Resenha | A experiência Ozzy Osbourne em turnê de despedida no Rio de Janeiro

O show da última turnê mundial de Ozzy Osbourne começa com a projeção da foto de uma criança de olhar encapetado. No fundo do palco um imenso telão dividido no meio por uma enorme cruz cristã replica a imagem dos dois lados. Segue a foto de um Ozzy jovem, de olhar sereno, mas questionador e então dele um pouco mais velho. Trechos de performances intensas do vocalista suando muito são reproduzidas uma após outra, não de maneira frenética, mas de forma a fazer aumentar a expectativa da plateia, de fazer o coração bater mais forte e do sangue circular mais rápido, espalhando adrenalina pelo corpo. Durante toda a introdução, que acontece ao som tenso de O Fortuna de Carl Orff, o olhar penetrante de quem quer roubar a alma dos presentes está em constante duelo com a presença da cruz e a proteção oferecida por ela.

Eis que surge o príncipe das trevas Ozzy Osbourne, coberto por um casaco reluzente roxo, como uma divindade. Caminhando rápido e estampando um sorriso inocente, se a ideia da direção do show tinha sido criar alguma atmosfera soturna, o cantor dissipou-a assim que pisou no palco. Seu sorriso era muito mais de um pai feliz em ver os filhos novamente do que de uma entidade demoníaca. Mas quem se atreveria a dirigir Ozzy Osbourne? Rapidamente ele tira o casaco, revelando a cruz invertida bordada em roxo cintilante na sua camiseta preta e em tom solene diz: “let the madness begin”.

Em edição especial o Culturíssima vai ao Rio de Janeiro para conferir o último show da etapa brasileira da última turnê mundial de Ozzy Osbourne que aconteceu dia 20 de maio de 2018 na Jeunesse Arena.

O show da última turnê mundial de Ozzy Osbourne começa com “Bark at the Moon” e a plateia vibrante berra enlouquecidamente enquanto arrisca uns pulos. Com os punhos erguidos o público canta intensamente em uma espécie de adoração às músicas que representam uma filosofia inteira de vida. Ao mesmo tempo, o coro é de quem quer fazer valer a noite, agradecer e recompensar o privilégio de estar na presença de um dos ícones mais mistificados do rock n’ roll, naquela que é, ou talvez seja, sua última turnê.

Ao fim da primeira música as palavras de Ozzy que anunciariam a próxima canção são perdidas por uma falha no microfone corrigida a tempo de ele dizer: “Mr. Crowley”. Instante no qual o tecladista Adam Wakeman (filho da lenda Rick Wakeman, do Yes) faz o primeiro acorde da introdução sombria e misteriosa (e maravilhosa) criada pelo talentosíssimo Don Airey (Deep Purple) da música inspirada no ocultista inglês Aleister Crowley. A brilhante sequência de acordes conduz a um momento de majestosa tensão quebrada pelo firme entoar das primeiras palavras da música, mas não sem antes Ozzy aproveitar o silêncio para colocar a mão em concha atrás da orelha buscando ouvir a entusiasmada plateia para só então proferir: “Mr. Crowley”. A plateia canta a letra da música de forma vibrante, mostrando que ao contrário do que foi possível ouvir minutos antes do show, o público carioca não perde em empolgação para o de nenhum outro Estado, às vezes até ganha.

O set segue com os fãs cantando “I Don’t Know” na íntegra e com uma projeção lisérgica no telão durante “Fairies Wear Boots”, música do Black Sabbath feita por Ozzy em um momento “inspirado” na qual ele tenta convencer a todos que as fadas usam botas dizendo que viu isso com os dois olhos e que é preciso acreditar nele. A plateia empolgada de “Suicide Solution” vai à loucura quando Ozzy anuncia “No More Tears” e o inconfundível riff começa a ser executado. O público continua presente e cantando em “Road To Nowhere”, que é seguida de “War Pigs”, outra canção do Black Sabbath. No palco, totalmente iluminado por luzes vermelhas, que também são jogadas em forma de laser sobre a plateia, Ozzy canta um verso e a plateia responde cantando o próximo; e ele ri, como uma criança feliz por estar ali.

