Júpiter?

Essa foi uma banda que acompanhei, vi o primeiro show deles, no Ocidente, em 86. Era muito amigo do Frank Jorge, e claro, até hoje sou, tive muitas bandas com ele. Foi uma banda primordial, e o Flávio, em carreira solo, assinou grandes discos, grandes trabalhos. Era um revolucionário, infelizmente foi-se prematuramente. Cascavelletes foi importantíssima, sempre fui fã da banda, e esse texto foi um release que fui contratado para escrever sobre um bolachão deles, com seis músicas, o que tinha Carro Roubado e Estou Amando um Mulher. Acho que isso é de 88.

Você é meio que uma referência para uma geração que começou a tocar mais na metade daquela década de 80, e boa parte daquela galera explodiu, fez carreira e tal, e vocês ficou um pouco à margem disso. O que houve?

É que não fui contratado por nenhuma grande gravadora, isso foi definitivo. Nenhuma gravadora investiu em mim. Então fiquei um alternativo. Se tu não estava em gravadora na época, que era o que mandava no mercado, tu estava correndo por fora.

E agora, nos anos 2000, lança um bom número de discos. Como foi isso?

Eu resolvi ir à luta. Não sei porque, mas foram vários motivos. Um, é que inicialmente cheguei a ter uma gravadora, em São Leopoldo, a Plus Record, com o Cristiano Krause. Aí lançamos por essa gravadora, três discos: a minha coletânea de demo tapes, gravamos Diários da Chuva e os Cowboys Espirituais gravaram o terceiro disco da banda, que nenhuma gravadora grande quis. Aí depois comecei a gravar meus discos no Thomas Dreher. Não sei, foi um super esforço que fiz, tanto que, quando terminei o Bola Oito, me declarei cansado de estúdio, de toda aquela batalha, aquele sacrifício, de depender onde gravar, conseguir dinheiro, juntar músicos. Não sei como tive forças para fazer aquilo. Hoje eu não faria.

Em três anos, você chega aos 60. É uma idade geralmente bastante significativa paras as pessoas. Já refletiu sobre esse número e sobre a maneira que está envelhecendo?

Pois eu não sei, é uma dúvida pra mim como vai estar minha vida até lá. A doença nos olhos modificou muito o meu panorama de vida. Não sei como vou chegar aos 60 anos. Acho que envelheci bem, passando a primeira década do novo milênio, já nessa segunda década estou tendo problemas, por causa dos olhos, por causa de inconstâncias, pouca produção. Só gravei uma música inédita nesses anos todos, chamada Alice no País da Ternura, que vai estar no DVD e também saiu em vinil, na coletânea da Unisinos, com compositores dos anos 80. Então, não sei o que esses próximos três anos vão me apontar. Estou envelhecendo lentamente, agora, com essa história dos olhos.

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