Psicodália 2019: Para romper a bolha do fascismo

Texto de Diego Rosinha, direto de Rio Negrinho/SC

Quem diria, no Psicodália do ano passado, que a situação brasileira poderia degringolar ainda mais? Achava-se que o “Fora Temer” seria o ápice, que após o golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff para instalar uma verdadeira quadrilha no Poder da ex-república nada poderia ser pior. Mas foi! O Brasil elegeu um fascista, mas também fortaleceu, ainda mais, o papel de festivais contraculturais como o Psicodália.

Foi nesse ambiente, de resistência ao status quo, que essa grande confraternização de paz e amor foi realizada durante o carnaval 2019, entre 1° e 6 de março. Encarando 10 horas de viagem, em uma estrada abarrotada de caminhões – pois o que dá dinheiro é mesmo petróleo e setor automotivo -, chegando lá, ainda uma “surpresa”. Entre aspas, pois não chega a ser algo surpreendente que tenhamos verificado uma operação de guerra há poucos quilômetros da Fazenda Evaristo, em Rio Negrinho/SC. Santa Catarina está em total sintonia com o Brasil, elegeu Carlos Moisés para o Governo do Estado. Moisés é do mesmo partido do capitão que está mergulhando o Brasil na obscuridade da brutalidade do capitalismo neoliberal e no total desrespeito às diferenças.

Em barracas, policiais jovens, armados, aplicados agiam como verdadeiros pitbulls do Sistema. Algumas centenas de pessoas, ansiosas para chegarem ao festival, eram tratadas como terroristas e espalhavam suas bagagens por enormes mesas improvisadas sob o atento olhar de espécies diferentes de cães. Alguns desses jovens, certamente perderiam o festival, teriam que voltar para a casa por estarem com substâncias consideradas ilegais – mesmo em quantias individuais – pelo status quo. A maioria, porém, se atrasaria para o festival, já que quando passamos lá era algo em torno de 23h e o show da Elza Soares, principal atração do primeiro dia de evento (1º de março) iniciava à meia noite.

Também esvaziou o festival de beleza e, acima de tudo inocência, a falta de crianças. Uma portaria de outubro de 2018, assinada pela juíza da comarca local, Fabrícia Alcântara Modin, proibiu a entrada de menores de 18 anos. O argumento? Aquele velho e surrado falso moralismo que tem dominado o Brasil. O caso, por outro lado, provocou reações emocionadas, em eventos que tratarei em seguida. Agora vamos ao festival!

Crianças: ausência sentida no Psicodália

Crédito: Giovani Paim

Resistência

O Psicodália 2019 foi grandioso. Foram quatro palcos pelos quais se dividiram 49 atrações musicais, entre elas nomes como Elza Soares, Tom Zé, Jorge Mautner, Hermeto Paschoal e Letrux. Além dos shows, foram diversas oficinas, que apresentavam desde técnicas para fabricação de cerveja até Tai Chi Chuan.

Abrindo o festival, o épico show da super mulher do fim do mundo, Elza Soares. Em uma cadeira, a artista explodiu o Psicodália de vozes femininas e masculinas empoderadas contra o machismo, cada vez mais forte na cultura brasileira. Sim, Deus é Mulher! Fechando a primeira noite, mais um show fantástico do rock ´n roll visceral da Patrulha do Espaço.

No dia seguinte, chamou a atenção o show do Tom Zé, com toda a ironia que lhe é peculiar. Em homenagem aos psicodélicos, ainda debaixo do sol, ele criou uma marchinha para o Psicodália. Na sequência, à meia noite, outra rainha veio brindar o público. Dona Onete colocou todos para dançar ao ritmo do carimbó. Ainda neste dia, surpreendeu positivamente o show de Kiko Dinucci, que arrotou verdades distorcidas contra os políticos brasileiros, independente de partido político. Fechando a noite de apresentações, o sempre épico show da Bandinha Di Dá Dó incendiou a galera até às 4h30.

Psicodália 2019: imagens do primeiro dia

O domingo, iniciado um pouco tarde devido ao sol escaldante que a todos expulsava das barracas – foi leve. Na Praça de Alimentação, chamou a atenção uma exposição do fotógrafo Giovani Paim, que também cuidava de banca da Enfotaria ao lado de sua companheira, Bruna Caldieraro. Em um varal, algumas imagens de crianças brincando e passeando com os pais nos festivais anteriores emocionavam quem passava. Imagens muito bem captadas, de momentos únicos, momentos que davam um brilho especial ao Psicodália. “Pais olhavam as imagens e choravam”, contou Paim.

O show mais esperado de domingo era o de Pepeu Gomes. Tratando muito bem a sua guitarra e acompanhado de uma banda de excelência, o ex-Novos Baianos, ex-hippie, em uma espécie de surto ufanista, iniciou os acordes do hino brasileiro, que foi logo abafado – graças! – por gritos de “Ele Não”. Gritos que foram ignorados pelo músico, que trocou para uma música animada dos Rolling Stones.

A segunda-feira seria um dia forte, especialmente para quem vos escreve. Há anos escutando Jorge Mautner, o maldito mais amado da música tupiniquim, queria entrevista-lo sobre o Psicodália. Para minha surpresa, ele topou dar uma coletiva para a imprensa. Surpresa, porque foi a única de um artista consagrado em todo o festival.

Kaos

Jorge Mautner (Crédito: Marla Mera)

Muito solícito e carinhoso, Mautner disse que era sua primeira vez no festival e que estava bastante feliz em tocar para uma galera tão importante e que comprovava o “Poder do Povo”. O músico caracterizou o Psicodália como um reflexo de um Brasil cultural, empoderado, em que as pessoas se ajudam e se auto-organizam sem precisar da Lei e do Estado. Mautner destacou que, mesmo em meio a um período tão triste e turbulento pelo qual estamos passando, não somente no Brasil, mas no mundo, por meio de figuras “neonazistas” como Donald Trump, consegue manter o otimismo. “Quanto mais medonha for a atmosfera, mais cresce o meu otimismo. Precisamos do Kaos, com K mesmo, para fazer nascer uma nova vida. O kaos não é destruição, é nascimento. Vamos romper com força esse círculo obscuro, romper isso com o amor da fraternidade”, disse, com olhos marejados e cheios de sabedoria. Para Mautner, o ódio, o racismo e o neonazismo não triunfarão, cairão logo em seguida, mas “não sem conflito”. E o conflito é a Resistência, é o Psicodália, são todos os festivais e atitudes que rompem com a bolha obscura em que estamos vivendo!

Segunda-feira seguiu com um grande show do maestro Hermeto Paschoal, que mesmo sem uma grande interação com o público, o colocou para dançar com a energia de sons experimentais. Para brindar a grande noite, Confraria da Costa, os piratas paranaenses, fecharam com seu hardcore dos sete mares – de rum!

Na terça-feira, último dia de shows do Psicodália, a grande apresentação seria da Letrux. A cantora carioca botou a galera para dançar como se não houvesse amanhã. Mas houve. Mais 10 horas de viagem, cansado, mas carregado de amor e de esperança de que um mundo melhor é possível. E o Psicodália é prova disso! Até o ano que vem!

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