Chega então o momento do público se aglomerar na grade para ver de perto Zakk Wylde, um dos melhores guitarristas do mundo, que desce no vão entre o palco e a plateia durante o pot-pourri de “Miracle Man”, “Crazy Babies”, “Desire” e “Perry Mason”. Vibrante, a plateia canta trechos das canções mesmo sem a voz de Ozzy enquanto Zakk circula de um lado para outro permanecendo muito próximo do público por bastante tempo.

A plateia mantém a energia durante os sucessos “Shot in the Dark”, “I Don’t Want To Change The World” e “Crazy Train”, especialmente o “pessoal da primeira fila” que faz jus a fama de serem os mais fanáticos e mostram que não estão na pista premium apenas pelo conforto, mas para ver de perto o último show de Ozzy Osbourne.

Mas seria mesmo o último show? A julgar pelo nome da turnê, “No More Tours 2”, talvez não. O próprio Ozzy diz que continuará fazendo shows e gravando discos, mas que pretende reduzir o ritmo, começando por não realizar mais turnês mundiais. Mas alguém arriscaria? A maioria dos fãs ainda lembra do Brasil que não fazia parte da rota dos grandes show internacionais. Por via das dúvidas, é melhor ir. O show termina simbolicamente com “Mama, I’m Coming Home” seguida da clássica “Paranoid” do Black Sabbath.

The Ozzy Osbourne Experience

Não há como explicar o que se sente em um show de Ozzy Osbourne. Em termos de movimentação ele nunca foi um Mick Jagger e não se tornará um às vésperas dos 70 anos, a serem completados dia 03 de dezembro. Independente disso, existe uma energia infinita em cada um de seus gestos. Seu prazer de estar ali conduzindo a comunhão dos fãs de rock é traduzida pelo sorriso infantil do príncipe das trevas. O que nos leva de volta ao questionamento: como pode Ozzy dizer adeus aos palcos se ainda é feliz?

Pelo sim, pelo não, quem arriscaria perder aquela que pode ser a última chance de ver uma lenda ao vivo? Não importa que desde 2011 o cantor já tenha passado quatro vezes pelo país, incluindo Porto Alegre. É penta! Nunca é demais viver a experiência Ozzy Osbourne. Nunca é demais sentir sua energia. Tentar descobrir como é possível levantar mais de 10 mil pessoas sem fogos de artifício, sem dançar ou saltar de cima dos amplificadores. É mais do que carisma, é uma ENERGIA. Difícil de explicar. A única maneira de saber é estando lá, é sentindo junto, foi isso que essa resenha tentou fazer, recriar a atmosfera do show para tentar descrever o indescritível. Se de alguma maneira o leitor sentiu-se envolvido por uma energia diferente, como se fizesse parte de algo maior do que ele mesmo, então talvez o objetivo tenha sido atingido.

Da esquerda para direita: o tecladista Adam Wakeman, o baixista Rob “Blasko” Nicholson, o sempre impecável baterista Tommy Clufetos, Ozzy e Zakk Wylde. Reprodução: Twitter

Existe algo de muito verdadeiro em cada “let me see your hands” ou “I love you all” e até mesmo quando ele tenta convencer a plateia de que só irá tocar outra canção se todos forem ainda mais “selvagens”. Ozzy “sapateia”, joga balde de água na plateia, curva-se olhando para guitarra de Zakk Wylde como quem se contorce de êxtase, mas nada se compara a quando ele diz: “let’s go crazy”. Nesse momento, mesmo que você não conheça a música e não tenha a menor ideia do que está prestes a acontecer, você sente que algo grande está a caminho e se prepara para pular na hora certa, como se fosse Ozzy Osbourne desde criancinha. E é esse poder agregador de Ozzy, de proporcionar essa sensação de pertencimento, que torna tudo especial. Não importa se você tem todos os discos do Sabbath ou se chegou no bis, você já faz parte de tudo isso. Não importa a sua vida lá fora, aqui e agora é hora de celebrar. E não é difícil entender o que significa “let’s go crazy”. Essas três palavras injetam toda a atmosfera do show diretamente na sua veia, que dissipará uma quantidade inexplicável de uma-sensação-muito-boa pela corrente sanguínea ao longo de todo o corpo, levando você a sentir algo que não pode ser descrito em palavras, algo que faz de um show do Ozzy Osbourne ou do Black Sabbath algo visceral, único e ao mesmo tempo comum a todo rock n’ roll que se preze.

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