Entrevista | Bia Ferreira: “Temos que levar o Morrostock para a favela”

Bia Ferreira, Morrostock 2018 (Foto: Vinícius Angeli)

Diego Rosinha, direto de Santa Maria

Bia Ferreira tem 25 anos, canta desde os 15. A mineira, que iniciou sua carreira musical em Aracajú/SE, não tem papas na língua, não faz discurso para agradar a plateia. É agressiva, tem uma agressividade de quem viveu na pele os preconceitos por ser preta e lésbica. E é justamente por isso que ela é símbolo de uma resistência que se faz cada vez mais necessária, urgente diante da onipresença do fascismo que culminou na – anos atrás inacreditável – eleição do capitão Jair Messias Bolsonaro para o cargo máximo da nação.

Bia foi uma das vozes ecoadas na mais recente edição do Morrostock, evento que reuniu milhares de resistentes no Balneário Ouro Verde, em Santa Maria/RS, entre 30 de novembro e 2 de dezembro.

Foi com orgulho e com misto de tietagem explícita que conversei com ela no backstage, logo após uma apresentação forte, provocativa, como não poderia deixar de ser.

Culturíssima: Como começaste tua carreira? Quais são as tuas influências e referências musicais e literárias?

Bia Ferreira: Canto desde os meus 15 anos, tenho 25. Como venho de uma família evangélica, minha mãe era cantora gospel e segui o mesmo caminho. Há oito anos passei a colocar mais mensagens políticas nas minhas músicas. Entre as minhas influências musicais, que são tantas, destaco James Brown, Elza Fitzgerald, Margarete Menezes, Elza Soares, entre tantas. Igualmente na literatura, as referências são muitas. Temos grandes escritoras negras ativistas no Brasil, como Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, Dora Doralice, Kimani…

Qual a tua relação com o RAP?

Gosto bastante de RAP, acredito que eles foram e são importantes para trazer a realidade do povo da favela para o grande público.

Por outro lado, o RAP, muitas vezes é visto como um movimento machista…

Sim, mas essa cultura está mudando. Exemplos são os Racionais, o Criolo, dois expoentes do RAP que mudaram letras para tirar esse cunho machista. Gosto muito dos Racionais, acho que fizeram – e fazem – o melhor e maior registro do povo preto em uma época em que se faz muito necessário. Além disso, tem mulher para caramba no movimento, e está crescendo.

Qual a importância de festivais como o Morrostock?

Neste momento, de consolidação do fascismo, com a eleição do Bolsonaro, esses festivais se fazem ainda mais necessários. Se ele se elegeu com fake news, é importante que tenhamos voz nesses palcos para espalhar as notícias verdadeiras.

Comentaste durante o show que sentia falta de pessoas pretas no público…

Sinto! As pessoas pretas, pobres, a base da pirâmide social, não estão representadas nesse tipo de festival, que é importante por mostrar a resistência política, mas não tem tanta representatividade. É preciso levar o Morrostock para a favela, ir para lá divulgar esse festival, porque são essas as pessoas que mais precisam de informação. Aqui falamos em Reforma Agrária, as pessoas aplaudiram. Elas aplaudiram porque tiveram acesso ao conhecimento. O povo da favela não tem. Por isso é importante levar esse discurso para lá. Não adianta esperar que a escola pública faça esse papel. A criança da favela está esperando acabar o tiroteio, debaixo de uma mesa… ela não vai conseguir absorver isso na escola. Essas pessoas não representam a realidade brasileira, composta por mais de 54% de pretos e pardos com altos níveis de pobreza. Por isso, levar para a favela esses espaços é eficaz. Como coloca a Angela Davis, quando movemos a base da pirâmide, toda ela se mexe, então é um caminho importante para se seguir.

Consideras esses festivais elitistas? Qual seria a solução?

São elitistas, porque nem todos têm possibilidade de vir até aqui, um lugar afastado, pagar R$ 200 por um ingresso. A solução seria, além de divulgar melhor nos centros mais pobres, nas favelas, trazer preços populares para esse público.

Acreditas que haja perseguição ao discurso mais radical, como o teu? Isso deve se acentuar no próximo ano, com a posse de Bolsonaro?

Certamente. Eu acredito que aqui, por exemplo, tinha gente infiltrada para saber o que estávamos fazendo. Eu mesma já recebi ameaças (sem fornecer detalhes).

Bia foi uma das vozes de um festival que, na sua 12ª edição, reuniu mais de 30 bandas do Brasil e da América do Sul em três dias de muita paz, amor e empatia em meio à natureza exuberante do Balneário Ouro Verde. Além dos shows, distribuídos em dois palcos, o evento teve ainda oficinas de temas que trataram de sustentabilidade a questões sociais.

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